O
ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado
em Minas, patrocinou um esquema de candidaturas laranjas no estado que
direcionou verbas públicas de campanha para empresas ligadas ao seu gabinete na
Câmara.
Após
indicação do PSL de Minas, presidido à época pelo próprio Álvaro Antônio, o
comando nacional do partido do presidente Jair Bolsonaro repassou R$ 279 mil a
quatro candidatas. O valor representa o percentual mínimo exigido pela Justiça
Eleitoral (30%) para destinação do fundo eleitoral a mulheres candidatas.
Apesar
de figurar entre os 20 candidatos do PSL no país que mais receberam dinheiro
público, essas quatro mulheres tiveram desempenho insignificante. Juntas,
receberam pouco mais de 2.000 votos, em um indicativo de candidaturas de
fachada, em que há simulação de alguns atos reais de campanha, mas não empenho
efetivo na busca de votos.
A Folha visitou
as cidades de Ipatinga, Governador Valadares, Timóteo e Coronel Fabriciano, na
região do Vale do Rio Doce, leste de Minas Gerais, e investigou as informações
prestadas por elas à Justiça Eleitoral.
Dos
R$ 279 mil repassados pelo PSL, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na
conta de quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores
do hoje ministro de Bolsonaro.
Esse
é o caso, por exemplo, de Lilian Bernardino, candidata a deputada estadual em
Governador Valadares. Ela é próxima a Haissander Souza de Paula, que foi
assessor do gabinete parlamentar de Álvaro Antônio de dezembro de 2017 ao
início deste ano, quando o deputado assumiu o Ministério do Turismo. Haissander
hoje é secretário parlamentar do suplente de Álvaro Antônio na Câmara, Gustavo
Mitre, do PHS.
Lilian
recebeu da direção do PSL R$ 65 mil de recursos públicos, declarou ter gasto
todo esse valor e obteve apenas 196 votos. No mesmo dia ou poucos dias depois
de ter recebido as verbas, ela repassou boa parte para quatro empresas que têm
ligações com o ministro do Turismo.
Um
total de R$ 14,9 mil foi para duas empresas de comunicação de um irmão de
Roberto Silva Soares, conhecido como Robertinho Soares, que foi assessor do
gabinete de Álvaro Antônio e coordenou sua campanha no vale do Rio Doce. Outros
R$ 10 mil foram direcionados para uma gráfica de uma sócia do irmão de
Robertinho.
Houve
também pagamento de R$ 11 mil à empresa de Mateus Von Rondon Martins, de Belo
Horizonte, responsável pela divulgação do mandato de Álvaro Antônio e hoje
assessor especial do Ministério do Turismo.
Lilian
declarou gasto de R$ 2.500 com o secretário do PSL em Ipatinga, Edmilson Luiz
Alves, que, segundo o que informou a candidata à Justiça Eleitoral, fez
atividades de militância e mobilização de rua para a campanha.
À Folha Edmilson,
que coordenou o comitê de campanha do PSL na região, disse nunca ter visto a
candidata.
“Em
Valadares eu não acompanhei ninguém”, afirmou, dizendo que jamais assinou
recibo eleitoral de serviços para Lilian. “Não, não conheço essa Lilian não.
Nem o telefone dela eu tenho.”
Um
dia após a Folha procurar ouvir os envolvidos, Edmilson ligou
de novo dizendo ter se lembrado do trabalho. Segundo ele, sua tarefa consistiu
em intermediar a contratação para Lilian de uma empresa de disparo de mensagens
de WhatsApp.
Ele
não soube explicar por que o nome dele, e não da suposta empresa, aparece na
prestação. Também se comprometeu a passar o nome e o contato dessa empresa, mas
não fez isso até a conclusão desta reportagem.
A Folha procurou
Lilian por telefone e em endereços de Valadares em que teria morado, mas não
conseguiu contato.
Outra
candidata campeã de dinheiro do PSL, mas lanterna de votos, é Mila Fernandes.
Teve 334 votos a deputada federal. Ela disse à Justiça ter gasto os R$ 72 mil
que recebeu. Entre outros fornecedores, R$ 4.900 para Mateus Von Rondon.
O
hoje assessor especial do Turismo declarou serviços eleitorais a apenas essas
quatro candidatas do PSL, além de outro postulante de Minas Gerais.
Por
telefone, Mila disse à Folha que fez campanha, mas encerrou a
ligação após ser questionada sobre quais atos eleitorais havia realizado. Por
mensagem de texto, afirmou que só daria entrevista pessoalmente. A Folha se
dispôs a ir onde ela indicasse, mas ela não respondeu mais.
A
reportagem visitou as cidades de Timóteo e Coronel Fabriciano no dia seguinte
em pelo menos três endereços que poderiam ser dela, mas não a encontrou.
A
terceira candidata é Débora Gomes, a mais bem sucedida das quatro, tendo obtido
885 votos para deputada estadual.
Ela
recebeu a Folha na garagem de casa, em uma rua do centro de
Ipatinga. Afirmou que fez campanha com foco em familiares e amigos e que
imprimiu e mandou distribuir material. Mas que não teve tempo para se dedicar
às eleições porque é enfermeira particular e tem pacientes que não poderia
abandonar.
Na
garagem é visível um adesivo desbotado dela ao lado da foto de Bolsonaro.
Débora também declarou ter feito seus principais gastos em firmas vinculadas ao
hoje ministro —R$ 30 mil nas empresas do irmão de Robertinho, R$ 10 mil na da
sócia deste e R$ 7.600 para Mateus Von Rondon.
