O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirma ter alertado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin.
Segundo deputado, Bolsonaro foi alertado sobre suspeitas na compra da vacina indiana.
Luís Miranda disse ter alertado Bolsonaro e o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo a compra da Covaxin.. | Isac Nóbrega/PR |
"No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é
meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse o parlamentar à
reportagem nesta quarta-feira (23).
O deputado é irmão de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão
de importação do Ministério da Saúde, que relatou ao MPF (Ministério Público
Federal) ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato. O depoimento,
dado em 31 de março, foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.
Segundo o deputado, naquele encontro Bolsonaro prometeu acionar a
Polícia Federal para investigar o caso. "Para poder agir imediatamente,
porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo", disse Miranda.
O parlamentar afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da PF.
"Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de
corrupção."
Miranda é da base aliada do governo e não quis responder se Bolsonaro
prevaricou. "Levei [o caso] para ele porque confio nele. Espero que ele
tenha feito alguma coisa", disse o deputado. Ele e seu irmão serão ouvidos
pela CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira (25).
O deputado compartilhou com a Folha de S.Paulo imagens que mostram
conversas dele com um auxiliar de Bolsonaro, no dia 20 de março deste ano, pelo
celular. Miranda pede que o presidente seja avisado sobre "um esquema de
corrupção pesada na aquisição das vacinas".
Ele disse ao auxiliar presidencial ter provas e testemunhas.
"Depois não quero ninguém dizendo que eu implodi a república. Já tem PF e
o caralho no caso. Ele precisa saber se se antecipar", disse Miranda ao
auxiliar de Bolsonaro.
Naquela mesma tarde, o deputado e o presidente se reuniram no Palácio da
Alvorada.
No dia 22 de março, Miranda encaminhou ao auxiliar do presidente uma
cópia de documento que mostraria tentativa de garantir um pagamento antecipado
de US$ 45 milhões (R$ 223 milhões) por um primeiro lote de imunizantes. Esse
pagamento não está previsto no contrato assinado entre o Ministério da Saúde e
a Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat
Biotech, que produz a Covaxin.
"Isso é muito sério! Meu irmão quer saber do PR (presidente da
República) como agir", escreveu Miranda ao auxiliar do presidente. Sem
resposta, ele questionou, no dia 23, se Bolsonaro estaria "chateado",
o que o auxiliar negou. "São muitas demandas. Vou lembrá-lo",
respondeu ao deputado.
Miranda também compartilhou com a reportagem mensagens que o seu irmão
recebeu do coronel Marcelo Pires, ex-diretor do Ministério da Saúde. Ele não
especificou a data da conversa.
Pires enviou ao irmão do deputado contatos de um servidor do ministério
e de um representante da Precisa, e pediu ajuda para agilizar a licença de
importação de 4 milhões de doses da Covaxin.
O encontro em que o deputado teria alertado Bolsonaro sobre supostas
irregularidades na compra ocorreu em um sábado e não está registrado na agenda
oficial do presidente. Naquele dia, Miranda publicou nas redes sociais uma foto
ao lado de Bolsonaro.
Nesta terça-feira (22), o deputado disse à Folha de S.Paulo que havia
encaminhado os relatos de seu irmão a autoridades, mas não quis confirmar
quais. "Se eu responder para você, cai a República", afirmou.
O governo fechou contrato para compra da Covaxin em 25 de fevereiro, no
momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a
dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de
"vacina chinesa do João Doria".
Na última sexta-feira (18), a Folha de S.Paulo revelou o teor do
depoimento dado ao MPF pelo servidor, irmão do deputado. Ele apontou pressão
atípica para a importação da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o
inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo Ministério Público
Federal.
A Procuradoria ainda desmembrou e transferiu a investigação sobre a
compra da Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o
Ministério da Saúde e a Precisa.
O valor do contrato da Covaxin é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada uma
das 20 milhões de doses, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas
adquiridas pelo ministério. A pasta afirma que só fará o pagamento quando
receber os lotes.
Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último
dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.
Miranda disse à CNN Brasil que o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), deu aval para expor as suspeitas de irregularidades. "Explode,
cara. Se você tem certeza que tem alguma coisa errada, senta o pau", teria
dito Lira, segundo Miranda.
