Maria Luiza da Silva,
22, teve o cadastro do auxílio emergencial do governo federal negado. A
cuidadora de idosos, que ficou desempregada com a chegada do coronavírus ao
país, afirma que o ex-companheiro usou o CPF dos filhos do casal para solicitar
o benefício. Mas é ela quem, sozinha, cria as duas crianças e esperava receber
os R$ 1.200 para pagar o aluguel e pôr comida na mesa.
Reprodução |
A história se repete
com várias outras mulheres ouvidas pela reportagem.
No fim de março, o
Congresso aprovou a lei que garante o benefício de R$ 600 a trabalhadores
informais e o dobro do valor a mães responsáveis pelo sustento da casa.
No dia 22 de abril,
os parlamentares aprovaram um novo texto para estender o auxílio a chefes de
família solteiros, independentemente do sexo, passando a incluir pais solo e
mães adolescentes. Essa proposta ainda precisa de sanção presidencial para começar
a valer.
Mas, antes de entrar
em vigor, pais têm tentado incluir os filhos nos seus cadastros –mesmo que não
tenham a guarda ou não sejam eles os principais responsáveis pela criação.
Maria Luiza recebeu a
resposta de bate-pronto quando fez o cadastro: "Os CPFs [Cadastro de
Pessoa Física] já estão vinculados a uma composição familiar. Verifique se
alguém da sua família solicitou o auxílio emergencial".
"Perguntei e ele
disse que cadastrou porque achou que não ia dar problema", conta ela, que
recebia R$ 1.400 mensais informalmente como cuidadora de um idoso e acabou
dispensada na quarentena sem nenhum direito.
"Fiquei
indignada, ele mal ajuda, me deve duas pensões e fez isso. Fiquei com raiva,
chorei, porque estou precisando, né?", desabafa. A mãe e os filhos de 1 e
2 anos contam com a ajuda de amigos e da família para não faltar alimento.
Preocupada com os R$
400 do próximo aluguel, Maria Luiza fez um novo cadastro, mas dessa vez só com
o próprio documento, na tentativa de conseguir ao menos metade do valor.
Outra chefe de
família, Fernanda (o nome foi trocado a pedido dela, que tem disputa judicial
com o pai dos filhos), 45, diz que seu pedido ficou em análise de 7 a 23 de
abril. O aviso foi diferente: os dados são inconclusivos.
Na lista dos
possíveis motivos estavam "você marcou que era chefe de família, mas não
informou nenhum membro" ou "você informou alguma pessoa da sua
família com CPF incorreto".
Ela afirma que
preencheu corretamente o cadastro e, quando perguntou ao ex-marido se ele havia
usado o CPF dos três filhos do casal, a resposta foi sim.
"Só que o dele
também não havia sido aprovado. Então, sugeriu que eu colocasse dois filhos e
ele, o outro, para ambos terem direito", conta Fernanda, que registrou
boletim de ocorrência.
"Há dois anos,
as crianças moram só comigo. Ele não paga roupa, alimento, pensão, nada. E
agora me impossibilitou de ter o auxílio", conta a mãe, que, por depender
da venda de produtos que fabrica, viu a renda minguar com a pandemia. Agora,
com os filhos sem aula, ela diz que só consegue trabalhar duas horas por dia.
Fernanda já viu
faltar alimento e diz estar recebendo ajuda de amigos e vizinhos. "Eles
trazem cesta básica, produto de limpeza. Uma pagou a luz, outra, o gás."
Ela também fez uma última tentativa de cadastro nesta segunda-feira (27), sem
dizer que é chefe de família, para tentar garantir os R$ 600.
Outra mãe que não
quis se identificar conta que o ex-marido já tinha cadastro único e recebia o
Bolsa Família desde 2018, em nome dos dois filhos do casal. Ele havia tirado o
CPF das crianças sem o consentimento dela, que só descobriu quando o auxílio
emergencial lhe foi negado.
Agora, o ex se nega a
compartilhar o número do documento. Ela também fez um registro na polícia.
Ao ver relatos desse
tipo, a advogada Marcela Barretta, especialista em direito público e de
família, decidiu reunir as mulheres que não conseguiram o benefício por causa
do pai das crianças e entrar com uma ação judicial.
Ela afirma ter sido
procurada, em poucos dias, por centenas de mães solo que tiveram o auxílio
negado por inconsistências no CPF dos filhos -grande parte delas afirma que foi
o ex-companheiro que usou o número; algumas contam que outro familiar fez uso
indevido.
Para a advogada
Tatiana Naumann, especialista em direito de família, a lei tinha que ter
critérios mais assertivos. "Pai solo é exceção, não regra. E, mesmo nos
casos em que a guarda é compartilhada, na grande maioria das vezes é a mãe quem
cria e, portanto, ela tem mais implicações financeiras e emocionais", afirmou.
Já para André Luiz
Bittencourt, advogado especialista em direito previdenciário, a proposta dos
parlamentares garante o que diz a Constituição, de que todos são iguais perante
à lei.
Quem se sentir
lesado, explica, deve formalizar a denúncia com boletim de ocorrência e fazer
um requerimento ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para que apure a
suposta fraude.
Também é possível
recorrer à Justiça, comprovar quem é o responsável pelas crianças e pedir, em
caráter de urgência, o pagamento para quem faz jus ao benefício.
Procurado para
responder como está atuando em casos de fraude no auxílio emergencial, o
Ministério da Cidadania não respondeu até o momento de publicação deste texto.
0 Comentários