A queda no índice oficial de inflação em junho, anunciada nesta terça-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é vista como um elemento de pressão para o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) iniciar um ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, a partir de agosto. A opinião é de economistas ouvidos pela Agência Brasil.
De acordo com a análise de especialistas, o Brasil está com queda na inflação desde fevereiro deste ano, com redução de preços em produtos de alimentação e bebidas.
O país registra a menor inflação acumulada em 12 meses, desde setembro de 2020. | (Foto: Marcelo Casal Jr / Ag. Brasil)
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) ficou em -0,08% no mês passado. Foi o menor índice para um mês de junho
desde 2017. Os grupos alimentação e bebidas e transportes foram os que mais
ajudaram a puxar os preços para baixo no mês passado.
“A inflação está em uma trajetória decrescente
desde fevereiro, e o acumulado em 12 meses está em 3,16%, bem no centro da meta
de inflação. Como a taxa Selic é para se atingir esta meta, a cobrança pela
redução deve ganhar força”, diz o professor Jorge Claudio Cavalcante, do
Departamento de Análise Econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O economista Fabio Bentes, da Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), considera o resultado
do IPCA uma “grata surpresa”. “Esperava até uma estabilidade, uma ligeira
queda, e veio um recuo um pouco mais forte que o esperado”, avalia.
Para André Braz, do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), há três fatores principais que
fazem pressão sobre a autoridade monetária. Um deles é o índice de difusão, que
mede o percentual de produtos e serviços que registraram aumento de preços.
Esse índice tem apresentado queda. “Em junho caiu para 50%. Esse número dois ou
três meses atrás estava em torno de 60%, então, isso mostra que menos produtos
e serviços subiram de preço, isso é um bom indicativo”, destaca.
Outro fator, segundo Braz, é o chamado núcleo da
inflação. “O núcleo tem a tarefa de medir a verdadeira tendência da inflação e,
apesar de estar muito distante da meta, está mostrando desacelerações, isso
também antecipa que a inflação está realmente em um processo de redução”,
analisa.
O economista destaca ainda o comportamento dos
preços dos alimentos. “Isso é bom porque mostra que, onde a população mais
carente sente mais a inflação, o IPCA também está perdendo fôlego. Esse
processo de desinflação que começa nos alimentos favorece a condição da própria
política monetária [controle dos juros]. Eu diria que a gente tem os elementos
para um primeiro corte na taxa básica de juros na reunião [do Copom] de
agosto”, aponta Braz.
O economista e professor do Ibmec Gilberto Braga
acredita em um consenso por redução dos juros, mas aponta um sinal de alerta
que pode diminuir o tamanho do corte.
“Houve um aumento no preço dos serviços, que é
um setor extremamente relevante dentro da composição da inflação. É o único
ponto negativo que se pode verificar nesse IPCA de junho. Isso afasta a
possibilidade, no meu ver, de uma redução maior que 0,25 ponto percentual”,
avalia.
Bolso do consumidor
Apesar de o grupo alimentação e bebidas ter sido
o de maior impacto no recuo dos preços em junho, o professor Jorge Claudio
Cavalcante, da Uerj, explica que não necessariamente a população possa já ter
sentido esse alívio no bolso. “Devemos esperar uma queda mais pronunciada até
que as pessoas comecem a sentir um alívio”, prevê.
Destacando que o IPCA de junho apontou uma queda
de 8,96% no preço do óleo de soja, o economista Ricardo Caldas, professor da
Universidade de Brasília (UnB), aponta que o consumidor ganha poder de compra.
“É uma queda bastante substancial e, certamente, vai refletir no poder de
compra porque o consumidor que economiza com óleo de soja vai gastar esse
dinheiro que sobra em outras coisas.”
"A percepção geral, quando você compara
numa perspectiva de mais longo prazo, é de que os alimentos ainda estão caros,
o que, de fato, se comprova porque eles foram os vilões da inflação desde a
pandemia. Quem faz compra de maneira frequente percebe que alguns itens ficaram
mais baratos. Mas aquelas pessoas que não vão com habitualidade aos mercados e
que têm memória de preços ainda têm uma noção de que está tudo muito
caro", aponta Gilberto Braga.
Copom
O professor Marco Antônio Rocha, do Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas), relativiza a pressão que a
inflação negativa de junho pode fazer no Copom.
"A deflação está muito concentrada em itens
do IPCA que respondem pouco à política monetária [taxa de juros]. Alimentos têm
preço formado em mercado, e transportes são preços administrados, então, no
fundo, a política monetária teve pouca relação com essa deflação”, avalia.
O Copom faz reuniões a cada 45 dias, em que
decide a taxa básica de juros. Atualmente, a Selic está em 13,75%, sob a justificativa
de que é preciso combater a inflação. Ao fim da reunião mais recente, 21 de
junho, o Copom emitiu um comunicado para explicar a decisão: “O comitê avalia
que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política
monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da
evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis
à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em
particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do
produto e do balanço de riscos”, ressalta a nota.
