Reginaldo Yanomami, 20, recebeu no fim da tarde desta terça-feira (31) a notícia de que poderia deixar o HGR (Hospital Geral de Roraima) após os exames apontarem, finalmente, um resultado negativo para a malária.
Indígenas levados a hospitais da rede de saúde de Roraima chegam em estado grave.
A crise de saúde na terra yanomami está diretamente ligada à desassistência durante o governo Bolsonaro | ( Divulgação )
O
jovem enfrentou a forma mais grave da doença, chamada de falciparum, o nome do
protozoário do gênero Plasmodium -Plasmodium falciparum- mais temido na região.
Com
a falciparum, sempre existe emergência médica, diante do risco de evolução para
situações graves em poucos dias, conforme protocolos da Fiocruz (Fundação
Oswaldo Cruz).
Reginaldo
ficou internado numa ala do HGR sem adaptação à sua realidade. Passou os dias
num leito comum, sem redes para dormir -como é do hábito dos yanomamis-, num
espaço com pacientes não indígenas.
E
ele ainda não voltará à sua comunidade, na maior terra indígena do Brasil. Após
a alta médica, o jovem ainda passaria pela Casai (Casa de Saúde Indígena), transformada
em hospital improvisado e sede de um hospital de campanha, usados para o
atendimento aos indígenas após a declaração de emergência em saúde pública pelo
governo Lula (PT).
Casos
como o de Reginaldo são frequentes. E se intensificaram nos últimos sete meses,
como notaram profissionais de saúde do Hospital das Clínicas em Roraima, também
da rede estadual de saúde. A unidade é a porta de entrada para os yanomamis
transportados por via área da terra indígena a Boa Vista, em razão de quadros
graves de malária -o HGR é acionado na sequência.
O
que esses profissionais têm notado é uma total desassistência na ponta, no
atendimento no território, o que permite evolução rápida para casos graves,
especialmente no caso da falciparum; danos severos no fígado dos indígenas, em
razão de múltiplas e seguidas malárias; quadros de anemia grave, por malária e
desnutrição; e ocupação de UTIs por casos gravíssimos.
No
HGR, medicamentos para o tratamento da malária, como cloroquina e primaquina,
chegaram a faltar por três meses, por interrupção no fornecimento pelo governo
federal, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). A informação foi confirmada à
reportagem pela direção do hospital, que disse ter havido agravamento de
quadros de saúde e mortes de indígenas por essa interrupção no fornecimento.
A
crise de saúde na terra yanomami está diretamente ligada à desassistência
durante o governo Bolsonaro e ao estímulo e conivência do mesmo governo com a
permanência de mais de 20 mil garimpeiros invasores no território.
Os
garimpos provocaram surtos de malária entre os indígenas e uma epidemia de
desnutrição grave, especialmente entre crianças e idosos.
Um
dos resultados dessa política de estímulo e tolerância à atividade criminosa do
garimpo de ouro foi o aumento das remoções de pacientes a Boa Vista -em dois
anos, o número saltou de duas a seis remoções aéreas por dia, em média- e o
estrangulamento dos hospitais de referência na cidade.
No
Hospital da Criança Santo Antônio, da rede municipal de saúde, houve 703
internações de crianças yanomamis em 2022, o que significa quase duas por dia.
A predominância é de desnutrição grave, doenças associadas à fome (como
infecções respiratórias) e malária.
Na
rede estadual, cujo responsável final é um governador que também tem discurso de
conivência com o garimpo na terra indígena, são cerca de 70 atendimentos por
mês a yanomamis adultos com malária, mais de dois por dia.
Em
entrevista à Folha de S.Paulo no último domingo (29), o governador bolsonarista
Antonio Denarium (PP) disse que desnutrição existe no país inteiro e chegou a
afirmar que os indígenas "têm que se aculturar, não podem mais ficar no
meio da mata, parecendo bicho". O MPF (Ministério Público Federal) viu
potencial discriminatório na fala e instaurou inquérito civil para investigar o
caso.
No
serviço de pronto-socorro do Hospital das Clínicas, uma unidade do governo
estadual, indígenas yanomamis chegam com danos severos no fígado, pele e olhos
amarelados, dores abdominais e abdome inchado. São os sinais da malária. Numa
"sala da malária", exames buscam a confirmação da doença.
Se
há necessidade de internação para tratamento, diante de quadros graves de
saúde, o destino é o HGR. Muitos quadros são gravíssimos, o que demonstra falta
de atenção básica na ponta, com diagnóstico e tratamento tardios.
Anemia
grave e insuficiência hepática são consequências dessa demora. De 8 yanomamis
internados no HGR na tarde de terça, 1 tinha malária em sua forma mais temida e
grave -Reginaldo, que foi avisado da alta médica quando a reportagem estava no
hospital- e um tinha anemia grave.
São
frequentes ainda casos de tuberculose, com isolamento de indígenas numa sala
insípida, à espera de uma melhora.
Não
existem alas próprias para os indígenas, como existe, por exemplo, no Hospital
da Criança, onde redes são dispostas em enfermarias.
"Aqui
são várias especialidades, e não dá para ter essas alas próprias", afirma
Juliana Gomes, diretora técnica do HGR. Ganchos para redes foram colocados em
espaços onde os pacientes estão em quadro mais estável, segundo ela.
Em
menos de dois anos, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem
28 mil indígenas. Mais da metade das crianças está desnutrida, conforme o MPF.
Em comunidades mais isoladas, o índice chega a 80%.
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