O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu nesta terça-feira (25) obrigar os partidos a destinarem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos.
Agência BrasilA decisão, no entanto, não vale
para as eleições municipais deste ano. A inovação nas regras eleitorais,
entendeu a maioria dos ministros, ficará para o pleito de 2022.
A corte resolveu também aplicar
regra similar à propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio.
Após o voto do presidente da
Corte, Roberto Barroso, defensor da tese, votaram pela aprovação os ministros
Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão e Sérgio
Banhos.
Tarcísio Vieira de Carvalho foi o
único a discordar da tese por entender que a matéria compete ao Congresso
Nacional, onde projeto com esta finalidade já tramita.
"É um momento importante na
vida do tribunal e do país. Há momentos da vida em que cada um precisa escolher
de que lado da história precisa estar", disse Barroso.
"Hoje o TSE afirmou que
estamos do lado dos que combatem o racismo, dos que querem escrever a história
do Brasil com tintas de todas as cores."
O julgamento havia sido
interrompido na semana passada com um pedido de vista do ministro Og Fernandes
e a análise foi retomada nesta terça.
"Negar à população negra
iguais condições aos recursos do fundo partidário e ao direito de antena é
inviabilizar a democracia participativa e plural em sua plenitude",
afirmou Og.
Ao defender a atuação do tribunal,
Og afirmou que o Legislativo se omite na discussão de medidas em defesa de
populações vulneráveis, incluindo a seara eleitoral.
O ministro, no entanto,
manifestou uma preocupação em se implementar mudanças às vésperas das eleições
municipais deste ano, marcadas para novembro.
Concordando com a criação de cota
financeira para candidaturas de pessoas negras, Luís Felipe Salomão
compartilhou da preocupação de Og e defendeu a aplicação do novo dispositivo
somente a partir das eleições de 2022 em nome da segurança jurídica.
"A alteração dos critérios
no atual estágio tem o potencial de produzir ruídos indesejáveis na
distribuição desses valores, causando insegurança jurídica", afirmou.
Ele, no entanto, reconheceu que o
TSE toma uma decisão histórica.
"A distribuição igualitária
dos recursos de campanha e do tempo de propaganda, na exata proporção de
candidaturas lançadas, representa decisivo passo para amainar a histórica
desigualdade de condições entre negros e brancos vivenciada em nosso
país", afirmou Salomão.
No fim, por 4 votos a 3,
prevaleceu o entendimento de que a nova regra deve valer apenas em 2022, o que
frustrou Barroso, defensor da implementação imediata.
"Não deixa de ser uma
frustração postergarmos uma situação que a maioria formada considera injusta.
Esse adiamento dos efeitos da decisão não diminui a importância do que estamos
fazendo aqui", afirmou o presidente do TSE.
O tribunal analisou o assunto a
partir de uma consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
A congressista solicitou ao TSE a
aplicação aos negros do mesmo entendimento segundo o qual o STF (Supremo
Tribunal Federal) obrigou os partidos a investirem ao menos 30% do fundo
público eleitoral em candidaturas femininas.
Quando votou na semana passada, o
ministro Alexandre Moraes defendeu que fosse estabelecido um patamar mínimo de
investimento para candidatos negros já em 2020.
Disse que a regra de transição é
necessária para evitar que uma eventual fixação de cota financeira para
concorrentes negros não tenha um efeito contrário.
A ideia é que as siglas usem um
montante financeiro equivalente à quantidade de concorrentes negros no pleito
municipal anterior.
Segundo Moraes, a proposta de
Barroso poderia levar os partidos a não inscrever nenhum negro a fim de evitar
a divisão do recurso eleitoral.
O ministro disse que a fixação de
cota financeira assegura direitos fundamentais a grupos historicamente
vulneráveis e não "se trata de atuação substitutiva ao Congresso Nacional
com a fixação de uma política de ação afirmativa genérica".
Moraes sustentou que a regra
imposta pelo TSE é adequada para a integração efetiva de negros em espaços de
poder. Ele disse ainda que o cenário aponta para a perpetuação do quadro atual.
"Não tenho dúvidas de que a
sub-representação das pessoas negras nos Poderes eleitos, ao mesmo tempo que é
derivada do racismo estrutural existente no Brasil, acaba sendo um dos
principais instrumentos de perpetuação da gravíssima desigualdade. Trata-se de
um círculo extremamente vicioso."
Moraes ressaltou que os dados do
TSE mostram que, em 2016, 49% dos candidatos homens eram negros, mas o grupo
recebeu apenas 26% da verba eleitoral.
Sem uma regra de transição,
destacou o ministro, os partidos poderiam reduzir a inscrição de negros ou
mesmo registrar apenas concorrentes brancos.
Nesta segunda-feira (24), a
reportagem ouviu especialistas em políticas de afirmação que defenderam a
atuação do TSE na análise do tema.
Para o sociólogo Luiz Augusto
Campos, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), as cortes
superiores têm promovido avanços importantes.
De acordo com ele, a distribuição
desigual de financiamento é um dos gargalos para a eleição de mais negros e
pardos no país. "A decisão do TSE pode ser de grande impacto na
sub-representação política de pretos e pardos."
O advogado Thiago Amparo,
professor de políticas de diversidade na FGV Direito SP, afirmou que a análise
do assunto pelo TSE é também um incentivo a que Congresso se mova, podendo
tomar a dianteira em discussões como a paridade de assentos no Legislativo, a
exemplo do que já fizeram países da América do Sul como Colômbia e Bolívia.
Embora representem pouco mais da
metade da população do país, segundo o IBGE, os negros (pardos e pretos) seguem
sub-representados nos mandatos eletivos.
Nas eleições municipais de 2016,
levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo mostrou que as candidaturas
negras para vereador somavam 48% dentre os mais de 437 mil aptos na disputa.
Entre os eleitos, esse percentual caiu para 42%. Entre os pretos, apenas 5%.
FOLHAPRESS
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