O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indica que nos últimos meses do ano passado 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar.
Falta de segurança alimentar também assolou mais da metade dos lares brasileiros em algum nível durante o ano passado.
A pesquisa traz algumas indicações e sugestões de ações a serem tomadas pelas autoridades públicas | Reprodução |
A sondagem inédita estima que 55,2% dos lares
brasileiros, ou o correspondente a 116,8 milhões de pessoas, conviveram com
algum grau de insegurança alimentar no final de 2020 e 9% deles vivenciaram
insegurança alimentar grave, isto é, passaram fome, nos três meses anteriores
ao período de coleta, feita em dezembro de 2020, em 2.180 domicílios. De acordo
com os pesquisadores, o número encontrado de 19 milhões de brasileiros que
passaram fome na pandemia do novo coronavírus é o dobro do que foi registrado em
2009, com o retorno ao nível observado em 2004.
O inquérito foi feito em parceria com a Action Aid
Brasil, Friedrich Ebert Stiftung Brasil (FES Brasil) e Oxfam Brasil, com apoio
do Instituto Ibirapitanga. A coleta de dados ocorreu entre os dias 5 e 24
de dezembro de 2020 nas cinco regiões brasileiras, abrangendo tanto áreas
rurais como urbanas, no período em que o auxílio emergencial concedido pelo
governo federal a 68 milhões de brasileiros, no valor inicial de R$ 600
mensais, havia sido reduzido para R$ 300 ao mês.
Restituição
A pesquisa traz algumas indicações e sugestões de
ações a serem tomadas pelas autoridades públicas. A mais óbvia, segundo
disse hoje (6) à Agência Brasil o presidente da Rede
Penssan, Renato Maluf, é que seja restituído o auxílio emergencial, “pelo menos
com o mesmo valor do ano passado, ou seja, R$ 600”. Maluf disse acreditar que
se a pesquisa fosse feita agora os dados poderiam ser piores. “É
crucial que seja retomado o auxílio emergencial em um valor significativo”. Para
Renato Maluf, o valor que está sendo dado esta semana não pode ser considerado
uma política pública. Os valores variam de R$ 375 (para famílias chefiadas por
mulheres) a R$ 150 (para quem mora sozinho).
Na avaliação do presidente da Rede Penssan, o
quadro revelado pelo inquérito é fruto da pandemia e da falta de políticas que
melhorassem a situação. “É preciso assegurar que a alimentação escolar seja
oferecida no mesmo padrão e com a mesma amplitude de quando as escolas estavam
funcionando regularmente”, sugeriu. Para isso, os governos federal, estaduais e
municipais não devem retroceder no fornecimento da alimentação escolar, como
vem acontecendo em vários lugares, apontou.
Nesse mesmo tópico, disse da necessidade de se
retomar o programa de apoio à aquisição de alimentos da agricultura familiar,
bem como os programas que eram dirigidos ao semiárido do país, em especial às
populações do semiárido nordestino, com a construção de cisternas e outras
iniciativas de apoio àquelas famílias. O estudo deixa claro que os índices de
fome são maiores na área rural do que na urbana. A insegurança alimentar grave
alcançou 12% dos domicílios na área rural, contra 8,5% em área urbana, sendo a
vulnerabilidade maior para quem tem menor acesso à água potável. A proporção de
domicílios classificados em situação de insegurança alimentar grave nas áreas
rurais dobra quando não há disponibilidade adequada de água para a produção de
alimentos, evoluindo de 21,1% para 44,2%.
Rosto à fome
Renato Maluf salientou que o inquérito “dá rosto à
fome”. Por exemplo, os domicílios em que a pessoa responsável é uma mulher
apresentam insegurança alimentar grave, isto é, ocorrência de fome, muito
superior à média nacional. Argumentou que, se essa pessoa responsável for uma
mulher, de cor preta ou parda e de baixa escolaridade, essa insegurança é ainda
maior. “Portanto, a condição feminina, cor da pele e escolaridade são
determinantes da ocorrência da fome nos domicílios."
De acordo com a pesquisa, existe fome em 11,1% dos
domicílios chefiados por mulheres, e outros 15,9% enfrentam insegurança
alimentar moderada. Quando a pessoa de referência é um homem, os números são
menores: a fome atinge 7,7% dos domicílios e outros 7,7% estão na situação de
insegurança alimentar moderada. Pela cor da pele, verificou-se que pessoas
pretas ou pardas enfrentam insegurança alimentar grave em 10,7% dos domicílios.
O percentual é de 7,5% em domicílios de pessoas de raça ou cor da pele branca.
A insegurança alimentar moderada também revela o mesmo desequilíbrio: 13,7%
para pessoas de raça/cor da pele preta ou parda, e 8,9% para pessoas de
raça/cor da pele branca.
