Amplamente divulgado na grande imprensa, redes sociais e demais setores da sociedade, o esquema do orçamento secreto consiste no direcionamento sigiloso de verbas públicas para conquistar o apoio de deputados e senadores para o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão no estado do Maranhão.
Operação Quebra Ossos. Saiba mais! | Reprodução |
A Polícia Federal prendeu nesta sexta-feira (14) os primeiros
investigados por crimes relacionados ao orçamento secreto. Os dois presos, os
irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima, são suspeitos de atuar em uma ampla
rede criminosa envolvendo o Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios do
Maranhão.
A operação da PF, autorizada pela Justiça Federal no Maranhão, mira as
fraudes no SUS e contratos irregulares da Secretaria Municipal de Saúde de
Igarapé Grande. Só nessa cidade, com cerca de 12 mil habitantes, o esquema
teria servido para desviar pelo menos 7 milhões de reais originados do
orçamento secreto.
A secretária de saúde de Igarapé Grande, Raquel
Inácia Evangelista, foi afastada do cargo e é alvo de busca e apreensão junto
com o antecessor no cargo, Domingos Vinícius de Araújo Santos.
Igarapé Grande tem como prefeito Erlânio Xavier,
presidente da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão (Famem) e aliado
do senador Weverton Rocha, ambos do PDT.
O nome da operação é Quebra Ossos, referência a um
dos tipos de exames fantasmas registrados pela prefeitura de Igarapé Grande, as
radiografias de dedo de mão. No ano de 2020, o município disse que fez 12,7 mil
exames do tipo – o quarto maior número entre todas as cidades do Brasil,
ficando atrás apenas de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.
ESQUEMA
Nas planilhas oficiais do Congresso, Roberto Rodrigues de Lima aparece
como solicitante de 69 milhões de reais em emendas de relator-geral do
orçamento para municípios do Maranhão, só neste ano.
Sem mandato, ele é um dos “usuários externos” que
passaram a assumir solicitações de emendas do orçamento secreto, após o
Congresso resolver descumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal que
determinou ampla publicidade às indicações.
Deputados e senadores que não querem aparecer se
escondem por trás de “usuários externos”, que funcionam como laranjas. Ou seja:
a solicitação é feita por esse “usuário secreto”, mas o nome do parlamentar
continua em segredo.
Um trecho da decisão do juiz federal substituto
Deomar da Assenção Arouche Júnior qualifica como “famigerado” o orçamento
secreto.
“(A Polícia Federal) Argumenta, em síntese, que, no âmbito do município
de Igarapé Grande/MA, os representados participaram de empreitada para inserir
informações superestimadas de produção em sistemas eletrônicos do Sistema Único
de Saúde – SUS, com o intuito de majorar indevidamente o teto de repasse de
ações e serviços de média e alta Complexidade financiados com recursos de
emendas parlamentares do famigerado ‘orçamento secreto’ (emendas RP 9),
desviando os recursos através de contratos administrativos fraudulentos”, diz
trecho da decisão.
A investigação sobre Roberto e Renato Rodrigues de
Lima, que são irmãos, é fundada na suspeita de que eles atuaram para fraudar o
SUS e aumentar os valores que os municípios podem receber. Eles controlam a
empresa RR de Lima, que tem contratos com várias cidades maranhenses onde
também foram inseridos dados superestimados de atendimentos, segundo a PF.
No caso de Igarapé Grande, Roberto Lima solicitou
no Sistema de Indicações Orçamentárias (Sindorc), do Congresso, e obteve
aprovação do relator-geral do orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ), para um repasse de
9,2 milhões de reais na área da saúde. Desse total, ao menos 4,4 milhões já
caíram nos cofres do município.
“Há prova robusta, em especial ancorada em análise técnica realizada
pela CGU, de que a estrutura da pessoa jurídica, embora módica, tem sido
utilizada pelo investigado Roberto Rodrigues para promover a inserção falsa de
dados no SIA não apenas do município de Igarapé Grande, mas em dezenas de
outras urbes do Estado do Maranhão, causando prejuízo de larga monta à União”,
diz a decisão da Justiça Federal no Maranhão.
A PF suspeita que contratos assinados pela
Secretaria de Saúde de Igarapé Grande com as empresas entre 2019 e 2021 estão
repletos de “irregularidades que favoreceram diretamente as pessoas jurídicas
contratadas, indicativos de crime licitatórios”. As empresas alvo da operação
são a Dimensão Distribuidora de Medicamentos, a Omega Distribuidora de
Medicamentos e a Central de Laudos e Serviços LTDA.
A PF observou que os suspeitos adotam mecanismos
para burlar a atuação dos sistemas de controle fiscal e financeiro, e que os
relatórios da Secretaria da Fazenda e de Inteligência Financeira apontam
“apontam indícios razoáveis de malversação de verbas públicas”. Daí a
necessidade também da quebra de sigilo fiscal e bancário dos investigados,
autorizada pela Justiça.
