É chegada a hora de incluir novos olhares na interpretação da Constituição.
(FOTO | @ Fábio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil). |
Sob orientação das
primeiras gestões do presidente Lula e impulsionada pelo protagonismo e
expertise do movimento negro, a diplomacia brasileira desempenhou papel
preponderante na redação da Convenção Interamericana contra o Racismo, quarto
tratado internacional a ingressar no sistema jurídico com status de emenda
constitucional. Ao ratificar a convenção no início de 2022, o Brasil obrigou-se
juridicamente a refletir, no seu sistema de justiça, a diversidade racial
brasileira.
A
demanda social por pluralização da interpretação e aplicação da lei, escopo
prioritário e soberano do Poder Judiciário, não tem a ver, entretanto, com
demandas ditas identitárias, cotas ou concessão a “minorias”. Tem a ver com a
diretriz republicana de prevalência da lei sobre subjetividades e conceitos
prévios.
Há exemplos práticos e
pavorosos que corroboram essa afirmação.
O Código de Processo
Penal data de 1941, e sua redação original já previa que o reconhecimento de
suspeitos requer a observância de formalidades e protocolos. No entanto,
durante penosos 80 anos, a Polícia Judiciária, o Ministério Público e o
Judiciário consideraram referida norma, obrigatória, sustentáculo do devido
processo legal, como mera recomendação, até que em 2021 o STJ deliberou que
foto extraída de rede social não pode embasar condenação criminal.
Um julgado de 1992 do
extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo dá a medida do ponto a que
podem chegar as interpretações jurídicas monocromáticas, por assim
dizer:”Reconhecimento pessoal – Identificação baseada somente na cor – Validade
– A afirmação da vítima de não encontrar condições para reconhecer os agentes
não conflita com a afirmação de ser um deles de cor negra e reconhecê-lo, já
que o reconhecimento se dá pela segura memorização visual de diversos traços
característicos de uma pessoa, ou de um somente, a cor.”
É preto? Tá condenado!!!
Nós, povo preto,
aprendemos desde tenra idade que qualquer generalização é condenável, porquanto
não se pode definir o Poder Judiciário por uma decisão abjeta como essa ou
pelos “Moros da vida”. Mas a pergunta é: quantos brasileiros morreram ou estão
apodrecendo na cadeia por decisões dessa natureza? Decisões metajurídicas,
ideológicas e matizadas pela experiência de ser homem branco heteronormativo e
de classe média, tratado pela polícia com subserviência e conveniente
profissionalismo.
As marcas dos governos
do presidente Lula, sua obsessão pela inclusão social, o combate à fome e os
robustos investimentos na educação são reflexos dos seus compromissos
políticos, mas deitam raízes em sua história pessoal.
É chegada a hora de
novas histórias pessoais, novos olhares na interpretação da Constituição
Federal.
O presidente Lula tem
em mãos a oportunidade histórica de indicar para o STF uma mulher negra e
dispõe de nomes que reúnem notório saber jurídico, reputação ilibada, lastro no
movimento social, histórico de lealdade às lutas populares e à causa da igualdade
racial, densidade, proficiência e desassombro.
Temos ciência de que
não será a OEA que irá determinar a escolha do presidente: sua têmpera torna
prescindível obrigações previstas em tratados internacionais porque o substrato
de suas decisões é o imperativo ético da Justiça e compromisso com a história.
Hédio Silva
Júnior
advogado, mestre e
doutor em direito pela PUC-SP, é diretor do Idafro – Instituto de Defesa dos
Direitos das Religiões Afro-Brasileiras Doutor em direito, é ex-secretário de
Justiça do estado de São Paulo
Maria
Sylvia de Oliveira
advogada, é
coordenadora de Políticas de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça de Geledés
– Instituto da Mulher Negra – e integrante da Coalizão Negra por Direitos
Douglas
Belchior
professor, é membro do
Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável e cofundador da
Uneafro Brasil
Vanessa
Nascimento
professora, é
diretora-executiva do Instituto de Referência Negra Peregum
Joel Luiz
Costa
advogado da favela do
Jacarezinho, membro fundador e diretor-executivo do Instituto de Defesa da
População Negra – IDPN
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Publicado
na Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.
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