Aos olhos de hoje, a próxima
sucessão presidencial tende a repetir a disputa entre Jair Bolsonaro e PT, que
deve lançar Lula em 2022. Diferentes institutos mostram o presidente e seu
antecessor com ampla vantagem sobre os adversários nas pesquisas estimuladas —
aquelas em que os entrevistados são apresentados a uma lista de possíveis
candidatos e instados a escolher um deles. Em levantamento realizado pelo
Ipespe a pedido da XP, Lula lidera com 40% das intenções de voto, e Bolsonaro
aparece em segundo, com 24%. Os demais postulantes registram no máximo 10%.
Apesar desses números, o quadro eleitoral ainda pode mudar de forma
considerável, já que as mesmas pesquisas revelam que há espaço de sobra para a
construção de uma candidatura capaz de romper a polarização. Dois dados são
elucidativos nesse sentido. Na pesquisa espontânea, aquela em que não é
apresentada a relação de presidenciáveis, a liderança é dos indecisos. Hoje, há
mais entrevistados sem candidato do que declarando voto em Lula ou Bolsonaro.
Além disso, um quarto da população não está disposto a votar em nenhum dos dois
favoritos. Ou seja: há uma massa à espera de uma alternativa.
O favorito para
2022 seria um candidato ainda sem nome, sem rosto, homem, honesto, com espírito
de liderança e experiência política.
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iStock/Getty Images |
Se em tese a terceira via pode ser competitiva, na prática ela esbarra em toda a sorte de problemas. Até agora, foram lançados mais de dez balões de ensaio ao Palácio do Planalto, num sinal inequívoco de que o grupo não tem um candidato natural e que seus integrantes, por enquanto, não empolgaram o eleitor e não estão dispostos a abrir mão de seus respectivos projetos em nome da costura de uma grande aliança. Só no PSDB são quatro os presidenciáveis, e todos engatinham nas pesquisas. Parceiro histórico dos tucanos, o DEM também está testando nomes. Recentemente, o PSD passou a flertar com a ideia de filiar ao partido e lançar ao Planalto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (leia entrevista de Páginas Amarelas com Gilberto Kassab na pág. 9). Já MDB e PSL cogitam as candidaturas da senadora Simone Tebet e do apresentador José Luiz Datena. Há ainda a possibilidade de o ex-juiz Sergio Moro entrar no páreo pelo Podemos. Como ninguém se destaca nesse pelotão, a conclusão é clara: o eleitor que não quer nem Lula nem Bolsonaro anseia por um nome da terceira via, mas até agora não gostou de quase nada do que viu. Encontrar um rosto competitivo para a disputa é o desafio dos centristas.
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OS OPOSTOS… Bolsonaro: ele quer ter o petista como adversário para viabilizar sua reeleição – Antonio Molina/Fotoarena/. |
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SE ATRAEM - Lula: ele quer o presidente como adversário para manter as chances de vitória em 2022 – Ricardo Stuckert/. |
Essa possibilidade, existente no campo teórico,
pode se tornar inviável caso os integrantes desse grupo político não cheguem a
um acordo. Hoje, a tendência é a pulverização de candidaturas. “O grande
desafio da terceira via é vencer a descrença de que não tem chance de ganhar a
eleição. Se tiver um nome que a população fala ‘hum, esse tem chances’, ele
voa”, diz a presidente nacional do Podemos, deputada Renata Abreu (SP). A
parlamentar reconhece que a vaidade dos próprios atores políticos, a maioria
estacionada em intenções de votos que não chegam à casa dos dois dígitos,
atrapalha as conversas em curso. “Todo candidato hoje se vê do mesmo tamanho.
Por que vou abrir mão da minha candidatura em favor de outro nome que tenha o
mesmo tamanho que eu? Não necessariamente quem tem vantagem eleitoral neste
momento é o candidato com o maior potencial”, frisa Renata.
A eventual costura de um consenso entre os partidos
sobre a candidatura da terceira via não encerra os problemas. Longe disso.
Faltará o principal: conquistar o eleitor. O grupo que não quer “nem Lula nem
Bolsonaro” não é homogêneo. Há de tudo um pouco nesse balaio, inclusive
arrependidos de lado a lado. “É difícil encontrar um caminho para a terceira
via hoje, já que ninguém consegue emergir de uma maneira clara neste momento
até por conta da profusão de nomes cogitados. A gente precisa de tempo ainda
para ver como vão se desenrolar a economia, a pandemia e a aprovação
presidencial”, avalia Victor Scalet, analista político e estrategista da XP
Investimentos.
