O mal-estar entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou ao seu ápice, com a cúpula da Corte quebrando o silêncio diante das constantes críticas e ameaças do chefe do Executivo aos integrantes do Judiciário e rompendo as pontes de relacionamento com o Palácio do Planalto. O recado mais duro partiu do presidente do STF, ministro Luiz Fux. Ontem (05/08) ele cancelou uma reunião que seria realizada com líderes do Executivo e Legislativo e ponderou que “o pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes”.
O recado mais duro partiu do presidente do STF, ministro Luiz Fux (Foto: Reprodução/Facebook)
A reação de Fux foi uma resposta ao comportamento reiterado
de Bolsonaro ao longo das últimas semanas. Na tentativa de desmerecer o sistema
eleitoral e a urna eletrônica, além de não apresentar provas concretas de
falhas, o chefe do Planalto passou a ofender o ministro Luís Roberto Barroso,
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é contra a implementação
do voto impresso no país.
Bolsonaro
até fez uma transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, prometendo
comprovar as fragilidades da urna eletrônica, mas acabou admitindo que não tem
como atestar fraudes no equipamento. Como consequência, passou a ser
investigado no STF. O ministro Alexandre de Moraes, relator na Corte do
inquérito que apura a produção de notícias falsas e ofensas aos magistrados do
Supremo, incluiu Bolsonaro como um dos alvos do processo por questionar a
confiabilidade do sistema eleitoral do país sem ter como provar que o modelo é
inseguro. Por conta disso, Moraes também virou alvo de ataques do presidente.
Incomodado
com a postura de Bolsonaro diante dos seus colegas, Fux rebateu o chefe do
Executivo. “Quando se ataca um integrante desta Corte, se ataca a
todos”, enfatizou. O presidente do STF disse que, no encontro mais
recente com o presidente da República, em julho, o alertou “sobre os
limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o
necessário e inegociável respeito entre os Poderes para a harmonia
institucional do país”.
Como
isso não aconteceu, Fux lamentou o comportamento do mandatário. “O
presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a
integrantes desta Corte, em especial aos ministros Luís Roberto Barroso e
Alexandre de Moraes”, frisou. “Além disso, Sua Excelência
mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário, bem
como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral
brasileiro. Diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias
palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.”
Moraes
também rebateu Bolsonaro: “Ameaças vazias e agressões covardes não
afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua
missão constitucional de defesa e manutenção da democracia e do Estado de
direito”.
Fux
marcou para hoje uma reunião com o procurador-geral da República, Augusto Aras,
que é alinhado ao Planalto. O assunto do encontro não foi divulgado.
Em
rota de colisão com o STF, Bolsonaro ameaçou reagir fora dos limites da
Constituição. Insatisfeito por ter virado alvo de investigação, o presidente comentou
que não pretende “sair das quatro linhas para questionar essas
autoridades”, mas alertou que “o momento está chegando”.
“Não
dá para continuarmos com um ministro arbitrário, ditatorial, que não respeita a
democracia, que não leu a Constituição. Se leu, aplica de acordo com o seu
entendimento para, cada vez mais, agredir não só a democracia, bem como atingir
os seus objetivos dessa forma. Isso é inadmissível numa democracia”, reclamou.
Bolsonaro
enfatizou que “o senhor Alexandre de Moraes acusa todo mundo de
tudo”. “Bota como réu no seu inquérito, sem qualquer base
jurídica, para fazer operações intimidatórias, busca e apreensão, ameaça de
prisão, ou até mesmo prisão. É isso que ele vem fazendo, e a hora dele vai
chegar, porque ele está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito
tempo.”
Na
sua live semanal, ontem (05/08) à noite, Bolsonaro ficou por mais de uma hora
criticando o STF. Barroso e Moraes foram os principais alvos. Segundo o chefe
do Planalto, o trabalho dele poderia estar rendendo muito mais se não fossem os
dois ministros. O chefe do Executivo ainda se referiu ao presidente do TSE como
um “menino mimado que não pode ser contrariado”.
“Não
estou atacando o STF, estou questionando o Barroso e o Moraes. Os senhores têm
de entender que não são os donos do mundo, da verdade. Não foram eleitos para
decidir o futuro do povo. Fomos eu e o Congresso Nacional”, disparou. “Vocês
foram eleitos para interpretar a Constituição. Não podem continuar legislando,
dando peruada e interferindo, dizendo o tempo todo o que eu devo ou não fazer.”
A
reunião deveria ter ocorrido em 14 de julho, mas foi desmarcada por causa da
internação do presidente Jair Bolsonaro, devido a uma obstrução intestinal. Uma
nova data não foi anunciada, mas a expectativa era de que o encontro fosse
nesta semana. O objetivo da reunião era justamente tentar frear a escalada de
ataques do chefe do Planalto e dissipar a crise institucional. Participariam,
além de Fux e Bolsonaro, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Centenas
de empresários, economistas, diplomatas e representantes da sociedade civil
divulgaram um manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro, destacando
que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de
eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. O
comunicado não cita o presidente Jair Bolsonaro, mas é categórico ao dizer que
o país “terá eleições, e seus resultados serão respeitados” e
ao afirmar que “a sociedade brasileira é garantidora da Constituição
e não aceitará aventuras autoritárias”.
Entre
os signatários estão nomes de peso do mundo empresarial e financeiro, como
Frederico e Luiza Trajano, do Magazine Luiza; Pedro Moreira Salles e Roberto
Setubal, do Banco Itaú Unibanco; Carlos Jereissati, do Iguatemi; Pedro Passos e
Guilherme Leal, da Natura; e Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde. Também
assinam economistas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Ilan Goldfajn, Persio
Arida, André Lara Resende, Alexandre Schwartsman e Maria Cristina Pinotti.
O
manifesto nasceu de alguns associados do Centro de Debates de Políticas
Públicas (CDPP) e se espalhou para outros grupos de discussão de empresários,
economistas e advogados. “Já na hora que ele começou a adesão, foi
enorme”, afirmou o economista Affonso Celso Pastore, do CDPP. “A
sociedade civil precisa se manifestar como na época da campanha pelas eleições
diretas. Bolsonaro já entrou em todos os órgãos de controle, como a Polícia
Federal e o Ministério Público Federal, e a luta dele agora é controlar o
Judiciário. É imprescindível a união de todos em defesa da democracia”,
afirmou Maria Cristina.
O
texto foi elaborado na terça-feira e passou a circular entre grupos de
empresários, economistas e grupos que representam a sociedade civil. Ele traz a
assinatura de políticos, como o presidente do Cidadania, Roberto Freire; e de
dirigentes de entidades da sociedade civil, como Priscila Cruz, do Todos pela
Educação. Lideranças religiosas também subscrevem o documento. Lá estão o cardeal-arcebispo
de São Paulo, d. Odilo Scherer, e o rabino Michel Schlesinger.
Nos
três parágrafos do manifesto, os signatários afirmam sua preocupação com a
pandemia, as mortes e a perda de empregos. Dizem que as transformações da
sociedade e a recuperação do país só serão possíveis pela via democrática. E
frisam confiar no sistema atual de voto.
“O
Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções.
Milhares de brasileiros perderam suas vidas para a pandemia e milhões perderam
seus empregos. Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil”, diz o texto.
“Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades
para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo.
Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática.”
Com
informações portal Correio Braziliense
0 Comentários