CAMPEÃ NACIONAL
A 300 km de São Luís, Igarapé Grande é a campeã brasileira em valores de
emendas parlamentares per capita na saúde no ano de 2021. O município registrou
591 reais recebidos por habitante em 2021, Enquanto isso, a média nacional é de
R$ 15 por pessoa.
De certa forma, é também a pioneira no esquema de
fraudes no SUS. Em 2018, os atendimentos de média e alta complexidade na cidade
somavam 123 mil. No ano seguinte, quando o orçamento secreto dava seus
primeiríssimos passos em Brasília, explodiram para 761 mil.
Só as consultas com especialistas bateram em 385
mil, o que dá uma média anual de 34 consultas por habitante – um padrão que
supera o recorde mundial, estabelecido pela Coreia do Sul, onde a média anual
chega a 17 consultas por habitante.
Com a profusão de exames e consultas-fantasmas, Igarapé Grande aumentou
muito seu teto orçamentário e conseguiu atrair 3,9 milhões de reais do
orçamento secreto em 2020. Nesse mesmo ano, voltou a inflar seus números.
Chegou a informar que fez mais de 12,7 mil radiografias de dedo de mão –
ficando atrás apenas de São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.
Assim, em 2021, conseguiu ainda mais recursos do
orçamento secreto: 6,7 milhões, o que lhe valeu a "medalha de ouro"
no per capita nacional.
O milagre da multiplicação de consultas, no
entanto, se estende a dezenas de cidades, com prefeitos de diversos partidos.
Como a Revista Piauí revelou, municípios
maranhenses receberam valores descomunais, tornando-se os principais
destinatários de emendas do orçamento secreto no primeiro semestre deste ano. A
maioria dos parlamentares solicitantes dos repasses segue oculta.
DENÚNCIA
As investigações dos órgãos de controle sobre o esquema de fraudes no
SUS no Maranhão começaram logo após a denúncia da Piauí, com abertura de
procedimentos de apuração pelo Ministério Público Federal no Maranhão, pelo
Ministério Público do Estado do Maranhão, pelo Tribunal de Contas do Estado do
Maranhão e pela Controladoria-Geral da União em sua unidade no Maranhão.
A CGU checou os dados da reportagem e emitiu um
relatório atestando as irregularidades, que apoia a investigação da Polícia
Federal. Um dos dados que chamou a atenção da justiça é o número de consultas
no Hospital Municipal Expedito Lopes Galvão: “ até março do ano de 2019, foram
registradas 616 consultas especializadas no Hospital Municipal Expedito Lopes
Galvão, ao passo que no mês seguinte foram registradas 263.657”.
A CGU também apontou ilegalidades em seis contratos
da prefeitura, “com indícios de montagem dos processos, assinatura de adesões
após a validade de atas e adesões com sobrepreço.”
A revista mostrou que a Dimensão, uma distribuidora de medicamentos
sediada em Teresina, já era alvo de investigações da Polícia Federal e que, de
2020 em diante, fez contrato com nada menos que 97 prefeituras do Maranhão,
incluindo algumas cidades que receberam milhões no esquema de consultas e
exames inexistentes. Com Igarapé Grande, há contratos de pelo menos 3,1 milhões
de reais.
O dono da Dimensão, Jadyel Alencar, acaba de ser
eleito deputado federal pelo Piauí, pelo PV. Em 2017, Alencar foi condenado a
três anos e meio de reclusão por compra e venda de soro fisiológico roubado da
Secretaria de Estado da Saúde do Piauí (Sesapi). O empresário recorreu ao
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Eleito na coligação do PT, Jadyel tem
foto com o ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil, nas redes sociais.
Antes da operação desta sexta-feira, a Justiça
Federal já havia concedido uma série de decisões que buscam evitar o desvio do
dinheiro recém-destinado às prefeituras suspeitas de terem fraudado o SUS.
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal no
Maranhão já determinou o bloqueio de 78 milhões das contas dos Fundos de Saúde
de 20 municípios maranhenses. São eles: Igarapé Grande, Miranda do Norte,
Afonso Cunha, Bela Vista, São Francisco do Maranhão, Loreto, Governador Luiz
Rocha, Santa Filomena do Maranhão, São Bernardo, Bequimão, Turilândia, Lago dos
Rodrigues, Joselândia e São Domingos. Ainda há mais pedidos de bloqueio de
verbas aguardando julgamento.
O MPF solicitou também a requisição de instauração
de 28 inquéritos policiais. É provável que a operação Quebra Ossos, em Igarapé
Grande, seja só a primeira a colocar a PF nas ruas.
Breno Pires/Piauí/Folhapress
0 Comentários