Quem acompanhou os bastidores da saída de Luiz Henrique Mandetta do
ministério da Saúde sabe que uma das principais razões para a escolha do
oncologista Nelson Teich é o
perfil discreto. Nas palavras de um amigo de Bolsonaro e do novo
ministro, o presidente estava incomodado com um subordinado que disputava
holofotes com ele e tem convicção de que Teich não fará isso pois jamais teve
atuação política. Mal usa as redes sociais. Para os profissionais de Saúde que
o conhecem, o grande desafio dele vai ser atravessar a pandemia e ao mesmo
tempo conhecer o Sistema Único de Saúde, com o qual ele pouco trabalhou, além
de manter a defesa do isolamento horizontal.
O presidente Jair Bolsonaro e o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, no Palácio do Planalto.16/04/2020 Foto: Jorge William / Agência O Globo |
Em artigo recente sobre a pandemia do novo coronavírus, o
oncologista Nelson Teich se mostrou a favor do isolamento horizontal, como
Mandetta. "Diante da falta de informações detalhadas e completas do
comportamento, da morbidade e da letalidade da Covid-19, e com a possibilidade
do Sistema de Saúde não ser capaz de absorver a demanda crescente de pacientes,
a opção pelo isolamento horizontal, onde toda a população que não executa
atividades essenciais precisa seguir medidas de distanciamento social, é a
melhor estratégia no momento", escreveu ele no dia 3 de abril.
De acordo com o médico, o isolamento vertical, defendido por
Bolsonaro, "tem fragilidades e não representaria uma solução definitiva
para o problema". Alinhado com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
atual gestão do ministério, Teich defende a testagem em massa como estratégia
de enfrentamento à Covid-19. Médicos, porém, argumentam que essa defesa da
testagem em massa enfrentará os limites do próprio SUS, um sistema grande e
complexo.
Antes da chegada ao cargo, ele chegou a colaborar com a campanha
de Bolsonaro em 2018, e, mais recentemente, com a equipe de Mandetta. De
setembro de 2019 até janeiro deste ano, foi consultor do ministério da Saúde
junto ao assessor Denizar Vianna, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde. Vianna é antigo conhecido de Teich. Os
dois foram sócios na MDI Instituto de Educação e Pesquisa. De acordo com a
Receita Federal, a empresa foi aberta em 2009 e baixada em fevereiro do
ano passado.
Ele desembarcou em Brasília na manhã desta quinta-feira para o
encontro com o presidente Jair Bolsonaro, com quem se definiu “alinhado”. O
médico teve, segundo relatos, apoio do chefe da Secretaria Especial de
Comunicação Social (Secom), Fabio Wajngarten. Além disso, ele teria a indicação
do empresário Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, também estaria atuando
por Teich. A indicação foi respaldada também pela Associação Médica Brasileira
(AMB) e pelo senador Flavio Bolsonaro, filho mais velho do presidente.
Médico formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ), ele é descrito por ex-colegas como uma pessoa extremamente discreta,
técnica e com um currículo com estatura para o cargo. Depois da faculdade, ele
fez oncologia no Instituto Nacional de Câncer (Inca). Também é doutor em
Ciências da Saúde e Economia da Saúde pela Universidade de York, do Reino Unido
e chegou a prestar consultoria para o Hospital Israelita Albert Einstein, de
São Paulo.
A escolha para o posto aconteceu em poucos dias. De acordo com
aliados do presidente, o nome do oncologista surgiu na segunda-feira. A rapidez
com que Teich foi oficializado no posto gerou, no entanto, desconfiança até
mesmo entre aliados de Bolsonaro. Embora a relação com Mandetta estivesse
insustentável, a avaliação era de que o presidente deveria fazer “mais
entrevistas” com os cotados. Teich e Bolsonaro tiveram apenas um encontro, que
ocorreu na manhã desta quinta-feira, dia em foi apresentado como o novo chefe
da Saúde. O novo ministro agradou por chegar para a reunião com um plano de
ação, especialmente destacando a necessidade de se discutir a saúde de forma
integrada à economia.
A gestão
Mandetta: da chegada ao Ministério da Saúde ao embate final na
crise do coronavírus
Teich trilhou o roteiro de uma carreira de sucesso, mesmo tendo
mudado de rumo radicalmente quando trocou a oncologia pela economia e virou empresário.
Em 1990, fundou as Clínicas Oncológicas Integradas (COI), um lugar em que,
segundo uma amiga daquele tempo, “todos os médicos queriam trabalhar”. Os
médicos tinham participação societária, podiam fazer pesquisa, a excelência era
estimulada. Por essa época, ele deixou a prática da oncologia e passou a querer
ser identificado como um “economista da saúde” .
O COI deu tão certo - um empreendimento descrito como um
verdadeiro império em medicina - que Teich recebeu uma proposta por ele e o
vendeu em 2015 para a UHG/Amil. Ele continuou a ocupar a presidência até
2018. Agora ele é sócio de uma consultoria de serviços médicos chamada
Teich Health Care. Ele também trabalhou na Agência Nacional de Saúde (ANS) e
seu trabalho foi considerado bem-sucedido na estruturação de redes de atenção
oncológica na rede privada.
A professora da Lígia Bahia, professora da Pós-graduação em Saúde
Coletiva da UFRJ, diz que Teich tem envergadura para ocupar o cargo, “é uma
pessoa focada em gestão de saúde”, mas enfrentará a inexperiência com o SUS:
— Tudo dependerá da autonomia que ele terá e do que negociou com o
presidente Bolsonaro para assumir um posto que pode se tornar um desastre se
mal conduzido — afirma ela,
Lígia Bahia compara a situação do ministro à do timoneiro do
Titanic ao se aproximar do iceberg: - A diferença é que ele sabe que o
iceberg, a pandemia de Covid-19, está lá, na escuridão à sua frente. Ele
conhece o mundo da ciência e da medicina, tem esse conhecimento para navegar,
mas terá a autonomia política para desviar do iceberg e salvar o Titanic?
Nestes dias de pandemia, Teich também enfrentará o escrutínio
público. Pouco depois de seu nome ser anunciado, usuários de redes sociais
resgataram um vídeo de Teich do ano passado quando ele participou do 9º Fórum
Nacional Oncoguia e falou sobre as dificuldades de orçamento dos sistemas
públicos que obrigavam as autoridades a fazer escolhas.
— Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer
escolhas, vai ter que definir onde você vai investir. Tenho uma pessoa mais
idosa, que teve uma doença crônica, avançada, e teve uma complicação. Para ela
melhorar, eu vou gastar praticamente a mesmo dinheiro que vou gastar para
investir em um adolescente, que está com um problema. O mesmo dinheiro, é
igual, só que essa pessoa é um adolescente que tem a vida inteira pela frente e
a outra pessoa idosa que pode estar no final da vida. Qual vai ser a escolha? —
questionou, na ocasião.
Lígia Bahia também recordou que Teich é próximo ao ministro da
Economia, Paulo Guedes, e talvez tenha mais sucesso do que seu antecessor em
conseguir receber o restante dos R$ 160 bilhões prometidos pelo governo à Saúde
e dos quais foram repassados apenas cerca de R$ 8 bilhões. Um colega dos tempos
de faculdade lembra que Teich não era apenas bom aluno. Era também um ótimo
goleiro. Resta saber se o novo ministro conseguirá segurar o coronavírus.
O Globo.
0 Comentários