Em um de seus discursos mais inflamados, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que está em busca de mais quatro anos no poder, chegou a declarar que não irá aceitar o resultado da eleição deste ano, se ele não for o vencedor. A afirmação repete, em outras palavras, a retórica do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Após o empresário ser derrotado nas urnas, ao buscar a reeleição, seus apoiadores mais ferrenhos invadiram o Capitólio, em Washington, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro do ano passado.
O Presidente Bolsonaro já declarou que não irá aceitar o resultado da eleição deste ano se ele não for o vencedor (Foto: Rafael Carvalho)
Apesar do episódio nos EUA, Trump foi obrigado a passar o poder ao atual
presidente norte-americano Joe Biden e ainda foi acusado pela CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) do Capitólio de ter orquestrado a invasão e incitar a
violência.
No Brasil, o
Judiciário teme a reação de Bolsonaro, em caso de uma derrota nas urnas. Com um
comportamento considerado intempestivo e sempre em tensão com os Poderes, o
chefe do Executivo aproveita todas as oportunidades que tem para atacar as
instituições e afirmar, sem provas, que o processo eleitoral brasileiro pode
ser fraudado.
Atualmente,
o presidente possui 34% das intenções de votos, contra 45% do seu adversário, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O dado é da pesquisa do Ipespe
contratada pela XP Investimentos e divulgada neste mês.
A
possibilidade de que Bolsonaro possa aplicar um golpe de Estado, apesar de
remota, se torna uma preocupação crescente entre especialistas. Na lei, existem
mecanismos que podem ser usados, em casos de cenários extremos em que qualquer
presidente da República se recuse a passar a faixa presidencial.
O primeiro
seria a aplicação da Lei nº 1.079/1950 que define os crimes de responsabilidade
nos atos do chefe do Executivo. O artigo 4 destaca que o agente público não
poderá ameaçar o "livre exercício do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados".
Nas
manifestações de 7 de Setembro do ano passado, auge da crise entre os Poderes,
Bolsonaro chegou a dizer que não cumpriria mais as determinações do Supremo
Tribunal Federal (STF). O descumprimento das decisões judiciárias também é
previsto no mesmo artigo da Lei nº 1.079/1950.
O advogado
Edson Vieira Abdala, especialista em direito criminal, explica a legislação
vale para qualquer indivíduo, inclusive, o presidente. "Seja Supremo,
Senado ou Executivo, (em casos assim) ele já poderia ser denunciado, responder
por crime de responsabilidade. Não precisa esperar ele acabar o mandato",
destaca.
Mesmo
Bolsonaro tendo indicado que descumpriria a lei, Abdala pontua que, para ser
punido, ele precisaria ter atentado contra os Poderes, na prática. "É uma
situação muito excepcional e vai depender de muitas circunstâncias não só
jurídicas, mas políticas também", afirma.
Outra
alternativa para frear uma situação de crise seria o flagrante por incitação à
violência. "As instituições estão corretas em se precaver contra uma
possível tentativa golpista do atual presidente, que dá sinais claros, dia sim,
dia não, dessa pretensão. Além da incitação, a nova Lei de Defesa do Estado
Democrático de Direito, que revogou a Lei de Segurança Nacional, traz
mecanismos firmes para a proteção da democracia", argumenta o advogado
Fernando Neisser, especialista em direito eleitoral.
Os atos de
Jair Bolsonaro geram questionamentos a respeito de um golpe de Estado ou da
abertura de um processo de impeachment contra ele. Contudo, o cenário de tomada
de poder é totalmente remoto, na avaliação do cientista político Cristiano
Noronha, sócio da Arko Advice. Para o especialista, o chefe do Planalto usa o
discurso apenas para acenar aos apoiadores mais extremistas.
"Não
acredito em qualquer possibilidade de golpe. Muitas das manifestações do
presidente em relação às urnas faz parte para mobilizar a militância dele.
Agora, não há apoio institucional mínimo para esse tipo de iniciativa. Nem do
poder Judiciário, nem do Legislativo e muito menos das Forças Armadas. Isso
acaba sendo uma forma de mobilizar os apoiadores, mas não é uma ameaça
consistente, com chance de se concretizar", pondera.
O advogado
Edson Vieira Abdala partilha da mesma avaliação. "É muito difícil dar o
golpe em um país. Falar é fácil. Mas ele não tem popularidade para isso e nem
as Forças Armadas entrariam em uma aventura com ele", reitera.
Segundo o
advogado constitucionalista Ovídio Inácio Ferreira Neto, a solução está na
prevenção e mapeamento de cenários extremos. "Sugiro a criação de amplos
observatórios pela sociedade civil organizada, deixando a disposição inúmeras
ferramentas e canais para a denúncia de discursos e atos antidemocráticos,
neutralizando a disseminação de tal conduta, assim como inibindo a ocorrência
de episódios trágicos como o que assistimos no Capitólio em 2021",
defende.
A advogada
Priscila Aguiar Fernandes opina que seria difícil colocar o país de volta nos
trilhos em caso de uma ruptura institucional. "É tarefa árdua a utilização
de alguma ferramenta jurídica para sua contenção, uma vez que se operaria a
subversão da ordem institucional constituída. O ideal seria se antecipar ao
golpe, por meio de uma forte mobilização dos principais atores políticos,
econômicos e sociais em defesa da legalidade e democracia", destaca.
Nesses
casos, a Lei do Impeachment não seria suficiente, pois o processo demoraria
meses para ser concluído e qualquer presidente que tentasse um golpe já teria
deixado o poder, mesmo sendo condenado e, no máximo, ficaria inelegível para
disputar os próximos pleitos.
"Seria
possível, no entanto, em casos assim, recorrer a instâncias internacionais, as
quais podem deliberar sobre o caso e gerar uma intimidação internacional, como,
por exemplo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos", explica
Priscila.
Com
informações portal Correio Braziliense
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