A cura da Covid-19, a doença causada
pelo coronavírus Sars-CoV-2, pode ser um processo que se estende para muito
depois do final da fase aguda da infecção. Mesmo após o vírus deixar o
organismo, podem permanecer sequelas espalhadas por órgãos como coração, pulmão
e cérebro por meses até em pessoas que tiveram as formas mais leves da doença.
As estimativas dos cientistas apontam que apenas uma porcentagem entre 10% e 20% dos pacientes relatam recuperação completa nos primeiros meses após a infecção.
Médicos de diferentes especialidades vêm sugerindo
uma visita ao médico logo após o fim da infecção para checagem de sequelas e
busca por tratamento, principalmente quando há sintomas persistentes ou antes
de reiniciar uma atividade física.
Estudos no mundo todo vêm avaliando o cenário
pós-Covid-19. As estimativas dos cientistas apontam que apenas uma porcentagem
entre 10% e 20% dos pacientes relatam recuperação completa nos primeiros meses
após a infecção. Cerca de metade das pessoas que tiveram Covid-19 dizem ainda
sentir fadiga incomum nos meses posteriores. Sintomas como dor de cabeça, dores
no peito, falhas na memória e perda do olfato (anosmia) também aparecem e podem
até indicar uma condição crônica, segundo médicos.
"Todos os pacientes deveriam procurar um
médico após a doença. Cada pessoa tem um ritmo de vida e hábitos diferentes; é
importante saber se há alguma sequela antes de retomar a vida normal. Há
pessoas que ficam com alguma inflamação que pode durar meses", diz o cardiologista
Marcelo Sampaio, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
De acordo com Gustavo Faibischew Prado,
pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a melhor opção é procurar um
clínico geral ou um médico da família, profissionais que conseguem fazer uma
avaliação global e encaminhar o paciente para as especialidades necessárias
caso haja necessidade de avaliação complementar.
"Assim, o paciente recebe orientações sobre os
cuidados que deve ter e sabe se precisará fazer algum exame para confirmar existência
das sequelas e conhecer a extensão delas", diz o médico.
A Covid-19 hoje é reconhecida pelos médicos e
cientistas como uma doença sistêmica, que desencadeia diversos processo
inflamatórios em diferentes regiões do corpo. Os pulmões estão entre os órgãos
mais afetados pelo vírus. O coronavírus pode levar a uma pneumonia que causa
morte por insuficiência respiratória nos casos mais graves.
Segundo Prado, a avaliação física de um
pneumologista vai apontar para a necessidade ou não de exames mais detalhados.
Nesses casos, tomografia do tórax, ecocardiograma pulmonar e a prova de função
pulmonar ajudam a montar um tratamento para o problema.
"A tomografia, por exemplo, mostra se há
sinais de fibrose no pulmão [cicatrizes que surgem depois de uma infecção] e
mostram a presença de doenças das vias aéreas, que podem ser a causa de tosse
prolongada ou cansaço", diz o pneumologista.
No coração, arritmias e insuficiência cardíaca
inexistentes antes da doença podem surgir após a infecção. "Se o paciente
passou por uma Covid-19 e tem fadiga, cansaço ou palpitação, o recomendado é
passar por uma avaliação mesmo se a pessoa teve um quadro leve da doença",
afirma o cardiologista Fernando Bacal, diretor-científico da Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC). Segundo o médico, aqueles que tiveram casos
moderados ou graves da doença devem passar por uma avaliação ainda que não
tenham sintomas.
"Consequências mais graves, como morte súbita,
infarto, disfunção ou insuficiência cardíaca são pouco frequentes, mas devem
ser detectadas", afirma Bacal.
De acordo com Marcelo Sampaio, da BP, algumas das
sequelas podem existir sem serem notadas, daí a importância de buscar um
parecer médico especialmente antes de retornar às atividades físicas, que
expõem o coração a um maior esforço.
Sintomas como dor de cabeça, sonolência excessiva e
perda de memória podem estar ligados à ação do vírus no sistema nervoso e pedem
a atenção de um neurologista.
A médica Clarissa Lin Yasuda, professora na Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), lidera uma pesquisa que busca identificar
a persistência de manifestações neurológicas após a Covid-19 por meio de um
questionário que pode ser respondido pela internet por qualquer pessoa que
tenha tido a doença, mesmo sem sintoma persistente.
De acordo com os dados ainda não publicados em
revista científica, das cerca de 4.500 pessoas que responderam a pesquisa,
apenas 13,5% afirmam ter se recuperado completamente da doença após dois meses
da infecção. Sonolência diurna e dores de cabeça depois de dois meses da doença
são sentidas por aproximadamente 34% das pessoas que responderam o
questionário. Cerca de 40% afirmam ter alteração de memória.
"Milhares de pessoas têm entrado em contato
para relatar algum sintoma neurológico, e isso é assustador, especialmente
porque 90% desses respondentes não chegaram a ser hospitalizados com a doença,
tiveram casos leves."
"A dor de cabeça é muito limitante. Há relatos
de pacientes que não tinham enxaqueca e passaram a ter, ou de pacientes que já
tinham enxaqueca e tiveram piora na frequência e na intensidade das crises.
Mesmo a fadiga, com sonolência, pode ter um fundo neurológico", afirma a
médica.
"A cada momento descobrimos fatos novos sobre
a doença, e o cenário vai mudando ao longo da observação. É uma doença repleta
de formas alternativas, e no contexto geral pode ser como várias doenças em uma
só", diz Sampaio.
O ideal é que o acompanhamento seja integral.
"Especialmente o cansaço e a falta de ar podem ter mais de uma causa em
mais de um órgão. Doenças respiratórias e cardiovasculares também podem ter
causas variadas, e a Covid-19 traz repercussões para os sistemas cardíaco e
respiratório. A avaliação, nesses casos, nunca pode ser simplista", afirma
Gustavo Prado.
"Quando falamos de pacientes curados, isso não
é algo binário –ou o paciente está doente ou está curado–, há todo um contínuo
entre esses dois pontos. Muitas vezes, a recuperação não será imediata nem
completa. Podemos enfrentar a situação de termos um enorme contingente de
pacientes que não se recupera plenamente ou rapidamente, e o sistema de saúde
deve estar preparado para isso", diz o pneumologista.
Quando fazer um check-up pós-Covid:
Após formas moderadas ou graves da doença
Casos leves com algum sintoma persistente
Antes de retomar atividade física
Exames que o médico pode pedir:
Pulmonares
Tomografia de tórax
Ecocardiograma pulmonar
Prova de função pulmonar
Cardiológicos
Eletrocardiograma
Ecocardiograma do coração
Teste ergométrico
Neurológico
Ressonância magnética
FOLHAPRESS
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