Ogoverno da Rússia está analisando a proposta feita pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a criação de um grupo de países não envolvidos na Guerra da Ucrânia para tentar mediar uma saída pacífica para o conflito que completa um ano nesta sexta (24).
A proposta do executivo brasileiro prevê a negociação da paz entre Rússia e Ucrânia por meio de um "clube da paz", formado por um grupo de países; a guerra completa um ano nesta sexta-feira (24).
Guerra entre Rússia e Ucrânia completa um ano na sexta-feira (24) | Divulgação: Ricardo Stuckert/ PR
A
informação foi dada pelo vice-chanceler Mikhail Galuzin em uma entrevista à
agência estatal russa Tass nesta quinta. Ele fez ressalvas óbvias à viabilidade
da ideia, dizendo ser preciso levar em consideração a evolução militar do
conflito.
"Nós
notamos as declarações do presidente do Brasil sobre o tema de uma possível
mediação para tentar encontrar meios políticos de evitar escalada na Ucrânia,
corrigindo erros de cálculo no campo da segurança internacional com base no
multilateralismo, e considerando os interesses de todo os atores",
afirmou.
"Nós
estamos examinando iniciativas, principalmente sob o ponto de vista da política
equilibrada do Brasil e, claro, levando em consideração a situação em
campo", completou, lembrando que os russos são parceiros dos brasileiros,
chineses, indianos e sul-africanos no grupo diplomático Brics.
A
proposta de Lula, feita inicialmente ao premiê alemão Olaf Scholz em Brasília e
levada ao presidente Joe Biden em Washington, prevê uma tentativa de solução do
conflito por meio de um "clube de paz" que inclua países como a Índia
e a China.
A
ideia, claro, foi recebida de forma fria pelos líderes, que mantêm a posição
ocidental de buscar derrotar a Rússia militarmente, o que é considerado
impossível mesmo pelo principal general americano, Mark Milley, chefe do
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.
Na
semana que vem, o tema poderá ser explorado pelo chanceler brasileiro, Mauro
Vieira. Ele estará em Nova Déli (Índia), onde terá oportunidade de se encontrar
com seus colegas russo, chinês e indiano em reunião do G20.
Na
primeira encarnação de Lula como presidente, de 2003 a 2010, a política externa
foi elevada a prioridade, não menos porque era boa vitrine para o momento
econômico favorável pelo qual o país passou, aproveitando o boom das
commodities puxado pela China.
A
reputação acabou arranhada pelo fracasso do acordo nuclear com o governo do
Irã, costurado pelo Brasil e pela Turquia, mas bombardeado pelos EUA, e pelo
constante apoio a ditaduras de esquerda próximas do PT.
A
situação atual tem nuances complexas, a começar pela posição da China como
eventual mediadora. Nesta quinta, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski,
disse que "quer se encontrar" com os chineses e que gostaria de
vê-los nesta posição.
A
fala veio em tom de cobrança. Na véspera, o presidente Vladimir Putin
encontrou-se com o principal diplomata chinês, Wang Yi, que reforçou a aliança
entre os dois países e preparou o caminho para um novo encontro entre o russo e
o líder Xi Jinping.
Vinte
dias antes da guerra, Putin e Xi selaram a aliança no contexto da Guerra Fria
2.0 e, embora não seja um acordo militar, a cooperação dos dois países cresceu
muito, com patrulhas e exercícios conjuntos. Nesta mesma quinta, as Marinhas da
China e da Rússia estão em manobras inéditas com a África do Sul, outro membro
do Brics aliás.
Os
EUA acusam a China de pretender enviar armas para ajudar os russos, o que
Pequim nega. Nesta quinta, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, foi na
mesma linha: "Nós alertamos contra isso. A China não deve apoiar a guerra
ilegal da Rússia, é claro".
Por
outro lado, os chineses têm mostrado ambiguidade: não condenam os russos, mas
insistem em que a guerra deve parar. Em debate na ONU nesta quinta, o
embaixador-adjunto da China no órgão, Dai Bing, disse que "os fatos
brutais oferecem ampla prova de que enviar armas não trará paz", cutucando
os EUA.
Isso
joga dúvidas sobre a validade de um "clube da paz", em especial sem
seu ator mais musculoso. Mas também é notável que há uma percepção crescente no
Ocidente de que a guerra pode ter unido o bloco de países liderados pelos EUA,
mas que outras nações não necessariamente alinhadas à China ou à Rússia têm
postura independente.
"Estou
muito impressionado com como estamos perdendo a confiança do Sul Global",
disse no sábado (18) o presidente francês, Emmanuel Macron, na Conferência de
Segurança de Munique, sobre como se comportam na guerra países abarcados pelo
termo, como Brasil e Índia.
A
deferência russa a Lula é também tributo à posição brasileira na guerra,
criticada nos EUA. Gulazin citou até a negativa do petista de vender munição
brasileira de tanques Leopard-1 para a Alemanha repassar à Ucrânia, revelada
pela Folha de S.Paulo em janeiro.
"Eu
gostaria de enfatizar que a Rússia valoriza a posição equilibrada do Brasil na
atual situação internacional, sua rejeição à medidas de coerção tomadas pelos
EUA e seus satélites contra nosso país, e a recusa dos nossos parceiros
brasileiros em fornecer armas, equipamento militar ou munição para o regime de
Kiev", afirmou.
Na
semana passada, uma alta funcionária da diplomacia americana, a subsecretária
de Estado Victoria Nuland, disse que o Brasil deveria "se coloca no lugar
da Ucrânia". "Ao mesmo tempo, nós vemos como Washington está
colocando pressão sobre o Brasil. Tal instância soberana merece respeito",
disse Gulazin.
Lula
segue a posição do antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que visitou Putin uma
semana antes da guerra. Rivais, ambos os políticos mantiveram a tradição do
Itamaraty em caso de conflitos internacionais: a busca por soluções pacíficas e
distanciamento, procurando preservar seus interesses.
Assim,
o Brasil foi 1 dos 141 países que condenaram a invasão russa em votação na ONU,
mas recusou-se a adotar o draconiano regime de sanções econômicas liderado pelo
Ocidente contra a Rússia. Ficou, desta forma, fora da lista de do Kremlin de
países hostis e garantiu seu interesse principal: manter o fornecimento de
fertilizantes russos, que dominam 30% do mercado brasileiro.
Nesta
quinta, foi novamente 1 dos 141 países a apoiar a resolução pedindo o fim do
conflito, e teve participação específica no parágrafo 5º do texto, que reitera
a necessidade de desocupação da Ucrânia. Buscando estabelecer equidistância,
foi a única nação dos Brics a não votar contra ou se abster.
Bolsonaro
também negou ajudar a mesma Alemanha a obter munição para os blindados de
defesa antiaérea Gepard, que o Brasil opera, enviados por Berlim a Kiev. Com
efeito, antes do segundo turno de 2022 no Brasil, Putin disse à Folha de
S.Paulo que tinha boas relações tanto com o petista quanto com o então
presidente.
Já
na campanha eleitoral, Lula causou polêmica ao dizer que Zelenski era tão
culpado pela guerra quanto Putin. Presidente, modulou o tom dizendo que a
Rússia não deveria ter invadido, mas instou ambos a negociar. Críticos do petista
afirmam que a postura brasileira desconsidera a tragédia humana iniciada pela
Rússia.
Autor:Igor Gielow/
FolhaPress
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