As intensas chuvas que
banharam o Estado entre as 7 horas de quinta-feira (12) e 7 horas de ontem
(13), geraram sentimento divergente nos cearenses. Enquanto uns comemoram os
aportes hídricos em açudes e barragens do Ceará, outros lamentam os prejuízos
causados, sobretudo, pela fragilidade e deficiência estrutural das cidades.
Famílias desabrigadas, ruas alagadas, móveis e eletrodomésticos danificados,
muros e casas caídos. Moradores de pelo menos quatro cidades, de três regiões
do Estado, amargam danos e procuram respostas para tamanhos prejuízos. Em
Icapuí, no litoral Leste do Estado, a chuva de 220 milímetros foi a terceira maior
da história do Município. Tamanha quantidade de água caindo do céu em um curto
período de tempo deixou um saldo de 15 famílias desabrigadas. A área mais
afetada foi o Centro do Município. Conforme o coordenador municipal da Defesa
Civil, Daniel Oliveira, "o cenário é preocupante". Membros da Defesa
Civil realizaram, ao longo de ontem, vistorias em diversas localidades do
Município, que conta com quase 20 mil habitantes. Em pelo menos 14 ruas, houve
erosão e crateras se abriram. A lama invadiu casas e, três delas, na Serra de
Icapuí, tiveram de ser evacuadas.
"A situação é muito
complicada. A chuva deu uma trégua no fim da tarde, mas há previsão de mais
precipitações e isso preocupa", acrescenta Daniel. Ainda conforme o
coordenador, a Defesa Civil do Estado deve enviar, na manhã de hoje,
suprimentos para os desabrigados. Para o engenheiro Humberto Joice, chuvas
desta intensidade naturalmente podem deixar estragos, mas recordou que a
estruturação deficitária das cidades potencializa os estragos. "Em muitos
casos, há construção em áreas impróprias e ruas sem drenagem apropriada. Quando
se soma isso às chuvas, o resultado é extremo", avalia. A Defesa Civil de
Icapuí não confirmou se as casas mais afetadas foram construídas em locais
inadequados, mas disse que fará um estudo para apurar edificações em áreas de
risco.
Mais desabrigados
Em Iguatu, na região
Centro-Sul, e Massapê, no Norte do Estado, mais de 30 famílias foram expulsas
de casa pela água. No primeiro Município, um bueiro, obstruído, não deu vazão a
chuva de 86mm e inundou ruas do bairro Vila Coqueiro. Pelo menos, 16 famílias
ficaram desalojadas. "Perdi tudo", lamenta a dona de casa Cícera
Carlos Araújo. "A água entrou rapidamente na casa e perdi guarda-roupa,
geladeira, sofá e cama", contabiliza Ana Maria de Lima. A Prefeitura disse
que vai realizar a limpeza de todos os canais e bueiros obstruídos. Para a
mestre em Edificações, Rosa Maria, ações como estas evidenciam que "o
cronograma de ação de muitos gestores municipais está invertido e completamente
equivocado". Ela lembra que o segundo semestre do ano, no Estado, é quase
que totalmente ausente de precipitações e, por isso, "é o período mais
adequado para ações preventivas".
Em Massapê, 16 famílias,
a maioria do bairro Nossa Senhora de Fátima, um dos mais afetados, passaram a
noite em um colégio municipal. A chuva de 39.5 mm aumentou o volume do Rio
Contendas que alagou casas e ruas. De acordo com a Defesa Civil do Município, pelo
menos 100 famílias vivem próximas ao leito do rio. "Vamos apurar o risco
que essas pessoas correm", pontuou Iolanda de Melo, secretária de
Assistência Social de Massapê. As famílias afetadas permanecem alojadas pelo
Município que deve ativar ações assistencialistas, como a disponibilização de
aluguéis sociais. Todas as refeições estão sendo feitas no local.
Canal do Medo
Em Crato, o canal do Rio
Granjeiro, que já possui histórico de enchentes, inundou pela segunda vez no
ano. Ruas do bairro Lameiro ficaram alagadas. Os problemas enfrentados pelos
moradores durante a madrugada e manhã de ontem não são isolados. Em fevereiro
deste ano o cenário se repetiu. À época, o então secretário interino de
Infraestrutura do Município, Carlos Andson, reconheceu o transtorno como
"crônico". No ano passado, R$ 1,49 milhão foi destinado para
reconstrução do canal. No entanto, segundo os moradores, os resultados não são
efetivos. "A obra parece nunca avançar. Moro aqui do lado há 16 anos e
sempre passei por sufoco quando começa a chover", denuncia um comerciante
que pede para não ter sua identidade divulgada. No Centro da cidade, parte do
muro do Cemitério Público Nossa Senhora da Piedade foi arrastado. Além disso,
covas e caixões foram arrastados pela correnteza que se formou. A exemplo do
Canal Granjeiro e dos problemas de Iguatu, Icapuí, Massapê, o cemitério também
já sofreu danos causados pelas chuvas. Em 2009, um temporal chegou a arrastar
parte de túmulos, caixões e até restos mortais do espaço. "Percebemos, em
comum a todas essas cidades, que os problemas se repetem. É mais uma evidência
de falha estrutural. Se as ações paliativas fossem definitivas, o cenário
provavelmente não se repetiria ano após ano", avaliou Humberto. Um
projeto, em andamento, para criação de uma Unidade de Conservação dentro do
Parque de Exposição Pedro Felício Cavalcante, que abrangeria a área do
cemitério, deve beneficiar o equipamento, segundo a Secretaria de Meio Ambiente
do Estado (Sema).
Mais chuvas
Conforme o
meteorologista da Funceme, Raul Fritz, para este fim de semana, a tendência é
de mais chuvas em todas as regiões do Estado devido a aproximação da Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT), que é o principal sistema que traz chuvas
para o Ceará nessa época do ano. "A zona de convergência se aproximou
ainda mais da costa cearense e devemos ter maior quantidade de municípios
atingidos e maior pluviometria nos próximos dois dias", pontuou. O
prognóstico, se confirmado, pode ajudar a suprir uma deficiência histórica do
Estado, que são as chuvas territorialmente irregulares. Mesmo em anos com
chuvas acima da média, algumas regiões cearenses não são contempladas de forma
equitativa. O impacto é amplo. Os maiores açudes do Ceará (Castanhão e Orós)
estão situados justamente nessa porção do Estado cujas precipitações costumam
ser mais brandas. Neste ano, em apenas dois dias choveu em mais de 85% das
cidades. Ontem, 165 foram banhadas e, no dia 5 de fevereiro, 178 dos 184
municípios receberam pluviometria.
Famílias ficaram
desabrigadas em Crato, Iguatu e Icapuí. As Defesas Civis destes Municípios
analisam risco de desabamento
Por André Costa
Fonte: Diário do
Nordeste
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