O ex-ministro da Justiça Sergio Moro entregou à Polícia Federal o histórico de conversas recentes com Jair Bolsonaro pelo WhatsApp, incluindo o diálogo em que o presidente pressiona pela saída de Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal.
No depoimento de sábado (2), Moro
repassou ainda o conteúdo das conversas com a deputada federal Carla Zambelli
(PSL-SP), aliada do presidente. Numa das mensagens já reveladas pelo
ex-ministro, a parlamentar tenta interceder para que ele fique no governo em troca
de uma nomeação ao STF.
Como exemplo das pressões que
disse ter sofrido, Moro relatou no depoimento reuniões com Bolsonaro que
contaram com a presença de outros ministros.
Após o depoimento, o ex-ministro
teve que aguardar os peritos da Polícia Federal acessarem seu aparelho celular.
O aparelho foi espelhado em um HD da PF, e Moro permitiu que os investigadores
recuperassem mensagens antigas apagadas por ele, já que não teria arquivado
todos os diálogos que teve com Bolsonaro desde o começo o governo.
No depoimento, o ex-ministro
manteve as acusações contra o presidente a quem atribuiu uma tentativa de
interferência em investigações conduzidas pela PF.
Na troca de mensagens pelo
WhatsApp, o presidente cobra do ministro a mudança do comando da PF devido ao
inquérito das fake news que corre no STF e que teria como alvo deputados
bolsonaristas.
Todo o histórico de conversa entre
ele e Bolsonaro foi copiado pelos investigadores que anexaram à investigação
aberta pela PGR (Procuradoria Geral de República) para investigar se o
presidente tentou ou não interferir em investigações da PF.
Parte da conversa foi apresentada
por Moro ao Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 24, logo após o presidente o
chamar de mentiroso.
Na troca de mensagens, que a Folha também
teve acesso, Bolsonaro lhe envia uma matéria do site O Antagonista intitulada
"PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, o
mandatário escreve: "Mais um motivo para a troca", se referindo à sua
intenção de tirar Valeixo do comando da corporação.
O inquérito citado pela reportagem
do site foi aberto para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte.
Depoimento
Moro ficou por mais de oito horas
na sede da Polícia Federal em Curitiba prestando depoimento e compartilhando o
conteúdo do seu aparelho celular aos investigadores.
O ex-ministro estava acompanhado
de um advogado e, segundo presentes, ficou calmo durante toda a oitiva, que foi
interrompida por apenas uma vez para que eles pudessem ir ao banheiro.
As mensagens, segundo o
ex-ministro, provam que ele não condicionou aceitar a troca na PF a uma futura
indicação.
No sábado, o presidente Jair
Bolsonaro usou as redes sociais para criticar o depoimento. O chefe do
Executivo chamou Moro de "Judas". Moro reagiu ao comentário do
presidente no domingo. "Há lealdades maiores do que as pessoais",
disse o ex-juiz pelo Twitter.
De acordo com assessores próximos
ao ex-ministro, Moro se disse aliviado com o depoimento. Ele afirmou ainda a
aliados que não havia motivo para se preocupar porque todas as acusações feitas
por ele foram precedidas de material probatório.
O depoimento é considerado um dos
principais elementos do inquérito que pode levar à apresentação de denúncia
contra ele mesmo ou contra o Bolsonaro.
A oitiva, que durou mais de sete
horas, foi o primeiro passo da apuração iniciada após Moro pedir demissão do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, no último dia 24, com graves
acusações ao chefe do Executivo.
A investigação foi aberta a pedido
do procurador-geral da República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro
Celso de Mello, do STF, relator do caso.
O objetivo é descobrir se as
acusações são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato cometeu crimes
ao mentir sobre Bolsonaro.
Na visão de Aras, oito delitos
podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo,
advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada,
prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
De acordo com interlocutores do
PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros.
Nada impede, no entanto, que a
investigação encontre outros crimes além desses e os denuncie por isso.
Depois de ouvir Moro, a PF deve
realizar outras diligências para buscar mais provas e informações sobre o caso.
O procurador-geral pode fazer o
mesmo, mas ele tem indicado a pessoas próximas que deixará os detalhes da
apuração a cargo da polícia e decidirá ao final o oferecimento ou não da
denúncia.
Depois deste sábado, os delegados
que apuram os fatos podem entender, por exemplo, que é necessário colher o depoimento
de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF enquanto Moro era ministro e pivô da
crise com Bolsonaro.
Isso porque, segundo o ex-juiz da
Lava Jato, o chefe do Executivo queria retirá-lo do comando da corporação para
colocar alguém da sua relação pessoal no cargo. A intenção seria dar acesso ao
presidente a relatórios de inteligência e informações sobre investigações em
curso, o que não é permitido pela legislação.
Além de Valeixo, a PF pode colher
o depoimento outras pessoas mencionadas por Moro e também do próprio Bolsonaro.
Nesse caso, porém, por se tratar do presidente da República, que tem foro
privilegiado, seria necessária autorização do STF. E o chefe do Executivo
poderia ajustar com o magistrado o horário e local adequado para isso.
Quando Michel Temer estava na
Presidência e era investigado, por exemplo, o ministro Edson Fachin permitiu
que ele prestasse o depoimento por escrito. No caso de Moro, o depoimento foi
colhido pela delegada Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos
Especiais, grupo responsável por apurar os casos em curso no STF.
Além dela, Aras designou três
procuradores da República para a oitiva: Herbert Mesquista, Antonio Morimoto e
João Paulo Tavares.
A investigação, contudo, não tem
uma data definida para acabar. O Código de Processo Penal até estabelece que os
inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu
preso.
Esse prazo, no entanto, nunca é
respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF. O despacho do
ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até 5 dias, e não em 60
dias, como havia determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado
quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se
estenderão.
Fonte: Folhapress
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