No voo de 35 minutos sobre o entorno de Manaus, a maior cidade da Amazônia brasileira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pôde perceber os efeitos da seca extrema no bioma, o avanço do desmatamento por áreas antes mais preservadas e a ação do fogo na floresta.
O presidente dos EUA fez um voo de 35 minutos no entorno de Manaus, capital do Amazonas.
Joe Biden estava em Manaus, no Amazonas, no último final de semana | Foto: Dhyeizo Lemos / Semcom
É o que relatam duas pessoas
que acompanharam Biden no sobrevoo, feito na tarde deste domingo (17) no
helicóptero Marine One, do governo americano, acompanhado por outros seis
helicópteros da mesma frota. Estavam na mesma aeronave de Biden o cientista e
pesquisador Carlos Nobre, da USP (Universidade de São Paulo), e o conselheiro
para clima do governo dos Estados Unidos, John Podesta.
Nobre é conhecido mundialmente
por seus estudos na região da amazônia. Foi um dos autores do quarto relatório
de avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na
sigla em inglês), que recebeu o Nobel da Paz em 2007.
Podesta, enviado da Casa Branca
para assuntos do clima, esteve nos últimos dias na COP29 (Conferência da ONU
sobre Mudanças Climáticas), no Azerbaijão. Ele interrompeu a participação na conferência
para acompanhar Biden na viagem ao Brasil.
À Folha de S.Paulo, após a
visita de Biden a essa porção da Amazônia ocidental, a primeira feita por um
presidente dos Estados Unidos em exercício, Nobre disse que o presidente
testemunhou, do alto, focos de incêndio na floresta.
"O presidente e eu vimos
dois incêndios ocorrendo no meio de uma floresta. Não era numa pastagem, era no
meio de uma floresta. Alguém botou incêndio ali", disse o pesquisador.
"Talvez até botaram porque sabiam que o presidente Biden ia voar
ali."
O helicóptero cruzou o rio
Negro e já foi possível notar, segundo Nobre, como o rio está seco, apesar de o
nível das águas ter voltado a subir, após mais um ciclo de seca extrema, o
segundo seguido.
"Descendo o rio, deu para
ver uma área super desmatada. Na altura do encontro com o rio Solimões, há uma
área imensa degradada, e deu para ver dezenas de navios presos na área que
secou", disse o pesquisador. "O presidente ficou muito
impressionado."
Também foi possível constatar
"dezenas e dezenas de lugares" que pegaram fogo na floresta, tanto na
seca em 2023 quanto na estiagem de 2024. "Depois passamos ao lado de uma
belíssima reserva, muito protegida, e sobrevoamos o Musa [Museu da Amazônia,
onde Biden esteve após o sobrevoo]", disse Nobre.
Podesta, em entrevista a
jornalistas após o último ato de Biden na visita a Manaus, disse que o
presidente ficou interessado na informação, repassada por Nobre, de que o fogo
na amazônia é, em sua quase totalidade, causado por ação humana. "O
presidente ficou muito interessado nesse ponto, de que 96% dos incêndios na
Amazônia são causados por pessoas."
O integrante do governo dos
Estados Unidos afirmou ter sido possível testemunhar os efeitos da seca e do
desmatamento ilegal na floresta. Na definição de outros assessores do governo
norte-americano, foi possível notar as "impressões digitais" das
mudanças climáticas na amazônia.
"Sobrevoamos o encontro
das águas [dos rios Negro e Solimões, nas proximidades de Manaus], e a queda do
nível da água foi extrema, como consequência da seca", afirmou Podesta.
"Vimos os efeitos da seca nas margens do rio."
O rio Negro, que margeia
Manaus, segue em níveis críticos, numa lenta recuperação da seca mais severa já
registrada. Novembro ainda registra ocorrência de queimadas no Amazonas. As
chuvas estão abaixo da média para o período. A temperatura, acima da média.
Todos os 62 municípios do
estado estão em alerta quanto aos níveis dos rios e em situação de emergência,
segundo dados públicos da Defesa Civil do Amazonas atualizados na última
quarta-feira (13).
A estiagem ainda impacta a
população, com isolamento de comunidades e dificuldades de navegação pelos
rios. Ao todo, 212,7 mil famílias –850,9 mil pessoas– já sofreram impactos da
seca extrema no estado, conforme a Defesa Civil.
Na Amazônia brasileira,
especialmente na parte ocidental, onde está o Amazonas, houve dois períodos de
seca extrema seguidos, em 2023 e em 2024.
Os ciclos de cheia e estiagem
são naturais, ocorrem de forma alternada todos os anos, mas a seca ganhou
contornos extremos nos últimos dois anos, como nunca havia sido registrado.
Entre os fatores da crise,
estão o prolongamento do El Niño (aquecimento acima da média no oceano
Pacífico, perto da linha do Equador), o aquecimento do Atlântico Tropical
Norte, o desmatamento e a degradação da floresta –associado especialmente ao
fogo– e as mudanças climáticas.
Os Estados Unidos são o segundo
maior emissor mundial de gases de efeito estufa, associados às mudanças
climáticas. Fica atrás da China.
O pior já passou na seca de
2024, com o início da elevação do nível dos rios e o aumento das chuvas. Mas o
ritmo da transição de uma estação à outra é lento, o que prolonga os efeitos da
estiagem, num período de seca que começou antes do esperado.
Em 122 anos de medições do
nível do rio Negro no porto de Manaus, nunca houve tão pouca água quanto na
seca de 2024. A cota do rio atingiu 12,11 m, em 9 de outubro deste ano. O pior
ano havia sido 2023, com 12,7 m em 26 de outubro.
O rio começou a encher, mas
ainda houve um repiquete –quando as águas voltaram a vazar– por dez dias. Nesta
quinta (14), o nível do rio Negro em Manaus era de 13,09 m.
Os impactos da seca extrema
prosseguem até o fim do ano e se estendem por janeiro, segundo previsão feita
pelo órgão. Haverá menos chuva e dias mais quentes, aponta o relatório de
novembro da Defesa Civil do Amazonas.
Nas duas primeiras semanas de
novembro, houve 399 focos de calor no Amazonas, conforme registros de satélite
do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em todo o ano, foram mais
de 25 mil queimadas, 31,5% a mais dos que os registros em 2023 (até 14 de
novembro).
Manaus e outras cidades do
estado, especialmente na parte sul, viveram ondas sucessivas de fumaça, que
inundaram ainda comunidades ribeirinhas e tradicionais. Até a semana passada,
havia fumaça no ar da capital, em dias sucessivos, embora em escala menor do
que o verificado em agosto e setembro.
Autor:VINICIUS
SASSINE/FOLHAPRESS
0 Comentários