O presidente Jair
Bolsonaro (sem partido) disse nesta quarta-feira (15) que resolverá "a
questão da Saúde" para que seja possível "tocar o barco". A
expectativa no Ministério da Saúde é que Luiz Henrique Mandetta seja tirado do
comando da pasta até o final desta semana.
Confrontos de ideias e opiniões embaraçam os trabalhos em meio à pandemia | Agência Brasil/Arquivo |
"Pessoal, estou
fazendo a minha parte", disse o presidente a apoiadores que o aguardavam
na frente do Palácio do Alvorada pela manhã. "Resolveremos a questão da
Saúde no Brasil para tocar o barco", afirmou Bolsonaro.
O presidente não quis
falar com a imprensa. Dos apoiadores que diariamente se aglomeram em frente da
residência oficial, ouviu cobranças, o que o deixou incomodado. "Pessoal,
se eu parar aqui para ouvir cada um com um problema, não paro mais", disse
o chefe do Executivo.
Bolsonaro, contrário
às recomendações do Ministério da Saúde e da maioria dos especialistas no
combate ao coronavírus, planeja desconstruir a imagem de "herói" que
Mandetta adquiriu para grande parte da opinião pública durante a pandemia. O
objetivo é criar condições políticas para demiti-lo.
Segundo a coluna
Painel, da Folha de S.Paulo, Mandetta avisou sua equipe na noite desta
terça-feira (14) que Bolsonaro já procura um nome para o seu lugar.
O ministro conversou
com integrantes da pasta em clima de despedida após a entrevista coletiva da
qual participou no Palácio do Planalto. De acordo com relatos, Mandetta avisou
que combinou de esperar a escolha do substituto e de ficar até a exoneração de fato
ocorrer.
Segundo a coluna
Mônica Bergamo, da Folha, a equipe do ministro acredita que o presidente pode
demiti-lo até pelo Twitter nas próximas horas.
Mandetta afirmou a
interlocutores que cometeu um erro ao dar a entrevista ao Fantástico no último
domingo (12), com uma série de críticas indiretas ao presidente Jair Bolsonaro
(sem partido), e reconheceu que, diante disso, seu cargo está novamente
ameaçado.
Depois de escapar na
semana passada de uma demissão que muitos consideravam certa, o ministro foi
avisado que sua saída do governo federal voltou a ser uma possibilidade nos
próximos dias.
Além da visível perda
de sustentação entre os militares, que consideraram o tom da entrevista um ato
de insubordinação, Bolsonaro levou em conta que até mesmo alguns líderes do
Congresso criticaram o tom adotado na entrevista do ministro.
A falta de fortes
mobilizações nas redes sociais em defesa do titular da Saúde também foi lida
pelo presidente como uma brecha para efetuar a demissão.
Na entrevista à TV
Globo, domingo, Mandetta disse que a população não sabe se deve seguir as
recomendações do Ministério da Saúde (favorável ao isolamento social) ou de
Bolsonaro (crítico de medidas como o fechamento de comércios, por exemplo).
O titular da Saúde
também criticou quem rompe as regras de distanciamento para ir à padaria, numa
crítica a Bolsonaro -o presidente foi na semana passada a um estabelecimento do
tipo em Brasília e consumiu alimentos no balcão.
Justamente essa
insistência em bater de frente com Bolsonaro custou a Mandetta o apoio da ala
militar no Palácio do Planalto.
A avaliação foi a de
que o ministro desprezou o esforço do núcleo militar para que ele fosse mantido
no cargo e está preocupado apenas com a sua imagem pública, em uma tentativa de
se candidatar a governador de Mato Grosso do Sul em 2022 –Mandetta tem dados
seguidos sinais de enfrentamento ao presidente desde a ameaça de sua demissão
na semana passada, sendo a entrevista o último deles.
O descontentamento do
grupo fardado ficou evidente nesta terça-feira (14) com uma declaração do
vice-presidente, general Hamilton Mourão. Em entrevista ao jornal O Estado de
S. Paulo, Mourão afirmou que o ministro da Saúde cometeu uma falta grave na
fala à TV Globo.
