Após uma onda de críticas de especialistas, o Ministério da Economia
decidiu abandonar a ideia proposta pelo ministro Paulo Guedes de que o auxílio
emergencial de R$ 600 só poderia ser liberado após a aprovação de uma emenda
constitucional pelo Congresso. Com a mudança, deve ser destravado o pagamento
do vale (ou voucher) a trabalhadores informais.
Marcos Corrêa/PR |
Embora o projeto que
cria o auxílio tenha sido aprovado pelo Congresso, restando apenas a sanção do
presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Guedes afirmou na terça-feira (31) que
o início dos pagamentos à população ainda teria que esperar a aprovação pelo
Legislativo de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do chamado
"orçamento de guerra".
Segundo ele, a
proposta liberaria a fonte de recursos para que os pagamentos fossem feitos. Técnicos
da pasta alertavam ainda que a medida daria aval ao governo para descumprir a
regra de ouro, norma constitucional que impede o endividamento público para
custear despesas correntes.
A afirmação gerou
atrito dentro e fora do governo, porque a necessidade de aprovação de uma PEC,
de tramitação alongada, atrasaria os pagamentos a pessoas consideradas
vulneráveis. A fala de Guedes foi criticada pelo presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), e por especialistas.
Pressionados, membros
da área econômica mudaram a estratégia. Antes, técnicos continuavam endossando
o discurso de Guedes de que seria necessária a PEC. Agora, relataram à
reportagem que ela não será mais necessária para liberar o auxílio de R$ 600.
Secretarias da pasta
estão trabalhando em ritmo acelerado em busca de uma solução para o impasse. Um
dos elaboradores das medidas afirma que haverá uma solução técnica por meio de
um pedido de abertura de crédito extraordinário ao Congresso que não
desrespeite regras fiscais.
Isso será possível
para cobrir a medida do voucher, mas não para todo o pacote de enfrentamento da
pandemia. A avaliação da pasta é que, como o pacote tem volume expressivo, será
preciso aprovar a PEC do orçamento de guerra, mas não necessariamente agora.
O presidente da
Câmara articula a aprovação do Orçamento de guerra. A ideia é separar o
Orçamento fiscal daquele voltado à crise. Durante a vigência da calamidade
pública, o texto permitirá que o governo não cumpra a regra de ouro e outras
normas fiscais.
Antes mesmo da
decisão, especialistas já contestavam a tese de que seria necessária a PEC.
Entre eles, no entanto, é admitida a ideia de que o instrumento traria mais
segurança jurídica para os técnicos prosseguirem com as medidas.
Felipe Salto,
diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (órgão do Senado), afirma
que após a flexibilização de leis orçamentárias pelo ministro Alexandre de
Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), não há motivo para o ritmo lento das
medidas.
Para ele, embora seja
uma boa ideia ter a PEC para dar maior controle e agilidade à contenção da
crise, a medida não é necessária para financiar o benefício de R$ 600. "O
governo precisa editar uma Medida Provisória de crédito extraordinário, autorizado
em tempos de calamidade pela própria Constituição, e enviar um projeto de lei
para que o Congresso autorize o rompimento da regra de ouro", disse.
O economista afirma
ainda que os eixos centrais do pacote anunciado pelo governo são corretos, mas
a demora para colocar as ações em prática é preocupante. "Em tempos de
crise, cada dia perdido representa milhares de pessoas que ficam sem o mínimo
necessário para sobreviver", afirmou.
Vinícius Amaral,
consultor de Orçamentos do Senado, diz que é possível liberar o auxílio sem
desrespeitar regras fiscais. Segundo ele, o governo pode usar seu superávit
financeiro, recursos acumulados ao longo do tempo, para abrir novos créditos.
Isso poderia ser feito sem a necessidade de emissão de dívida, evitando
descumprimento da regra de ouro neste momento.
"Além disso, a
regra de ouro só é apurada no fim do exercício, não existe descumprimento no
meio do ano", afirmou. "Colocar uma PEC para liberar o auxílio não
faz muito sentido. Parece um nível descabido de interpretação jurídica".
No TCU (Tribunal de
Contas da União), a tese de que seria necessária uma PEC também é contestada. O
ministro Bruno Dantas, relator das contas do governo de 2019, afirmou que seria
grave usar o argumento do estouro da regra de ouro para a demora.
