Parte dos beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600 poderá ter de
devolver os valores ao governo, de acordo com uma regra sancionada pelo presidente
Jair Bolsonaro (sem partido).
Uma alteração na lei que institui o benefício, feita em 14 de maio,
estipula que os beneficiários que receberem neste ano rendimentos tributáveis
acima do limite de isenção do IR (imposto de renda) deverão acrescentar nas
declarações o valor do auxílio emergencial ao imposto devido. A regra vale para
o beneficiário e para seus dependentes.
O beneficiário que se enquadrar na situação "fica obrigado a
apresentar a declaração de ajuste anual relativa ao exercício de 2021 e deverá
acrescentar ao imposto devido o valor do auxílio recebido", segundo o
texto da norma.
Se a tabela do IR se manter para o ano que vem, todos os que recebem os
R$ 600 e tiveram ao longo de 2020 renda tributável acima de R$ 22.847,76 serão
atingidos pela medida. A última alteração da tabela foi feita em 2017.
Para advogados consultados pela reportagem, no entanto, há controvérsia
sobre a aplicabilidade da nova regra nos casos de quem teria recebido a
primeira parcela do benefício antes de 14 de maio, data em que Bolsonaro
sancionou a mudança da lei.
"O texto da lei diz que a norma só entra em vigor a partir da data
de publicação. Com isso, é possível interpretar que somente o benefício pago
depois disso pode compor a base de cálculo do imposto. A primeira parcela paga
antes disso seria não tributável", diz Fernando Scaff, professor da
Faculdade de Direito da USP.
Nesse caso, o imposto incidiria sobre os dois pagamentos restantes, um
total de R$ 1.200. A primeira parcela começou a ser paga pelo governo federal
em 9 de abril.
O contribuinte que havia solicitado e obtido aprovação do auxílio
emergencial antes da mudança da lei pode alegar na Justiça que a norma não deve
se aplicar ao seu caso, segundo o tributarista Rodrigo Prado Gonçalves, sócio
do escritório Felsberg.
"A mudança da lei vale a partir de 14 de maio. A pessoa pode
afirmar que, quando solicitou o benefício, essa regra não existia", diz
Gonçalves.
"Em termos práticos, o próprio sistema da Receita vai saber se o
contribuinte recebeu o auxílio. Se ele não declarar, provavelmente cairá na
malha fina. Se entender que seu caso é o de não se sujeitar à devolução dos
valores, precisará entrar na Justiça antes de declarar o IR, ou ao ser cobrado
pela Receita", afirma.
Para Thais Françoso, professora do Insper e sócia do escritório FF
Advogados, a norma vale para todas as parcelas do auxílio emergencial,
inclusive quando a primeira parcela foi paga antes de 14 de maio.
"O entendimento da Receita Federal deverá ser de que o auxílio é um
rendimento que deve ser somado aos demais para eventual cálculo do IR. O texto
da lei não traz isenção para o rendimento concedido entre 9 de abril e 14 de
maio", afirma ela.
A lei que criou o auxílio emergencial já estipulava entre os critérios
para requisição do benefício que o solicitante não tivesse recebido rendimentos
tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018.
"Pessoas que há dois anos tinham renda, mas hoje estão
desamparadas, não podem receber. O texto aprovado no Congresso acabava com esse
critério, mas obrigava a devolução do valor se o cidadão terminasse 2020 com
renda acima do limite de isenção do IR. O governo vetou parte do texto e
manteve a exigência inicial", diz Leonardo Magalhães Avelar, sócio do
Cascione.
Segundo Avelar, quem omitir seus rendimentos para evitar ter de devolver
os valores recebidos pode incidir em crime contra a ordem tributária que tem
pena de até cinco anos de prisão.
Atualmente, 57,3 milhões de pessoas já receberam o auxílio, segundo
dados da Caixa Econômica Federal. Até esta quarta-feira (27), já haviam sido
feitos pagamentos de R$ 72,7 bilhões aos beneficiários.
Pelas regras atuais, podem solicitar o auxílio à Caixa os desempregados
maiores de 18 anos que não recebam benefício previdenciário ou assistencial,
seguro-desemprego ou de outro programa de transferência de renda federal que
não seja o Bolsa Família.
A renda familiar mensal do solicitante precisa ser de até R$ 522,50 por
pessoa ou de até três salários mínimos (R$ 3.135,00) ao todo.
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