Um terço das mortes evitáveis de crianças yanomamis com até cinco anos foi causado por pneumonia em 2022, apontam dados do Sisai (Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena), do governo federal. No total, foram 99 óbitos dessa faixa etária no ano passado. Desses, 33 tiveram relação com a inflamação nos pulmões.
No total, foram 99 óbitos de indígenas com até cinco anos de idade, em 2022. Os dados são Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena (Sisai), do governo federal.
Reprodução instagram @urihiyanomani
Os
números vieram à tona em meio à emergência pela qual passam os indígenas. Ao
somar as pneumonias com outras complicações respiratórias, como Covid-19 e Srag
(Síndrome Respiratória Aguda Grave), o número de mortes dessas crianças por
alguma causa respiratória sobe para 38, representando cerca de 38% do total.
O
Observa Infância, uma iniciativa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) com o
centro universitário Unifase, fez um levantamento a pedido da Folha sobre
mortes gerais de crianças com até cinco anos causadas por alguma complicação
respiratória a nível nacional. Os dados de 2022 ainda não estão disponíveis,
mas, considerando as informações de 2021 do SIM (Sistema de Informações sobre
Mortalidade), somente 4,2% dos óbitos tiveram como causa algum problema
respiratório.
A
discrepância entre a prevalência nacional com aquela vista entre os yanomamis
chama a atenção de Cristiano Boccolini, pesquisador de saúde pública da Fiocruz
e coordenador do Observa Infância. "É bem complexo o quadro", afirma.
Na
sexta (20), o Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional. A pasta informou que enviou uma equipe para averiguar a
situação no território indígena na última segunda (16). Ao chegar ao local,
observou um cenário com crianças e idosos com problemas graves de saúde.
Desnutrição, malária e infecção respiratória aguda foram algumas das
complicações identificadas.
Neste
sábado (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Boa Vista e
chamou a situação de "desumana".
Os
dados completos da missão do Ministério da Saúde devem ser finalizados em
fevereiro. Isso porque os técnicos continuam no território até 25 de janeiro e
depois contam com 15 dias para escrever um relatório.
Mesmo
com as informações ainda não consolidadas, uma sala de situação foi instaurada
para tratar a crise que os indígenas enfrentam. Segundo a ministra da Saúde,
Nísia Trindade, já foram enviados cestas básicas, insumos e medicamentos para o
território.
Também
foi instaurado o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública
(COE-Yanomami) para empregar medidas durante a situação de emergência nacional.
DESNUTRIÇÃO
A
alta taxa de mortes por causas respiratórias entre crianças yanomamis pode ter
relação com outros fatores, como a desnutrição.
O
problema não é desconhecido. O relatório "Yanomami sob ataque",
realizado pela Associação Yanomami Hutukara e pela Associação Wanasseduume
Ye’kwana, com assessoria técnica do ISA (Instituto Socioambiental), mostrava
que Arathau, uma das regiões da terra indígena localizadas próximo ao rio
Parima, registrava o maior índice de desnutrição em todo o território. Entre as
crianças com até cinco anos, cerca de 79,3% registravam peso baixo ou muito
baixo.
Segundo
o pediatra Renato Kfouri, a desnutrição já foi a principal causa de mortalidade
infantil no país. "Isso rebaixava nossa expectativa de vida e colocava
nossa mortalidade infantil em níveis muito elevados", afirma.
Com o tempo, o país superou esse cenário, mas algumas localidades mais vulneráveis continuam com problemas semelhantes, como é o caso do território yanomami.
"Uma
coisa é uma pneumonia em uma criança eutrófica [com bons índices de nutrição]
em São Paulo, com assistência. Outra coisa é uma pneumonia em um desnutrido, já
que a desnutrição é imunossupressora. Qualquer infecção em um desnutrido é
muito mais grave", explica Kfouri.
A
desnutrição também é um aspecto levantado por Boccolini. Para ele, é necessário
tomar medidas para fornecer aleitamento materno para as crianças e alimentos
adequados para toda a comunidade yanomami. Além disso, ter um acompanhamento
nutricional para observar a população é importante.
O
coordenador do Observa Infância também menciona a importância da vacinação.
Alguns exemplos são os imunizantes como da gripe, Covid-19 e pneumocócica 23
que poderiam proteger contra casos de pneumonia. O ponto também se relaciona
com o alcance do sistema de saúde. "O acesso a serviços de saúde dessas
populações é mais restrito", diz Boccolini.
Outro
problema relacionado ao estado de emergência nos yanomamis é o garimpo ilegal.
O contato com pessoas de fora da comunidade pode resultar na circulação de vírus
não comuns na comunidade. Ainda mais, as invasões nesses territórios e o
desmatamento diminuem a disponibilidade de terras férteis –ou seja, impactam o
fornecimento de alimentos adequados, o que pode levar à desnutrição.
Neste
sábado, durante a visita do presidente Lula a Boa vista, a reportagem da Folha
viu crianças internadas na Casai (Casa de Saúde Indígena) com sinais de
verminose, como abdome inchado.
Além
disso, imagens divulgadas por indígenas da etnia mostram crianças e idosos em
situação de desnutrição e necessitando de amparo e auxílio médico. As fotos
foram tiradas entre terça-feira (17) e sexta (20), segundo Junior Yanomami,
presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana.
Autor:Samuel Fernandes / Folhapress
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