Em nota, o presidente da Câmara deu uma versão mais amena do diálogo.
"Eu disse a ele que se ele tivesse alguma coisa que é errada,
explicite", afirmou Lira.
A aprovação na Anvisa foi facilitada por uma mudança na legislação que
partiu de emendas a uma medida provisória, como a apresentada pelo deputado
Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Em nota, a assessoria do parlamentar negou interferência e citou
propostas similares de deputados da oposição, como Orlando Silva (PC do B-SP).
Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano deve prestar depoimento à
CPI da Covid na próxima semana. A comissão também pediu a quebra dos sigilos do
empresário.
Os senadores querem apurar se houve irregularidade na compra da vacina.
O contrato foi fechado antes do aval da Anvisa ao imunizante, e por um preço
mais alto que o negociado com a Pfizer, (US$ 10), por exemplo. A Bharat Biotech
fixou preços de US$ 15 a US$ 20 para cada dose exportada de sua vacina.
Maximiano também é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo
registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa,
segundo os dados da Receita.
A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a
entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu.
Ricardo Barros era ministro da Saúde à época.
O irmão do deputado Miranda também depôs neste caso, apontando
irregularidades. A Saúde ainda negocia a devolução da verba. Procurado, o
Palácio do Planalto não se manifestou até a publicação deste texto.
CRONOLOGIA
1ª reunião (20.11)
É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a
aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech.
Comitiva (06.01)
Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da
Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é
Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a
Bharat Biotech.
Carta ao 1º ministro (08.01)
O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi, e afirma que, no programa brasileiro de imunização, estão as
vacinas da Bharat Biotech.
Ofício (18.01)
Ministério envia ofício a presidente da Precisa informando querer dar
início a tratativas comerciais para aquisição de lotes.
Contrato assinado (25.02)
Contrato é assinado entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos
para a aquisição de 20 milhões de doses.
Nova viagem (05.03)
Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do
Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo
Ministério da Saúde.
Pedido rejeitado (31.03)
Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério,
por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável.
No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde
presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das
doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa.
Fim do prazo (06.05)
Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de
doses. Nenhuma dose chegou ao Brasil.
Pedido aprovado (04.06)
Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante
da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil.
Indícios de crime (16.06)
MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para
ofício que cuida de combate à corrupção.
Raio-X
Valor do contrato: R$ 1,61 bilhão
Doses a serem entregues: 20 milhões
Valor individual da dose: US$ 15 (R$ 80,70)
Preço das doses de outras vacinas contratadas:
Sputnik V: R$ 69,36
Coronavac: R$ 58,20
Pfizer: US$ 10 (R$ 56,30)
Janssen: US$ 10 (R$ 56,30)
AstraZeneca/Oxford: US$ 3,16 (R$ 19,87)
Quem é quem
Precisa Medicamentos
Empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no
Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech
Francisco Maximiano
Sócio-administrador da Precisa. É o empresário que foi à Índia para
viabilizar a representação da vacina Covaxin no Brasil. Também se apresentou
como representante de clínicas privadas de vacinação. Maximiano é presidente da
Global Gestão em Saúde
Global Gestão em Saúde
Empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e
indevidos feitos pelo Ministério da Saúde. O valor soma R$ 20 milhões. Segundo
a ação de improbidade, a Global não forneceu medicamentos para doenças raras e,
mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. Segundo o MPF, 14 pacientes
morreram
Alex Lial Marinho
Tenente-coronel do Exército, era do grupo próximo ao general Eduardo
Pazuello no Ministério da Saúde. Indicado por ele ao cargo, Marinho foi
coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Parte da
pressão para importar a Covaxin, apesar da falta de documentos junto à Anvisa,
partiu de Marinho, segundo depoimento de servidor à Procuradoria. O
tenente-coronel foi demitido do ministério no último dia 8
Luis Ricardo Fernandes Miranda
Chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde que relatou ao MPF
em depoimento em 31 de março revelado pela Folha ter sofrido pressão incomum
para assinar o contrato com a Precisa
Luis Claudio Fernandes Miranda
Deputado federal pelo DEM-DF que diz ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin.
FOLHAPRESS
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