O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, precisa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assim como líder brasileiro precisa do norte-americano. Com essa avaliação — tanto do Palácio do Planalto quanto da Casa Branca —, o encontro entre os chefes de Estado das duas maiores democracias do mundo ocidental foi considerado o mais importante desta viagem do petista aos EUA — uma agenda intensa que terminou na noite desta quarta-feira, quando ele retornou a Brasília.
O encontro entre os chefes de Estado das duas maiores democracias do mundo ocidental foi em Nova York (Foto: Ricardo Stuckert)
Além da iniciativa global pelo trabalho digno, exposta no documento
assinado pelos dois países em evento aberto, Lula e Biden discutiram, na parte
reservada, as perspectivas de negócios relacionados à transição energética; a
reforma de organismos multilaterais; as eleições na Venezuela e no Haiti, que
vive um colapso social, além da guerra na Ucrânia.
Biden era só
sorrisos e satisfação ao ouvir Lula dizer que os dois países vivem um momento
excepcional: "Esse encontro aqui, para mim, é mais do que uma bilateral. É
o renascer de um novo tempo na relação entre Estados Unidos e Brasil. Uma
relação de iguais, uma relação soberana e de interesses comuns em benefício do
povo trabalhador do seu país e do meu país", disse Lula.
A reunião
ocorreu no Hotel Intercontinental, onde Biden está hospedado, e durou mais de
uma hora. Foi precedida por um encontro preparatório entre o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e a secretária do Tesouro, Janet Yellen. Eles
acertaram os passos da agenda econômica entre os dois países.
A
aproximação dos governos é vista também com um contraponto à parceria das
gestões anteriores dos dois países, Donald Trump e Jair Bolsonaro. Lula, por
exemplo, começou sua fala numa referência velada aos dois antecessores:
"Quando olhamos a geopolítica do mundo, percebemos que as oportunidades
estão cada vez se fechando, e a democracia cada vez corre mais perigo, porque a
negação da política tem feito com que setores extremistas tentem ocupar o
espaço em função da negação na política do mundo inteiro. Isso já aconteceu no
Brasil, está acontecendo na Argentina e tem acontecido em vários outros
países", disse.
Agora, em
termos de relação Brasil-Estados Unidos, em vez de armamentos e perspectivas de
exploração de áreas indígenas, a conversa girou em torno de como evitar a
precarização das relações trabalhistas, a necessidade de promover a transição
energética, a preservação ambiental, o combate às desigualdades e reformas na
governança de organismos multilaterais. "Temos a obrigação de liderar a
próxima geração para um mundo melhor. A intenção de Brasil e EUA é de fazer
isso juntos", afirmou.
Ao contrário
das tradicionais reuniões bilaterais, em que a imprensa entra apenas para a
foto protocolar, desta vez, foi possível acompanhar 13 minutos da conversa dos
presidentes.
Sem diploma
Biden disse,
inclusive, que seu staff deveria estar ansioso, mas ele iria falar. Mencionou
que seu pai não tinha diploma, mas dizia que "um emprego era muito mais
que um contracheque". "É dignidade, autorrespeito, olhar nos olhos de
seus filhos e dizer, 'querido, vai ficar tudo bem'."
Lula, por
sua vez, lembrou que também não tinha diploma e que passou 27 anos numa
fábrica. Afirmou que, pela primeira vez, vê um presidente dos EUA preocupado
com trabalhadores. "Tenho acompanhado discursos seus. Nunca tinha visto um
presidente americano falar tanto e tão bem dos trabalhadores como o senhor
falou", elogiou. "E isso foi referendado para mim pelas centrais
sindicais americanas. Os companheiros sindicalistas, perguntados por mim sobre
o seu discurso, afirmaram que era o presidente que mais defendia os interesses
dos trabalhadores."
O petista
aproveitou para lançar planos visando essa parceira. "Essa é uma
combinação perfeita, porque eu venho do mundo do trabalho. Acho que o trabalho
está muito precarizado, o salário está muito aviltado. Cada vez mais, os
trabalhadores trabalham mais e ganham menos. E essa sua ideia, de a gente
apresentar uma proposta que começa a ser discutida e poderá ir até o G20, é
muito importante para o Brasil, é importante para os Estados Unidos e para o
mundo", frisou. Biden agradeceu a Lula "por ter vindo trabalhar por
um mundo melhor".
Ainda não
está claro como os princípios expostos no documento serão detalhados e que
propostas concretas virão. O texto menciona a necessidade de empregos na economia
verde, as novas tecnologias, a dignidade, a diversidade e os direitos dos
trabalhadores.
Ao lançar o
documento, Lula citou a igualdade salarial entre homens e mulheres. Ao sair do
encontro com Biden, numa rápida conversa com jornalistas, se referiu aos
trabalhadores de aplicativos. "No caso do Brasil, aquela meninada que
trabalha de moto, trabalha de bicicleta, às vezes, eles não têm banheiro para
ir, às vezes, trabalham de fraldão por não ter banheiro para ir. É inimaginável
que no mundo digitalizado, todo moderno, o ser humano seja tratado ainda como
se fosse escória", criticou.
O momento
reservado do encontro tratou dos temas mais "delicados", como a
guerra na Ucrânia, que também fez parte da agenda de Lula na reunião
"quebra gelo" com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
No documento
que distribuiu depois do encontro, a Casa Branca cita que "os dois líderes
reafirmaram o seu compromisso com a cooperação em matéria de clima e discutiram
a importância de continuar a apoiar o Haiti enquanto este enfrenta uma crise
humanitária e de segurança". "O presidente Biden instou o presidente
Lula a apoiar uma missão multinacional de apoio à segurança no Haiti. Durante a
reunião, o presidente Biden expressou preocupação com os efeitos globais da
guerra da Rússia contra a Ucrânia, particularmente na segurança alimentar e
energética, especialmente nas nações mais pobres do planeta, e manifestou apoio
ao regresso da Rússia à Iniciativa Cereal do Mar Negro."
Os
diplomatas brasileiros acreditam que Lula ajudará os Estados Unidos nesses
temas. Embora não pretenda enviar novas missões brasileiras ao Haiti, Lula está
disposto a ajudar a abrir espaço para que outros países o façam. Hoje, a China,
dentro do Conselho de Segurança da ONU, tem reservas a esse envio de forças
internacionais defendidas pelos Estados Unidos. Da parte americana, há total
empenho em ajudar o Brasil nos temas relacionados ao clima e, pela primeira
vez, uma abertura maior para discutir a reforma dos organismos
multilaterais.
Com
informações portal Correio Braziliense
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