Débora
disse que conheceu Von Rondon durante a campanha, negou que Álvaro Antônio ou
assessores tenham direcionado seus gastos, mas não soube dizer qual serviço o
assessor especial do ministro fez.
A
quarta candidata é Naftali Tamar, que disputou uma cadeira na Câmara. Recebeu
R$ 70 mil e teve 669 votos. Ela declarou gasto de R$ 9.000 com Von Rondon.
A Folha não conseguiu localizá-la.
Além
das quatro, uma quinta candidata do PSL de Minas, Cleuzenir Souza, recebeu do
partido R$ 60 mil de recursos públicos e obteve 2.097 votos. Ela não declarou
gastos com nenhuma empresa vinculada ao ministro e, durante a campanha,
registrou um boletim de ocorrência em que acusa dois assessores de Álvaro
Antônio de cobrar dela a devolução de metade do valor —conforme noticiado em
dezembro pela coluna Mônica Bergamo, na Folha.
Esses
dois assessores teriam exigido isso como pagamento de material de campanha do
partido que, segundo ela, não teria custado nem R$ 5.000. A Folha a
procurou em Governador Valadares, onde ela morava, mas familiares afirmaram que
ela se mudou para Portugal logo após as eleições.
Marcelo
Álvaro Antônio trocou o PR pelo PSL no início de 2018, seguindo Bolsonaro, de
quem foi o coordenador de campanha em Minas.
Na
esteira da onda que elegeu o presidente da República, conseguiu 230 mil votos e
foi escolhido como um dos poucos integrantes da “cota política” do primeiro
escalão do presidente da República. Em sua prestação de contas, ele não usa
nenhuma das empresas mencionadas nesta reportagem.
Em
suas redes sociais, Álvaro Antônio divulgou no início de 2018 vídeo ao lado de
Bolsonaro e de Robertinho Soares, que também comanda o PSL em Ipatinga. Na
ocasião, o então pré-candidato à Presidência pedia aos eleitores que se
filiassem ao PSL de Minas para serem candidatos nas eleições.
Outro
lado
O
ministro Marcelo Álvaro Antônio afirmou, por meio da assessoria, que “a
distribuição do fundo partidário do PSL de Minas Gerais cumpriu rigorosamente o
que determina a lei” e que “refuta veementemente a suposição com base em
premissas falsas de que houve simulação de campanha com laranjas no partido.”
A Folha encaminhou
nove perguntas específicas para o ministro. Ele encaminhou uma resposta única.
“Fazer
ilações sobre o valor gasto por qualquer candidato e a quantidade de votos que
o mesmo conquistou é, no mínimo, subestimar a democracia e o poder de análise
dos eleitores”, afirmou.
Segundo
ele, a contratação de empresas é de responsabilidade de cada candidato. Sobre
as suas, especificamente, que não são objeto desta reportagem, ele disse que
“foram feitas de forma legal como comprova a aprovação da prestação de contas
pela Justiça Eleitoral”.
O
ministro não respondeu a perguntas como a de quais foram os critérios
utilizados por ele para a escolha das candidatas e para o volume de recursos
repassados e se houve direcionamento dele ou de assessores para que elas
usassem suas verbas nas empresas vinculadas a seus assessores.
Von
Rondon, hoje assessor especial do ministro do Turismo, disse que faz gestão de
mídias sociais, geração de conteúdo, vídeos e peças gráficas para Álvaro
Antônio e que trabalhou efetivamente para as quatro candidatas.
Segundo
ele, com Débora, houve uma reunião de orientação em Belo Horizonte.
“O
serviço foi prestado. Eu tenho os materiais para poder comprovar”, disse ele,
que ficou de repassá-los, o que também não ocorreu até a conclusão desta
reportagem.
No
contato por telefone, ele afirmou em um primeiro momento que as quatro
candidatas tiveram votação “relativamente expressiva”, na comparação recurso
versus voto. A Folha relatou que a comparação mostra
exatamente o inverso, mas ele não fez mais comentários sobre isso.
A
reportagem tentou novamente contatá-lo em busca do material que ele havia
prometido enviar, mas Von Rondon não atendeu mais.
A Folha falou
brevemente por telefone com Robertinho Soares. Após a reportagem se
identificar, ele desligou e não atendeu mais as diversas ligações feitas
posteriormente.
Seu
irmão Reginaldo Soares, dono da I9 Minas e da Imagem Comunicação, disse que
prestou todo o serviço declarado pelas candidatas. Afirmou que fez a
coordenação de comunicação, pesquisas e elaboração de peças visuais para uso na
internet, além de anúncio no seu jornalzinho, que funcionava em uma loja de
Ipatinga.
A Folha visitou
o local, que está desocupado desde o fim do ano passado. “A gente presta
serviço principalmente para as prefeituras, e o estado está quebrado. Nossos
clientes estão bem escassos, então a gente acabou, por dívidas, desativando a
sede até que tenha condições melhores.”
Ele
negou que o dinheiro tenha sido usado para outro fim.“Tanto é que hoje em dia
tem quem se envolve em dinheiro de corrupção tá super bem e com a vida
tranquila. E não é o nosso caso, a gente trabalha pra sobreviver.”
Sócia
sua em uma das empresas, Luzmar do Carmo diz que imprimiu material de campanha
para as candidatas, mas não soube precisar a quantidade e os valores porque,
afirmou, seus funcionários estavam de férias. A Folha não
conseguiu localizar Haissander.
Fonte: Folha.com
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