O juro alto é uma forma de controlar a inflação,
pois desestimula o consumo e deixa o crédito mais caro. Porém, é mais
recessivo, afetando o crescimento da economia e a geração de empregos. Por
isso, governo, empresários e centrais sindicais têm pressionado pela queda da
Selic.
A próxima reunião do Copom será nos dias 1º e 2
de agosto. Ricardo Caldas, da UnB, lembra que, além do cenário de deflação
recente, uma mudança na formação do comitê aumenta a pressão pela queda da
Selic. O Senado aprovou, no começo do mês, os nomes de dois novos diretores
indicados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A diretoria
agora já não é mais formada apenas por indicações do governo passado. Com isso,
a tese da redução da taxa de juros também ganha força dentro do Banco Central”,
explica.
O economista Fabio Bentes, da CNC, ressalta o
país registra a a menor inflação acumulada em 12 meses, desde setembro de 2020,
no auge da pandemia. "Portanto, isso abre espaço para alguma inflexão da
política monetária do país”, diz. Para ele, o fato de os preços dos alimentos
estarem com uma tendência de queda faz com que uma mudança de postura do Banco
Central não se limite a apenas um corte na taxa Selic, mas sim várias reduções.
“A tendência de queda no preço dos alimentos] é
ótima porque tende a fazer com que a inflação ao longo deste ano continue a
migrar para o centro da meta, isso deve fazer com que o BC comece a implementar
uma sequência de corte nos juros. Claro que o BC não olha para inflação de
junho, não olha mais para a inflação de 2023, olha para inflação de 2024. E a
expectativa o IPCA de 2024 já está dentro do intervalo da meta de inflação”,
ressalta.
A meta para a inflação deste ano é de 3,25%, com
variação de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Já para 2024 e 2025,
o alvo do governo é um IPCA em 3%, com o mesmo intervalo de variação.
Próximos meses
Apesar de enxergarem espaço para o Copom cortar
a taxa de juros, os economistas não acreditam, necessariamente, que haja outros
resultados abaixo de zero ao longo de 2023. “Não acho que devemos ver novas
deflações, a título de exemplo, sem a redução do preço dos automóveis novos, o
IPCA teria uma alta na faixa de 0,05%”, estima Cavalcante, da Uerj.
“O processo de desaceleração dos preços a gente
já vê desde janeiro. Isso deve continuar nos próximos meses. Essa queda deve
continuar não necessariamente gerando deflação, mas tudo indica que vamos ter
um índice de preço em 2023 menor que o de 2022 [5,79%], e o mercado já está
apostando para 2023 numa inflação abaixo, ou seja, dentro da meta”, explica
Caldas, da UnB.
O economista André Braz, do Ibre/FGV, estima que
a gasolina deve ficar mais cara em julho, por causa da volta de tributos
federais. Mas sem efeitos tão negativos para a inflação geral.
“A gente está vendo uma descompressão da
inflação mais generalizada, principalmente entre os alimentos. A alimentação
mais barata beneficia as famílias, principalmente as mais pobres, que
comprometem mais da renda para a compra de alimentos. Isso mostra que o
processo inflacionário vai ser menos cruel com as famílias que têm menos de
defesa”, diz.
Gilberto Braga, do Ibmec, ressalta que o
comportamento de preços controlados, como plano de saúde e tarifas de
transportes público, luz e água, ainda manterão um comportamento de
continuidade na inflação. “A gente tem aniversários de vários contratos
importantes, reajuste de tarifas de transporte público em algumas capitais, e,
quando você olha a inflação em 12 meses, você puxa a memória para esse
reajuste. Essa é uma das razões pelas quais você não derruba a inflação de
maneira absurdamente abrupta de uma hora para outra”, explica.
O professor Marco Antônio Rocha, da Unicamp,
também acredita que o IPCA vai terminar o ano dentro do teto da meta do BC. Mas
ressalta que o Brasil está exposto também a riscos que não dependem da política
monetária brasileira. “Pode haver outras pressões que vão surgindo pelo meio do
caminho, por exemplo, as questões climáticas tornam muito incerta a situação do
preço dos alimentos. Tem turbulências internacionais na zona de conflito na
Ucrânia, que podem afetar o mercado internacional, e tem ainda todo o
comportamento da economia norte-americana, que parece que está ganhando
fôlego”, enumera.
O comportamento controlado do IPCA e um esperado
corte na Selic são, de acordo com Fabio Bentes, da CNC, um propulsor para o
crescimento da economia. “A gente não tem grandes pressões de preço no
horizonte que permitam um excesso de cautela por parte da autoridade monetária.
Devemos fechar o ano com uma taxa Selic em torno de 12%, que é muito alta
ainda, mas a tendência é o início de um processo de flexibilização e, lá no
final de 2024, quem sabe, uma Selic perto de 9%. Estaremos diante,
possivelmente, de um novo ciclo de expansão econômica."
Autor:Ag Brasil
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