No Norte e no Nordeste, a fome atinge 18,1% e 13,8%
dos domicílios, respectivamente, contra menos de 7% nas demais regiões do país,
superando a média de 9% referente a todo o território nacional. Renato Maluf
chamou a atenção para o fato de que, em números absolutos, o total das pessoas
que convivem com a fome no Sudeste é igual ao do Nordeste. “São os mesmos 7
milhões de pessoas. O Sudeste rico tem um número de famintos igual ao do
Nordeste. Só que, percentualmente, é menor como percentagem da população”.
Durante a pandemia, a insegurança alimentar afetou
também os não pobres, com renda familiar per capita (por individuo)
superior a um salário mínimo, constatou a pesquisa. A proporção de domicílios
em situação de insegurança alimentar leve subiu de 20,7%, em 2018, para 34,7%,
dois anos depois, mostrando que a classe média não foi poupada dos efeitos da
pandemia. “Nós estamos falando do trabalho informal, do trabalho precário, do
trabalho mal remunerado. É uma situação de agravamento que não é sinônimo de
fome, mas é sinônimo de alimentação comprometida”.
Na avaliação de Maluf, o Brasil precisa desse tipo
de inquérito sendo feito com agilidade e frequência. Ele pretende propor aos
apoiadores uma nova rodada no segundo semestre deste ano, para poder monitorar
a situação da fome no país e como foi sua evolução.
ActionAid
Parceira da Rede Penssan na pesquisa, a ActionAid
alertou para a gravidade dos dados divulgados e para a urgência da
implementação imediata de medidas essenciais para a superação da fome no país.
O analista de Políticas e Programas da organização não governamental (ONG),
Francisco Menezes, sublinhou que foi revelado um processo de intensa aceleração
da fome, com crescimento que passa a ser de 27,6% ao ano, entre 2018 e 2020,
contra 8% ao ano, entre 2013 e 2018. “Chegamos ao final de 2020 com 19 milhões
de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, mas podemos supor que
agora no primeiro trimestre deste ano a situação já piorou ainda mais. É
urgente conter essa escalada. Não se pode naturalizar essa questão como uma
fatalidade sobre a qual não se pode intervir”, afirmou.
Francisco Menezes reiterou que existe uma
emergência que exige ações imediatas dos poderes públicos, com igual
engajamento da sociedade. Mencionou ainda que após avanços significativos
em 2004, 2009 e 2013, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) referente a 2018 já revelava um veloz retrocesso, quando 10,3 milhões de
pessoas passavam fome no país.
Ministério
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério
da Cidadania informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o
governo federal tem trabalhado “sistematicamente” para fortalecer os programas
sociais e estabelecer uma rede de proteção para a população mais vulnerável.
Somente em 2020, foram investidos mais de R$ 365 bilhões em políticas
socioassistenciais, que vão da primeira infância à terceira idade, executadas
pela pasta. Iniciativas como o Programa Bolsa Família (PBF), o Benefício de
Prestação Continuada (BPC) e o Auxílio Emergencial reduziram em 80% a extrema
pobreza no Brasil, segundo o ministério.
Revelou, também, que o governo central estima
alcançar cerca de 40 milhões de famílias com o auxílio emergencial neste ano.
“É compromisso desta gestão atender ao maior número de cidadãos, assegurando
uma renda mínima para essa parcela da população, ao mesmo tempo em que, com responsabilidade
fiscal, respeita-se o limite orçamentário estabelecido pela Emenda
Constitucional n.º 109/2021, no valor de R$ 44 bilhões”, disse a nota.
Em 2020, foram apoiados diretamente pelo auxílio
emergencial 68,2 milhões de famílias, ou o equivalente a 118,7 milhões de
pessoas, o que representa 56,1% da população brasileira. O investimento
efetuado entre abril e dezembro de 2020 alcançou R$ 295 bilhões. “Trata-se do
maior benefício já criado no Brasil, o equivalente a mais de dez anos
de investimento no Bolsa Família”, apontou o ministério.
Visando reduzir os impactos econômicos da covid-19,
o ministério estruturou ainda um sistema para doação de cestas de alimentos a
famílias vulneráveis e residentes em locais em situação de emergência ou estado
de calamidade pública, no âmbito da Ação de Distribuição de Alimentos (ADA). A
primeira ação aconteceu em Aparecida (SP), no último dia 26, quando foi lançado
o projeto Brasil Fraterno, parceria entre o Ministério da Cidadania, o Pátria
Voluntária e a iniciativa privada, por meio do Sistema S, concluiu o órgão
federal.
( Agência Brasil )
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