Mais trabalho, estresse e isolamento colaboraram para a situação.
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Durante o ano de 2020, quando o Brasil passou mais tempo em isolamento social para frear o avanço do coronavírus, houve aumento no consumo abusivo de bebidas alcoólicas e no sedentarismo entre a população brasileira, o que desencadeou a elevação da taxa de pessoas com doenças crônicas, como a obesidade.
Isso é que mostra a pesquisa Doenças Crônicas e Seus
Fatores de Risco e Proteção: Tendências Recentes no Vigitel, realizada pelo
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
Manaus (24,9%),
Cuiabá (24,0%) e Rio (23,8%) lideram o ranking de maior incidência da
obesidade. Até 2011, nenhuma capital havia ultrapassado 20%.
O índice nacional chega a quase o dobro do que foi
registrado 14 anos antes, em 2006, quando só 11,8% da população era portadora
desse tipo de comorbidade.
O ano marca a primeira vez que foi feito o levantamento
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico (Vigitel) pelo Ministério da Saúde, de onde os dados do IEPS foram
extraídos. Foram entrevistadas 27.077 pessoas nesta edição do estudo.
Alerta
Especialistas ouvidos pelo Estadão Conteúdo afirmam que
a alteração no estilo de vida dos brasileiros, provocada pela pandemia, foi
determinante para o surgimento – e até agravamento – de hábitos prejudiciais à
saúde, assim como transtornos psíquicos que desencadeiam outras doenças.
A vestibulanda de Artes Visuais Isabella Stael, de 19
anos, atribui o aumento do consumo de bebidas alcoólicas na pandemia ao que
chama de “desgaste psicológico”.
Ela afirma que o álcool é usado como refúgio para
relaxar e se divertir em meio ao estresse causado pela covid e pelos estudos,
sem que haja, necessariamente, uma ocasião especial.
“Em grande parte, o consumo de álcool que faço está
ligado a aliviar a pressão e não precisar pensar no futuro”, afirma ela.
“Também está relacionado a dias em que estou muito
cansada, ou em outros em que o esgotamento mental é tão grande que fico
frustrada por não conseguir estudar direito e chego ao final do dia querendo
beber”, acrescenta a jovem.
O psiquiatra Guido Palomba, da Associação Paulista de
Medicina, vê relação direta entre a pandemia e a alta da taxa de doenças
crônicas.
Para ele, isso ocorre porque as pessoas precisam
restringir a locomoção e lidar com a superexposição a notícias negativas, o que
desencadeia transtornos psiquiátricos que colaboram para surgirem comorbidades.
A demanda excessiva de trabalho criada pelo home office
também é apontada por Palomba como fator inerente ao “novo normal”, que
estimula hábitos pouco saudáveis.
“Alimentação e álcool são formas de gratificação em
momentos ruins. Consequentemente, há aumento de obesidade, diabete e problemas
cardíacos”, afirma.
Diagnóstico
Beatriz Rache, mestre em Economia pela Universidade
Columbia (EUA) e autora da pesquisa do IEPS, destaca o aumento dos fatores de
risco à saúde, como o consumo de ultraprocessados (biscoitos, chocolate,
salsicha, margarina, entre outros), em praticamente todos os segmentos da
pesquisa. Só o tabagismo se manteve estável em 2020 ante 2019.
Em contrapartida, o consumo abusivo de álcool partiu de
18,8% para 20,4%, mesmo cenário observado em relação ao sedentarismo (de 13,9%
para 14,9%).
“A gente vê, entre 2019 e 2020, piora de todos os
indicadores de riscos comportamentais e, por isso, é possível associar ao
aumento da obesidade. Apesar de a Vigitel não permitir fazer essa correlação,
os dados mostram que a pandemia parece estar associada aos resultados de 2020,
ano tanto de estresse econômico quanto sanitário”, afirma Beatriz.
Presidente da Associação Médica Brasileira, César
Fernandes destaca a importância de grandes campanhas de conscientização sobre
riscos da alimentação inadequada e da falta de atividade física.
“Muitas famílias mudaram hábitos alimentares para pior,
com o teor de gordura e caloria aumentado. As pessoas começaram a se servir por
meio de delivery. Não bastasse isso, se privaram de atividades físicas
habituais, como pequenas caminhadas no cotidiano”, acrescenta.
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