Pesquisa encomendada pelo DEM detalhou o perfil do
candidato ideal ao cargo de presidente da República: homem, entre 40 e 60 anos,
honesto, com espírito de liderança, experiência política e um olhar para os
mais pobres. Eleitores de direita preferem um cristão, conservador, enquanto os
de esquerda acham importante um cidadão simples, humilde, “do povo”. Já os de
centro querem alguém equilibrado, sensato, centrado e unificador. “A pesquisa
aponta muitos caminhos e conclui que no momento nem Lula nem Bolsonaro são
exatamente os nomes desse perfil desejado. Existe uma parcela muito grande do
eleitorado que não se definiu e deseja um nome que não seja nenhum dos dois que
hoje são os mais lembrados”, afirma o presidente do DEM, ACM Neto. Segundo a
sondagem do partido, realizada em maio, a via do meio é “estreita” atualmente,
mas os dados “indicam um desejo majoritário por uma via alternativa”, capaz de
pacificar o país, estimular a retomada econômica e recuperar a credibilidade
internacional do Brasil. “É cedo para você dizer que não vai surgir ninguém,
que o jogo tá jogado. O país não precisa ser refém da polarização”, acrescenta
ACM Neto.
No extenso rol de dificuldades da terceira via,
destaca-se também o papel secundário dos políticos do grupo nas redes sociais.
O governador de São Paulo, João Doria, conseguiu certo protagonismo ao
antagonizar com Bolsonaro no caso das vacinas. Naquela ocasião, a popularidade
digital de Doria deu um salto, mas logo recuou para um patamar mais baixo. O
mesmo ocorreu com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, outro
presidenciável do PSDB. Um relatório da AP Exata, empresa especializada na
análise de dados de redes sociais, mostra que Leite bombou na internet no dia
seguinte à entrevista em que assumiu a sua homossexualidade, chegando a
alcançar 26,8% das menções feitas a presidenciáveis nas redes sociais,
superando inclusive Lula (14,3%). A maioria delas foi positiva. Depois, no
entanto, o governador retornou ao nível rotineiro de menções, atingindo um
índice de apenas 0,3%.
No estratégico campo das redes sociais, Bolsonaro e
Lula também sobressaem. Os demais estão muito atrás e não têm nem mesmo um
discurso claro — e de apelo — para vender à audiência. “O político que quiser
se consagrar vai ter de investir nas redes”, afirma o CEO da AP Exata, Sergio
Denicoli. Para políticos da direita à esquerda, a economia será decisiva para
as chances de um candidato alternativo e para o resultado da eleição. Em seu
pior momento desde que assumiu o mandato, Bolsonaro sabe disso e determinou à
sua equipe que abra os cofres públicos e faça o que for possível para acelerar
a recuperação econômica. “A economia pode não salvar o Bolsonaro a ponto de ele
ganhar a eleição, mas pode salvá-lo no sentido de impedir o surgimento de uma
terceira via competitiva”, declara o cientista político Sérgio Praça, da
Fundação Getulio Vargas (FGV).
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TERCEIRA VIA - Reunião em Brasília: o centro em busca do candidato ideal – Pablo Jacob/Agência O Globo |
Nem todo mundo, no entanto, é bem-vindo na busca
por uma alternativa. Na quarta-feira 25, a deputada Margarete Coelho
(Progressistas-PI) finalizou o projeto de lei do novo Código Eleitoral e
incluiu de última hora, num texto de 371 páginas, um dispositivo que determina
quarentena de cinco anos para juízes, promotores e militares que pretendam se
afastar das funções e disputar o voto popular nas urnas. Se aprovada, a regra
tem um alvo certo: ela proibirá a candidatura de Sergio Moro, que condenou Lula
à cadeia e deixou o governo Bolsonaro acusando o antigo chefe de interferir
indevidamente na Polícia Federal. Como o ex-juiz pediu a exoneração do cargo em
novembro de 2018 para assumir o posto de ministro da Justiça de Bolsonaro, ele
só poderia concorrer em 2023. “Foi um pedido de vários partidos, é um apoio
suprapartidário à proposta”, diz Margarete, cuja iniciativa contou com o apoio
de legendas de diferentes matizes ideológicos.
A deputada é do Progressistas, o mesmo partido do
ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Os três são próceres do Centrão, que aderiu ao governo e promete apoiar
Bolsonaro em 2022. Até essa situação, no entanto, pode mudar. O cientista
político Antonio Lavareda argumenta que Bolsonaro pode enfrentar mais
dificuldades eleitorais caso insista na estratégia de esticar a corda, como fez
no caso do voto impresso e das ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF). Uma das consequências poderia ser o aprofundamento da perda de apoio
entre setores do PIB que o ajudaram em 2018. “Do lado do mercado e das elites, só
aprofunda o distanciamento de Bolsonaro, agora não só um personagem complicado,
como também um mais que provável perdedor. Essas forças buscarão e estimularão
outra solução”, diz Lavareda. Já Paulo Kramer afirma que o presidente tende a
se recuperar com o arrefecimento da pandemia, a recuperação econômica e o
fortalecimento da articulação política do governo. “O que pode salvar Bolsonaro
é a economia e a capacidade dele de mostrar que, sem ele, o PT volta ao poder”,
declara Kramer. Com chances, pois ainda falta uma eternidade até a eleição, uma
terceira via terá de convencer o eleitor de que o Brasil não precisa
necessariamente nem de um nem de outro.
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