Samba e política sempre andaram juntos. Na Avenida, essa história também é longeva. Há registros de escolas que celebraram o fim da ditadura, como a Império Serrano em 1986. Há escolas que homenagearam figuras importantes como Marielle Franco, caso da Mangueira e seu histórico samba enredo em 2019. Também há escolas que foram censuradas ao levarem temas polêmicos, como a Beija Flor em 1989, e ganharam um status extremamente político e combativo.
No primeiro dia de desfiles na Sapucaí, Salgueiro homenageou o o povo Yanomami no samba Hutukara. (FOTO | David Normando | Rio Carnaval).
Neste ano, o Salgueiro,
tradicional escola de samba do Rio de Janeiro — quarta maior campeã do carnaval
carioca — levou para a avenida, neste domingo (11), um samba que segue esta
tradição e homenageia a luta do povo Yanomami. O samba enredo Hutukara usa
termos da língua yanomami e foi construído em parceria com importantes figuras
indígenas, como Davi Kopenawa. O xamã, inclusive, fez uma exigência ao
Salgueiro: que o desfile não tornasse os yanomamis vítimas, mas retratasse o
povo guerreiro que, de fato, são.
"Esse pedido foi, vamos
dizer assim, um soco na nossa cara, porque o nosso propósito era falar sobre o
povo Yanomami. Claro que quando a gente concebeu a ideia do enredo, a gente
estava vendo aquela tragédia passando na televisão", explica Igor Ricardo,
enredista do Salgueiro.
"A frase do Davi foi
inteligentíssima e uma provocação para o Salgueiro: 'vocês querem falar do povo
Yanomami? A gente aceita, mas a gente não quer ser visto pela ótica da
tragédia, até porque essa ótica da tragédia é feita por vocês, não indígenas.
Se tem tragédia no meu povo, no meu território, essa tragédia é provocada pelo
homem branco, pelo napë [estrangeiro, branco]'", completa Ricardo.
O enredista é o convidado desta
semana no BDF Entrevista. Seu trabalho é interpretar o que os compositores
escreveram e levar os significados para a avenida. Ricardo já desempenhou este
trabalho em outras grandes escolas do Rio, como Unidos da Tijuca, Viradouro e
Paraíso do Tuiuti.
Ricardo explica que a escola
também levou em consideração, durante a produção de seu carnaval, os impactos
ambientais que os desfiles costumam gerar. Segundo Ricardo, "o Salgueiro,
neste ano, não tem pena de animais, não tem nenhum tipo de agressão à natureza
nas suas fantasias".
"É um desfile que vocês
não esperem aquele luxo tradicional do Carnaval do Rio de Janeiro. É um desfile
bem artesanal, tem bastante uso de macramê, que é uma forma de artesanato, para
valorizar esse trabalho indígena".
Igor Ricardo lembra ainda que
os últimos anos foram marcados por um "boom" dos blocos de rua, não
só no Rio de Janeiro, mas também em cidades como São Paulo e Belo Horizonte.
Segundo o enredista, não há rivalidade entre o carnaval de rua e o tradicional
desfile de Avenida.
"A partir do momento que
as escolas também fazem enredos se colocando como porta-vozes de povos
excluídos, de assuntos que estão na mídia, como você falou da Mangueira, temas
que são de grande domínio nacional, acaba também atraindo pessoas que não são
do carnaval de escola de samba, para dentro do carnaval".
Confira o texto completo no
Brasil de Fato.
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