Jornalistas credenciados e identificados que cobriam a visita de Jair Bolsonaro (sem partido) a Roma foram agredidos durante caminhada improvisada pelo presidente brasileiro no centro da capital italiana, na noite deste domingo (31), enquanto apoiadores gritavam "Globolixo" e assessores do presidente assistiam impassíveis.
Presidente brasileiro participa da cúpula do G20 na cidade eterna.
Um dos jornalistas teve o celular jogado no chão pelos apoiadores do presidente brasileiro | Reprodução
Bolsonaro está no país participando da cúpula do G20. Ele pulou vários compromissos ligados à cúpula e optou por fazer passeios na cidade, seguido por apoiadores.
Por volta das 16h55 (horário local), quando o
presidente ainda estava dentro da embaixada brasileira, um agente que não quis
se identificar empurrou a repórter Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha de
S.Paulo, dizendo que ela devia se afastar do local. A repórter foi empurrada
ainda outras três vezes, embora estivesse em um local público, onde não deveria
haver nenhuma restrição ao trabalho da imprensa.
O jornalista Leonardo Monteiro,
correspondente da TV Globo, contou ter levado um soco na barriga, desferido por
um agente italiano.
"Perguntei ao presidente Bolsonaro por
que ele não tinha ido aos eventos do G20 de manhã. Aí veio um segurança, me
empurrou com tanta força que até perdi um pé de sapato. Depois, me prensou
contra a lateral de um carro e me deu um soco na barriga. Se não fosse o André
[Miguel, repórter cinematográfico da emissora] e dois colegas, Ana Estela, da
Folha, e Lucas Ferraz, do Globo, que vieram filmando e argumentaram com outro
policial, seria pior", disse Monteiro.
"Foi uma violência desproporcional. A
gente espera o 'cercadinho da imprensa' para proteger o presidente, mas não
para inviabilizar o trabalho da imprensa", disse Monteiro.
Quando a repórter da Folha de S.Paulo começou
a filmar a agressão contra Monteiro, um agente tentou arrancar o celular dela
repórter e a ameaçou. O repórter do UOL Jamil Chade também teve o celular
tomado enquanto tentava filmar, e os repórteres Lucas Ferraz, do jornal O
Globo, e Matheus Magenta, da BBC Brasil, também foram agredidos verbalmente,
empurrados e levaram socos nas costas.
Seguranças brasileiros e italianos ignoraram
as credenciais e a informação de que os jornalistas estavam a trabalho e gritaram
com colegas que diziam ser inaceitável o contato físico com brutalidade.
Minutos depois, o presidente Bolsonaro saiu
para falar com cerca de 60 apoiadores que o esperavam aos fundos da embaixada
brasileira. Depois de fazer um discurso, impossível de ser ouvido mesmo pelos
apoiadores, resolveu fazer sua quarta caminhada improvisada pela cidade.
Neste momento, os seguranças tentaram fazer
uma corrente de proteção enquanto Bolsonaro partiu a passo apertado em direção
ao largo Argentina, por uma via estreita, na qual apoiadores se aglomeravam
para tentar acompanhá-lo.
No corso Vitorio Emanuelle 2º, em meio à
correria e ao empurra-empurra, ao menos uma manifestante ficou ferida ao ser
derrubada, e um grupo de pessoas que tentou se aproximar dela também foi
empurrado.
Durante todo o trajeto, Bolsonaro não deu
atenção aos acontecimentos, olhando fixamente para a frente. Quando a repórter
da Folha de S.Paulo lhe perguntou por que a segurança estava agredindo os
jornalistas, ele parou, ouviu o que um assessor lhe disse ao ouvido e decidiu
interromper o passeio e voltar à embaixada.
As agressões dos agentes continuaram no
caminho de volta -ao todo, o passeio durou cerca de dez minutos.
Ao chegar à embaixada de carro, o presidente
parou e desceu, como costuma fazer quando há apoiadores, mas foi surpreendido
por gritos de "assassino" e "genocida". Desistiu de se
aproximar do público, acenou, entrou no carro e entrou no edifício.
A repórter da Folha de S.Paulo se dirigiu a
um homem uniformizado, o único que tinha um escudo que indicava que era um
funcionário público. Ele disse ser da polícia, mas, quando questionado sobre o
motivo de os seguranças italianos estarem impedindo a imprensa brasileira de
trabalhar, afirmou que isso não acontecera e caminhou em direção à porta dos
fundos da embaixada, onde passou a impedir a passagem dos repórteres.
Os seguranças disseram ainda que não poderiam
ser filmados e se negaram a fornecer suas identificações e a dizerem se eram
parte regular da polícia italiana. Assessores de Bolsonaro em nenhum momento
pediram calma ou intercederam.
A Folha de S.Paulo perguntou à Secom (Secretaria
de Comunicação) da Presidência da República quem são os responsáveis pela
segurança de Bolsonaro em Roma, mas não obteve resposta.
Em nota sobre o episódio, o jornal Folha de
S.Paulo afirmou: "A Folha repudia as agressões sofridas pela repórter Ana
Estela de Sousa Pinto e outros jornalistas em Roma, mais um inaceitável ataque
da Presidência Jair Bolsonaro à imprensa profissional."
A ANJ (Associação Nacional de Jornais) disse,
em nota, que "repudia com veemência e indignação as agressões sofridas por
jornalistas brasileiros na cobertura das atividades do presidente".
"A violência contra os jornalistas, na
tentativa de impedir seu trabalho, é consequência direta da postura do
presidente, que estimula com atos e palavras a intolerância diante da atividade
jornalística."
A nota ainda afirma que ANJ espera que os
atos sejam apurados e os culpados, punidos. "A impunidade nesse e em
outros episódios é sinal de escalada autoritária."
A Globo também se manifestou sobre o
episódio. Em nota, a empresa afirmou que "condena de forma veemente a
agressão ao seu correspondente Leonardo Monteiro e a outros colegas em Roma e
exige uma apuração completa de responsabilidades.
"Quem contratou os seguranças? Quem deu
a eles a orientação para afastar jornalistas com o uso da força? Os
responsáveis serão punidos? A Globo está buscando informações sobre os
procedimentos necessários para solicitar uma investigação às autoridades
italianas", continua o documento.
"No momento, ficam o repúdio enfático, a
irrestrita solidariedade a Leonardo Monteiro e demais colegas jornalistas de
outros veículos e uma constatação: é a retórica beligerante do presidente Jair
Bolsonaro contra jornalistas que está na raiz desse tipo de ataque. Essa
retórica não impedirá o trabalho legítimo da imprensa. Perguntas continuarão a
ser feitas, os atos do presidente continuarão a ser acompanhados e registrados.
É o dever do jornalismo profissional. Mas essa retórica pode ter consequências
ainda mais graves. E o responsável será o presidente."
FOLHAPRESS
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