"Cruzou a linha
da bola, não precisava ter dito determinadas coisas", afirmou o vice.
Mourão, no entanto, avaliou que o melhor seria o presidente não demitir o
auxiliar neste momento.
Durante a
segunda-feira, Mandetta conversou com aliados. Justificou que decidiu dar a
entrevista porque ficou irritado com o comportamento de Bolsonaro no sábado
(11), durante uma visita a obras de um hospital de campanha em Águas Lindas de
Goiás (GO).
Na ocasião, o
mandatário mais uma vez ignorou orientações das autoridades sanitárias e
promoveu aglomerações -o titular da Saúde acompanhou a cena de longe.
Os interlocutores que
conversaram com o ministro na segunda disseram que ele reafirmou que não pedirá
demissão, mas reconheceu que está numa situação de maior debilidade do que na
semana passada.
A relação entre
Bolsonaro e Mandetta nunca foi próxima, sempre foi protocolar. O ministro foi
indicado ao cargo pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de
primeira hora do presidente, mas hoje rompido com ele por divergências na
conduta de combate ao coronavírus.
Pela falta de
afinidade com Mandetta, Bolsonaro chegou a cogitar a sua substituição em
setembro do ano passado, mas desistiu ao constatar que ele tinha amplo apoio
junto ao setor da saúde.
No início da pandemia
do coronavírus, o presidente se queixou ao ministro de que ele deveria defender
mais o governo e o repreendeu por ter participado de uma entrevista ao lado do
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro.
Mandetta modulou sua
retórica e passou a pregar a importância de a atividade econômica não parar.
Ele, no entanto, não se dobrou à pressão do presidente contra a medida de
isolamento social, o que iniciou o embate entre ambos.
A crise com Mandetta
abalou Bolsonaro. Segundo assessores presidenciais, pela primeira vez desde que
assumiu o cargo, o presidente receou estar perdendo capital político ao
constatar que parte da base bolsonarista nas redes sociais apoia o ministro.
De acordo com um
aliado do presidente, preocupada com o marido, a primeira-dama Michelle
Bolsonaro chegou a recomendar ao presidente que diminuísse o ritmo da agenda
política para evitar um quadro de estresse.
Enquadramento
No dia 6 de abril, um
dia depois de ameaçar "usar a caneta" contra ministros que
"viraram estrelas", Bolsonaro foi questionado por Mandetta sobre o
motivo pelo qual não o demitia. A pergunta surgiu em reunião de ministros; o
presidente, segundo relatos, não respondeu. Ministros militares, em parte
responsáveis por demover Bolsonaro da ideia de exonerar o titular da pasta da
Saúde, tentaram contornar a situação. Mandetta também perguntou por que fora
nomeado, já que o presidente não o ouvia
Recados em discurso
Após um dia inteiro
de indefinição, na mesma segunda-feira (6), Mandetta anunciou que ficaria na
pasta e mandou recados ao presidente. Defendeu insistentemente o respeito à
ciência e citou o mito da caverna de Platão, uma alegoria sobre o conflito
entre a ignorância e o conhecimento. Também apoiou as medidas dos governadores
que se tornaram antagonistas do presidente na crise de saúde
Críticas ao presidente em Goiás
No sábado (11),
depois de Bolsonaro participar de aglomeração de apoiadores em Águas Lindas de
Goiás, Mandetta, que também estava na cidade e observou a multidão à distância,
criticou o presidente.
"Posso
recomendar, não posso viver a vida das pessoas. Pessoas que fazem uma atitude
dessas hoje daqui a pouco vão ser as mesmas que vão estar lamentando"
Entrevista ao Fantástico
Em entrevista no
domingo (12) ao Fantástico, da TV Globo, Mandetta disse que o brasileiro
"não sabe se escuta o ministro da saúde, se escuta o presidente, quem é
que ele escuta". Ele defendeu que o governo federal tenha uma "fala
única" sobre a pandemia para orientar a população.
FOLHAPRESS
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