A ação foi batizada de Acesso Pago e investiga a prática de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE. Com base em documentos, depoimentos e um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) foi possível mapear indícios de crimes na liberação de verbas do fundo. Ao todo, a PF realiza ações para cumprir 13 mandados de busca e apreensão e cinco de prisões em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal.
PF realiza ações para cumprir mandados de busca e apreensão e de prisões.
Ribeiro foi preso no início da manhã em sua casa na cidade de Santos, no litoral paulista. | Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil |
A Polícia Federal realiza na manhã desta
quarta-feira (22) uma operação contra o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro
e pastores suspeitos de operar um balcão de negócios no Ministério da Educação
e na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação). Ribeiro e ao menos um dos pastores, Gilmar Santos, já foram presos.
A PF também cumpre mandados de busca e apreensão em
endereços de Ribeiro e dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos -esses dois
últimos são ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e apontados como lobistas
que atuavam no MEC.
Os pastores são peças centrais no escândalo do balcão de negócios do
ministério. Como mostrou a Folha, eles negociavam com prefeitos a liberação de
recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.
Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC
controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a
Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment
e recorreu a esse apoio em troca de cargos e repasses de verbas federais.
O fundo concentra os recursos federais destinados a
transferências para municípios. Prefeitos relataram pedidos de propina, até em
ouro. Em áudio revelado pela Folha de S.Paulo, o ex-ministro da Educação Milton
Ribeiro disse que priorizava pedidos dos amigos de um dos pastores a pedido de
Bolsonaro.
Na gravação, o ministro diz ainda que isso atende a uma solicitação do
presidente Bolsonaro e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente
direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC
foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ribeiro deixou o
cargo no fim de março, uma semana após a revelação pela Folha.
Gilmar Santos e Arilton Moura negociavam, ao menos
desde janeiro de 2021, a liberação de empenhos para obras de creches, escolas,
quadras ou para compra de equipamentos. Os recursos são geridos pelo FNDE,
órgão do MEC controlado por políticos do centrão.
Os pastores gozavam de trânsito livre no governo,
organizavam viagens do ministro com lideranças do FNDE e intermediavam
encontros de prefeitos na própria residência de Ribeiro.
Ambos tinham em um hotel de Brasília uma espécie de
QG para negociação de recursos. Ali, recebiam prefeitos, assessores municipais
e também integrantes do governo.
Gilmar Santos preside uma entidade chamada Convenção Nacional de Igrejas
e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, da qual Arilton
aparecia como secretário. Os religiosos tinham relação com o presidente
Bolsonaro desde antes de intensificar a agenda no MEC.
Em 18 de outubro de 2019, primeiro ano do governo,
participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros.
Ambos somaram 45 entradas no Palácio do Planalto. Estiveram outras 127 vezes no
MEC e no FNDE.Ambos negam irregularidades, bem como o ex-ministro e integrantes
do FNDE.
Com o centrão no comando, o FNDE virou uma espécie de balcão político,
com atuação dos pastores, explosão de empenhos para atender políticos aliados
ao governo Bolsonaro, ausência de critérios técnicos e até burla no sistema.
Enquanto o governo atendeu aliados, o MEC travou a
liberação de R$ 434 milhões do FNDE a prefeituras de todo o país. Os valores se
referem a obras em 1.369 prefeituras, que, embora aptas a receber dinheiro
federal, o governo não efetivou as transferências.
O FNDE é controlado por indicações de partidos do
centrão. O presidente, Marcelo Lopes da Ponte, era assessor de Ciro Nogueira
(PP-PI), atual ministro da Casa Civil de Bolsonaro e um dos líderes do bloco de
apoio à atual gestão federal.
As diretorias do fundo também são loteadas. O
diretor de Ações Educacionais do FNDE, Garigham Amarante Pinto, por exemplo, é
indicação do PL, partido de Bolsonaro, e políticos do centrão sustentam Gabriel
Vilar na diretoria de Gestão, Articulação e Projetos Educacionais do fundo.
Também com dinheiro do FNDE, o governo destinou R$ 26 milhões para a
compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que
sofrem deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de
computadores, de internet e até de água encanada.
Os municípios beneficiados tinham contratos com uma
mesma empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
responsável por controlar em Brasília a distribuição de parte das bilionárias
emendas de relator do Orçamento, fonte dos recursos dos kits de robótica.
As denúncias de um "balcão de negócios"
no Ministério da Educação entraram na mira de parlamentares, que tentaram
instalar uma CPI no Senado. O governo, no entanto, conseguiu melar a criação da
comissão.
QUEM É QUEMMILTON RIBEIRO
Pastor de uma igreja presbiteriana em Santos (SP), foi o 3º ministro da
Educação do governo Jair Bolsonaro. Chegou ao cargo em julho de 2020 após a
demissão de Abraham Weintraub. Sem experiência em políticas públicas, foi
escolhido como forma de aceno para a base religiosa que apoia o governo. Saiu
do governo em 28 de março de 2022, uma semana após a Folha revelar áudio em que
ele fala em priorizar um dos pastores a pedido de Bolsonaro.
GILMAR SANTOS
Preside, de Goiânia (GO), uma entidade chamada
Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil
Cristo para Todos. Ao lado de Arilton Moura, negociava liberação de verbas
federais da Educação com prefeitos, mantendo forte interlocução no MEC, FNDE e
no Planalto. Santos é pregador com quase quatro décadas de carreira, com bom
trânsito em igrejas em várias regiões do país. Ele é tratado como chefe pelo
pastor Arilton Moura.
ARILTON MOURA
É também pastor e aparecia como secretário da convenção nacional
presidida por Gilmar Santos, a quem trata como chefe. Ao lado de Gilmar Santos,
negociava liberação de verbas federais da Educação com prefeitos, mantendo
forte interlocução no MEC, FNDE e no Planalto. Já foi nomeado para um cargo
comissionado na liderança do MDB na Câmara dos Deputados e também transitou em
gabinetes petistas, como o de Ana Júlia Carepa, que governou o Pará de 2007 a
2011. Também vive em Goiânia (GO), assim como Gilmar.
FOLHAPRESS
0 Comentários