De acordo com projeção do Inca (Instituto Nacional do Câncer), em cerca de dez anos o país deverá chegar a um milhão de novos casos de câncer. A estimativa atual, para cada ano do triênio 2023-2025, está em 704 mil.
Em cerca de dez anos, Brasil deverá ter 1 milhão de novos casos da doença, projeta Inca.
Cigarro eletrônico | Créditos: HAZEMMKAMAL/istock
Para inverter a tendência e
diminuir a incidência da doença no país, que é uma das metas da Política
Nacional de Prevenção e Controle do Câncer -lei 14.758, sancionada em dezembro
de 2023-, é necessária a prevenção. Roberto de Almeida Gil, diretor geral do
Inca, conversou com jornalistas sobre o tema na 3ª edição do Global Fórum,
promovido pelo Instituto Lado a Lado pela Vida. O evento aconteceu nos dias 24
e 25 de abril, em Brasília.
Segundo Gil, que também é
oncologista, membro da American Society of Clinical Oncology, da European
Society of Clinical Oncology e do Grupo Brasileiro de Tumores
Gastrointestinais, somente de 10% a 12% dos cânceres são hereditários. A
maioria é de causas esporádicas, mutações adquiridas ao longo da vida.
"A gente quer diminuir a
incidência com a lei. Como é que faz isso? Com prevenção. Por isso que
enfatizamos tanto a prevenção. Como é que eu reduzi a incidência e mortalidade
por câncer de pulmão? Com a diminuição da prevalência do tabagismo. Caímos de
35% para 10%. Qual é o nosso risco agora? Os vapes", afirma Gil.
"Se eu me exponho mais
precocemente aos fatores que provocam câncer, por exemplo, se eu começo a fumar
os dispositivos eletrônicos com idade mais precoce, como aos 14 anos, esses
anos de carcinogênese ocorrem muito mais cedo. Eu acumulo as mutações mais
precocemente", explica o oncologista.
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) manteve, no dia 19 deste mês, a proibição da
comercialização de DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), conhecidos como
vapes ou cigarros eletrônicos. Também são proibidos propaganda, fabricação,
importação, distribuição, armazenamento e transporte dos dispositivos
eletrônicos para fumar.
Não há campanhas de
conscientização sobre os riscos dos vapes, como ocorre com os cigarros normais,
observa o médico. Cada vez mais jovens se sentem atraídos pelos formatos
coloridos e cheiros de frutas, café, doce ou outros. Não se sabe ao certo se a
nicotina é a única substância no dispositivo.
"O ideal é que ninguém
utilize. Ele é um produto de tabaco como os cigarros comuns e vai escravizar o
jovem na dependência da nicotina." Por outro lado, o especialista afirma
que não há uma explosão do consumo no país. A prevalência está estabilizada.
"Há uma percepção de que
os jovens estão consumindo mais e são os maiores consumidores, mas quando
pegamos os dados de prevalência no Vigitel [Sistema de Vigilância de Fatores de
Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico], vimos que não
aumentou. Então a lei que faz a proibição da comercialização e da propaganda
está conseguindo manter essa taxa. Ela não teve aumento e é muito menor do que
nos países que fizeram essa regulação. É de 7,5% contra menos de 1% que a gente
tem no Brasil", explica.
De acordo com o Inca, são
estimados 32.560 casos novos de câncer de traqueia, brônquios e pulmão para
cada ano do triênio de 2023 a 2025. Eles ocupam a quarta posição entre os tipos
de câncer mais frequentes.
"Quando a gente pensa em
promoção da saúde e prevenção, existe uma escolha pessoal, a escolha de fumar
ou não. Os programas e as políticas, quando bem implementadas e conduzidas,
fazem com que as pessoas mudem esse desejo particular", afirma Marcia
Sarpa de Campos Mello, responsável pela Conprev (Coordenação de Prevenção e
Vigilância do Câncer) do Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde.
Estudo realizado pelo
Inca/Conprev em 2023 indica que, para tratar as enfermidades associadas ao uso
do tabaco, o Brasil gasta em torno de R$ 125 bilhões por ano. No entanto, os
impostos que o país arrecada com a venda dos produtos de cigarro estão em torno
de R$ 13 bilhões de reais.
O aumento dos casos de câncer
também tem outros fatores, como o envelhecimento da população. "O Brasil
envelheceu em 40 anos o que a Europa demorou 400. A gente não fala mais em
pirâmide populacional, mas em moringa populacional", diz o oncologista.
Entram na conta a concentração
em grandes centros urbanos dos fatores que provocam câncer, com maior número de
casos, a poluição ambiental e o tipo de alimentação.
O consumo de ultraprocessados
está relacionado com o desenvolvimento de pelo menos 14 tipos diferentes de
câncer. Um deles é o colorretal.
"Mudamos a indicação de
colonoscopia dos 50 anos para os 45 anos, e provavelmente vai ter que mudar
para os 40."
Estima-se que o Brasil tenha
45.630 casos novos de câncer colorretal para cada ano do triênio de 2023 a 2025
-é o terceiro entre os tipos de câncer mais frequentes no Brasil.
Roberto de Almeida Gil afirmou,
durante a conversa com os jornalistas, que há políticas a serem implantadas
para melhorar a qualidade de alimentação -taxação dos ultraprocessados, merenda
escolar melhor, programas de incentivo à agricultura familiar com alimentos
mais baratos.
O combate ao sedentarismo é
outro desafio. No mundo moderno, é impactado pela violência. As pessoas têm
medo de sair de casa para praticarem caminhada ao ar livre e serem assaltadas.
"Superar a violência nos grandes centros urbanos não é uma política
fácil", comenta o especialista.
Em algumas cidades do Brasil, o
câncer de mama precoce foi relacionado com o uso de alguns agrotóxicos. "É
absurdo que o Brasil ainda use agrotóxicos que já estão contraindicados em
outras partes do mundo. É claro que a gente é uma potência do agro, mas
exatamente por isso temos que ser uma potência também do agro bom, do agro que
hoje não precisa utilizar defensivos agrícolas de péssima qualidade que já
foram proscritos em outros lugares."
"Você vai ter no mundo
inteiro um aumento dos casos de câncer, mas será muito maior nos países em
desenvolvimento, pela melhora da capacidade de diagnóstico e porque a gente tem
uma transição epidemiológica. À medida que você controla as doenças
infecciosas, vive mais e vai tendo outras doenças crônicas não transmissíveis.
O local onde mais vai aumentar o câncer é na África, porque lá estão tentando
fazer o diagnóstico -o câncer passa a ser um problema para eles- e eles têm
muitos fatores que já foram superados em outros locais", explica o diretor
do Inca.
Um exemplo é a vacinação contra
o HPV. "No Brasil, já atingimos 76% de uma dose nas meninas. A Organização
Mundial de Saúde falou que só com uma dose do HPV a gente já consegue a
imunização. Os casos de câncer de colo uterino ainda são muito frequentes na
África."
"O câncer será a primeira
causa de mortalidade, superando as doenças cardiovasculares, num futuro que não
vai demorar muito", afirma Gil.
A repórter viajou a convite do
Instituto Lado a Lado pela Vida.
Autor:Patrícia Pasquini /
Folhapress
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