Naquele verão de janeiro de 1993, o Nirvana, então mais importante banda de rock da época, desembarcava no Brasil para fazer os maiores shows de sua carreira, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e o baixista Krist Novoselic não deixou de fazer troça da ressaca que o país vivia com dois casos que monopolizavam o noticiário, ocorridos semanas antes.
Daniella Perez foi assassinada em 1992, aos 22 anos, com golpes de faca no pulmão e coração. Ela era filha da autora Gloria Perez.
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A atriz Daniella Perez. | Divulgação |
Um deles era a renúncia do primeiro
presidente eleito depois da ditadura, Fernando Collor de Melo, que sofreu um
processo de impeachment.
O outro, ainda mais insólito e que ofuscara o escândalo político, era o assassinato da atriz que vivia uma das mocinhas da novela das oito então no ar, "De Corpo e Alma", pelas mãos de seu parceiro de cena e com o detalhe fundamental de que a vítima era filha da própria autora da trama –na nação que tem na teledramaturgia o carro-chefe de sua indústria cultural.
Daniella Perez e Guilherme De Pádua seu assassino | (Divulgação)
Jô Soares, em Nova York naquela última semana de dezembro de 1992, é
quem cantaria a bola –os jornais americanos haviam relegado o afastamento de
Collor para o miolo e convocado a morte de Daniella Perez, ocorrida horas
antes, para as primeiras páginas. Não seria exagero dizer que foi o crime mais
notório da história da cultura brasileira das últimas décadas.
Ao menos, o mais midiático. É possível que todo
brasileiro com um pouco mais de 30 anos seja assombrado pelas onipresentes
fotos do corpo da moça de 22 anos estirado no matagal de uma Barra da Tijuca
ainda não tão adensada, vestindo blusa preta sem mangas e uma calça jeans.
Ou dos detalhes mórbidos que emergiam –de como
Guilherme de Pádua, condenado pelo crime, havia consolado Gloria Perez ao
telefone antes de ser indiciado pela polícia, e dos sinais de que a atriz havia
sido morta num sacrifício ritual de magia negra, versão defendida pela família
dela na época, a mando de um tal "preto velho" a quem os assassinos
adoravam.
Agora que o caso está prestes a completar
três décadas, a HBO vai exibir, a partir do próximo dia 21, uma minissérie
documental com cinco episódios que rememora o assassinato e que contará com um
longo depoimento de Gloria Perez. "Pacto Brutal" tem direção de
Tatiana Issa e Guto Barra e teve o seu trailer divulgado nesta terça-feira.Daniella Perez nasceu em 11 de agosto de 1970 | (Divulgação)
O caso provocou tamanha comoção nacional que causou até mesmo uma
mudança na legislação penal brasileira, encampada pela própria autora, que nos
meses seguintes ao assassinato da filha conseguiu mobilizar mais de 1,3 milhão
de assinaturas pela inclusão do homicídio qualificado na Lei dos Crimes
Hediondos. Na prática isso significou endurecer a punição a pessoas condenadas
por essa prática.
Quem era quem Com "De Corpo e Alma", que
foi ao ar em agosto de 1992, Gloria Perez voltava à TV Globo e assumia sua
primeira novela das oito em voo solo. A trama principal girava em torno de
Paloma –vivida por Cristiana Oliveira, recém-saída do sucesso de
"Pantanal" na Manchete–, jovem que recebia o coração transplantado de
uma outra mulher, Betina, grande amor de Diogo, papel de Tarcísio Meira.
Os dois acabavam se apaixonando, numa narrativa que
ainda tratava da ascensão dos góticos e do fenômeno dos clubes das mulheres,
com strippers masculinos.
A carioca
Daniella Perez, então com 22 anos, era filha da roteirista e uma jovem promessa
que havia atuado em novelas como "Barriga de Aluguel" e "O Dono
do Mundo". Ela não era a protagonista da trama escrita por sua mãe, mas
fazia um papel de destaque e que caiu no gosto popular –Yasmin, a irmã mais
nova de Paloma, jovem cheia de personalidade que vivia um romance com Caio,
interpretado por um Fábio Assunção que deixava os papéis teen para se consagrar
como galã.A roteirista Glória Perez e sua filha Daniella | (Divulgação)
asmin, na trama, tinha um envolvimento com Bira, motorista de ônibus
vivido pelo ator Guilherme de Pádua, iniciante em seus 22 anos, que tinha em
"De Corpo e Alma" seu primeiro grande trabalho na TV.
Mineiro de Belo Horizonte, De Pádua havia sido um
dos strippers de "Noite dos Leopardos", atração comandada pela travesti
Eloína na virada dos anos 1980 para os 1990, na Galeria Alaska, famoso ponto
gay em Copacabana, no Rio de Janeiro, que consistia basicamente num show em que
os rapazes, os seus leopardos, ficavam nus.
Guilherme de Pádua também havia atuado, em 1989, em "Via
Appia", filme alemão com leve pornografia ambientado no universo das
saunas homossexuais do Rio, tendo a Aids como pano de fundo. Ali, ele fazia o
papel de um garoto de programa pouco confiável.
"Era um michê barato da Galeria Alaska",
disse Gloria Perez sobre o homem condenado pelo assassinato de sua filha numa
entrevista dada no ano seguinte. Mas aquilo, afirmou, ela só viria a saber
depois. Até então, para ela, era só um ator iniciante tentando uma chance na
televisão.
O que se aventou à época é que o papel de De Pádua
estava sendo progressivamente reduzido na trama de "De Corpo e Alma",
em benefício do romance entre Yasmin e Caio, e que então ele tramou uma
vingança por pensar que a atriz estava manipulando a mãe. Além disso, a mulher do
ator, Paula Thomaz, supostamente teria ciúmes da relação entre ele e sua
parceira de cena, o que teria convergido para o assassinato de Daniella Perez.
O crime Na noite de 28 de dezembro de 1992, o
corpo de Daniella foi encontrado num matagal na Barra da Tijuca, na zona oeste
do Rio de Janeiro, perfurado por cerca de 18 punhaladas realizadas com uma
tesoura que feriram seus pulmões e o coração.
A polícia chegou até De Pádua por causa de
uma testemunha que teria visto o seu carro, com a chapa adulterada, na cena do crime,
pouco antes de o corpo da atriz ter sido deixado ali. A Justiça concluiu que o
ator e sua mulher armaram uma emboscada contra a vítima. Ambos foram condenados
por homicídio qualificado a uma pena de 19 anos de prisão.
Há cinco anos, o ex-ator se tornou pastor da
Igreja Batista da Lagoinha, em sua cidade natal, Belo Horizonte. Guilherme de
Pádua concedeu poucas entrevistas sobre o caso, mas seu nome sempre reaparece
por aí, como quando criou um canal no YouTube para falar de sua conversão
religiosa. Numa de suas últimas aparições públicas, em 2020, foi às ruas num
protesto pró-Bolsonaro.
Assista o trailer de
Pacto Brutal
Guilherme
Genestreti/FolhaPress
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