"Usar a regra de
ouro - escrita na Constituição para tempos de normalidade - como pretexto para
atrasar a destinação emergencial de renda mínima já aprovada pelo Congresso de
R$ 600 a idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores informais não é
simples omissão. É ação. E grave", afirmou no Twitter.
O economista Marcos
Mendes, que integrou a equipe econômica na gestão de Henrique Meirelles e é
colunista da Folha de S. Paulo, afirma que o governo poderia buscar
alternativas à PEC. Mas, em sua visão, é o instrumento que daria mais segurança
jurídica às decisões.
Um pedido de
flexibilização ao STF, por exemplo, precisaria ser julgada em colegiado.
"É importante que não seja uma liminar monocrática. Essas liminares caem
e, depois de passada a crise, servidores públicos que assinaram as medidas são
processados pelo TCU", afirmou.
Isso, lembra,
aconteceu na crise de 2009, com servidores sendo processados por terem liberado
emissão de títulos e despesas mesmo com base em lei aprovada no Congresso e
parecer da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) dando respaldo
jurídico. Por isso, ele vê como importante que STF e TCU dessem garantias
expressas de que uma suspensão da regra de ouro não será revista mais adiante.
Ele lembra que ainda
é preciso pensar na execução da medida. "Não adianta nada superar os
óbices legais se não souberem como operacionalizar o pagamento", disse.
ENTENDA O AUXÍLIO EMERGENCIAL
Voucher visa amenizar
o impacto econômico provocado pela crise do novo coronavírus
Qual era a proposta inicial do governo:
- Auxílio mensal de
R$ 200 mensais durante três meses para trabalhadores informais, desempregados e
microempreendedores individuais que integrem família de baixa renda.
- A medida alcançaria
até 20 milhões de pessoas, com custo de R$ 15 bilhões ao Tesouro Nacional
Como ficou:
- R$ 600 ao mês por
benefício
- Valor pode subir a
R$ 1.200 para mulher chefe de família
Quem pode receber:
- Microempreendedores
individuais, contribuintes individuais, desempregados e trabalhadores informais
inscritos no Cadastro Único até 20 de março
- Demais terão que
fazer autodeclaração em plataforma digital
- O auxílio só será
concedido àqueles que tiverem renda mensal per capita de até meio salário
mínimo ou renda familiar até três salários mínimos
Quem não pode receber:
- Pessoas que recebem
aposentadoria, seguro-desemprego ou são beneficiárias de outra ajuda do governo
- Também não pode
fazer parte de programa de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa
Família
Como funciona:
- Até dois membros da
família terão direito ao auxílio
- Se um deles receber
o Bolsa Família, terá de optar pelo mais vantajoso
- Mães solteiras
receberão duas cotas
- O benefício será
pago por três meses
- Estimativa de
beneficiados: 54 milhões de pessoas
Custo ao Tesouro: R$
98 bilhões
Cronograma ainda não
foi oficializado.
Ordem dos pagamentos:
1) Beneficiários do
Bolsa Família devem receber a partir de 16 de abril. Ministério tenta antecipar
para dia 10.
2) Pessoas com dados
no Cadastro Único para programas sociais
3)
Microempreendedores individuais e autônomos que contribuem ao INSS
4) Trabalhadores
informais e desempregados fora da base de dados do governo
Como será feito o repasse:
- bancos federais,
como Caixa Econômica, Banco do Brasil, Basa e BNB
- lotéricas e
Correios também darão suporte
- governo pede para
que pessoas não procurem as agências ainda
- a forma de
distribuição do voucher ainda está em desenvolvimento
- governo trabalha
para que não haja necessidade de deslocamento às agências ou lotéricas
- para as pessoas
fora da base de dados do governo, uma vez feita a autodeclaração, as
informações serão validadas pelo Ministério da Cidadania que, então, vai
liberar o pagamento
- é possível que a
Caixa envie os valores para o banco do declarante sem cobrar tarifa por isso,
como ocorreu no saque do FGTS
Fontes: Ministério da
Cidadania, Congresso Nacional e Ministério da Economia
FOLHAPRESS
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