É de consenso entre médicos e autoridades de saúde que nenhum fármaco tem eficácia cientificamente comprovada no tratamento da COVID-19. Mas o assunto gera polêmica, já que outra parcela de profissionais de saúde vem receitando remédios no enfrentamento inicial da doença, e isso passa pela liberdade do médico.
A ivermectina não tem eficácia comprovada cientificamente contra a COVID-19(foto: Luis Robayo/AFP)Paciente desenvolveu hepatite medicamentosa após tomar o remédio por uma semana para tratar a infecção pelo novo coronavírus
O Conselho Federal de Medicina (CFM), inclusive, recomenda que cada médico faça a prescrição conforme suas próprias convicções, e essa é uma decisão tomada em conjunto com o paciente.
No rol dos medicamentos que vêm sendo usados para tratar
precocemente o novo coronavírus estão ivermectina,
cloroquina, vitaminas C e D, zinco, antibióticos e o vermífugo Anitta.
A ivermectina, usada no tratamento de vários
tipos de infestações por parasitas,
entre elas as causadas por piolhos e sarna, está no centro de uma
denúncia feita pelas redes sociais do médico pneumologista Frederico Fernandes,
presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Nesse sábado (6/2), ele contou, por meio de um post no
Twitter, o caso de um paciente que desenvolveu hepatite medicamentosa depois de ser internado
com a COVID-19.
Trata-se de uma pessoa jovem, que manifestou sintomas leves
da infecção e, depois de passar uma semana recebendo a ivermectina, a uma
dosagem de 18 miligramas por dia (prescrição considerada equivocada na opinião
de Frederico Fernandes), acabou apresentando piora em seu quadro de saúde.
A hipótese entre a equipe médica que atende o
caso é que o problema esteja relacionado ao uso da ivermectina. Conforme
Frederico Fernandes, o paciente agora está em avaliação quanto à necessidade de
um transplante de fígado.
"Muito triste ver uma pessoa jovem a ponto
de precisar de transplante por usar uma medicação que não funciona em uma situação
que não precisa de remédio algum", postou o pneumologista.
A lesão no fígado induzida por medicamentos é uma complicação hepática do uso de medicamentos, ervas e fitoterápicos de espectro variável, de alterações leves a hepatite aguda grave, que se manifesta algum período após a administração do medicamento.
Risco alto e desnecessário
A médica hepatologista do Orizonti, Instituto
Oncomed de Saúde e Longevidade, Maíra Fernandes Almeida Penna, explica que
muitas drogas usadas em tratamentos médicos, incluindo ervas medicinais ou
outras substâncias, podem provocar alterações no fígado.
Na maioria das vezes, a médica esclarece, são
manifestações leves, e em outros casos mais graves.
São alterações que podem estar associadas à dose
prescrita ou acontecer de forma imprevisível, as chamadas reações
idiossincrásicas, ligadas ao metabolismo hepático da droga.
"A toxicidade hepática pela ivermectina é
rara e não é dose dependente, se enquadra na segunda definição. Ou seja,
problemas gerados pelo uso não estão relacionados à dose. É uma droga segura,
usada frequentemente. A questão é ser prescrita em situações que não se têm
comprovação científica, expondo o paciente a um risco desnecessário. Ao se
prescrever um medicamento, deve ser sempre discutido com o paciente risco X
benefício. Se o benefício não foi comprovado, não vale a pena correr o risco,
por menor que ele seja", afirma.
Em casos mais severos de hepatite pode haver
indicação de transplante do órgão.
A maioria das doenças hepáticas é inicialmente silenciosa, por isso é
importante ter atenção aos sinais e manter os exames de rotina.
Maíra lembra que são raros os casos de
desenvolvimento de hepatite aguda relacionada à ivermectina.
Não se trata de um medicamente de alto risco de
toxicidade hepática, como se denominam danos no fígado causados por substâncias
químicas. A questão passa mais pela necessidade de uso do remédio.
E isso não tem a ver com quantidade de doses,
tempo de uso ou predisposições de saúde. São reações que não podem ser
controladas.
"É importante lembrar que os quadros de
hepatite aguda são a via final de várias causas. Outros diagnósticos devem ser
descartados antes de atribuir o quadro a um medicamento, incluindo a
ivermectina", ensina.
Nem o fabricante recomenda
A ivermectina já foi recomendada como eficaz para tratar o novo coronavírus pelo ministro da Saúde
e pelo presidente Jair Bolsonaro, e esteve em pauta em
outra polêmica na última semana.
Em comunicado divulgado na quinta-feira passada
(4/2) a Merck Sharp & Dohme (MSD), subsidiária no Brasil da farmacêutica
Merck, que fabrica a ivermectina, afirmou que o medicamento não
consegue combater a COVID-19.
O "kit
COVID", conjunto de remédios que vêm sendo preconizados para
tratamento precoce da doença, vai em sentido contrário a orientações
científicas, das autoridades sanitárias e de órgãos internacionais, como a
Organização Mundial de Saúde (OMS).
Sobre a ivermectina, o médico infectologista e
professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dirceu Greco,
pontua que, na fase in vitro (testes em
laboratório), as expectativas eram grandes, mas, a partir das avaliações
clínicas, com experimentos em humanos, não houve resultados comprovados.
"Até o momento não existe nenhum tratamento
farmacológico, nenhum remédio com eficácia comprovada para a COVID-19", alerta.
Dirceu reforça a necessidade de manter as
medidas de prevenção ao novo coronavírus,
de conhecimento geral, ainda mais diante do processo lento da vacinação que
ocorre até agora no país e do provável surgimento de variantes mais
infecciosas, o que já vem acontecendo, e que eventualmente demandem
atualizações nos imunizantes.
Com informações do Estado de Minas.
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