O dia seguinte da divulgação de que autoridades municipais de Shenzhen, na China, teriam encontrado traços de coronavírus em uma embalagem de carne de frango importada do Brasil foi marcado por questionamentos do setor exportador brasileiro sobre as razões por trás da divulgação da notícia.
Embora a China não deva anunciar embargo à carne do Brasil - seu principal fornecedor de proteína animal -, a divulgação já prejudicou o produto nacional. Segundo fontes, a divulgação pode ter motivos políticos e comerciais.
Mesmo com especialistas de todo
mundo insistindo que a chance de transmissão do coronavírus por alimentos é
muito remota, as Filipinas anunciaram ontem suspensão temporária do recebimento
de carne de frango do Brasil. O País hoje fornece cerca de 20% de todo o
consumo dessa proteína ao país.
À medida que a notícia se espalha,
o País corre riscos de mais prejuízos, segundo o presidente da Associação
Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.
Isso porque os principais clientes
do frango brasileiro ficam na Ásia e no Oriente Médio. De janeiro a julho de
2020, a exportação do produto somou US$ 4,1 bilhões, alta de 11% em relação ao
mesmo período de 2019.
Aproximação com os EUA
Para Castro, há a chance de o
Brasil estar sendo usado pela China para fazer um aceno aos Estados Unidos em
um momento difícil da relação entre as duas potências. "A China quis
cutucar o Brasil para preservar os Estados Unidos, em um momento difícil da
relação.
Estão fazendo a política de boa
vizinhança, com fundo comercial", disse. Ele criticou a posição
"passiva" do Brasil em relação à China e afirmou que é necessário que
o País defenda seus interesses em questões comerciais.
O presidente do conselho da BRF,
Pedro Parente, também tocou na questão dos interesses chineses na tarde de
quinta-feira, durante evento em São Paulo. Parente disse que, embora o País
precise manter "excelentes relações" com seu principal cliente de
proteína animal, a notícia sobre o frango brasileiro "tem uma conotação
comercial".
"Sabemos é que, por uma
questão de reincidência de covid-19 na China, era necessário encontrar (.. )
uma desculpa para explicar um fato sem que ele fosse de responsabilidade
interna", frisou o executivo.
A ministra da Agricultura, Tereza
Cristina, afirmou ontem que ainda aguarda mais informações da China sobre o
caso - reiterando que a situação ainda não foi confirmada oficialmente. No
entanto, o governo pretende mandar um recado forte ao mercado ao reagir à ação
das Filipinas.
A Associação Brasileira de
Proteína Animal (ABPA) ressaltou ontem que a barreira filipina ao frango
brasileiro não segue nenhum critério técnico ou sanitário - baseia-se apenas na
notícia veiculada pela China.
Contaminação
O consultor da Sociedade
Brasileira de Infectologia, Marcelo Otsuka, lembrou que, por se tratar de um
alimento industrializado, é difícil que o frango exportado estivesse
contaminado.
A questão da presença do vírus é
muito questionável, porque seria preciso que ele se mantivesse viável por 40
dias, considerando o período em que saiu do Brasil até chegar na China. O mais
provável é que a presença do vírus tenha se dado pela manipulação do produto
lá."
O que a China avalia não é a
presença do vírus, mas material genético do vírus. "Há uma diferença aí. É
um rastro, significa que o vírus esteve lá. Pode inclusive ser o material
genético de um vírus morto. Mesmo que estivesse vivo, não sei se haveria uma
quantidade suficiente para causar uma infecção", disse.
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