Diversos
estudos têm demonstrado que a Covid-19 pode causar danos ao coração, levando a
complicações como infartos, miocardites, insuficiência cardíaca, isquemia e
tromboses, condições que podem agravar ainda mais o quadro clínico dos
pacientes.
A maioria dos casos confirmados de Covid-19 e
das mortes pela doença ocorrem em portadores de hipertensão, insuficiência
cardíaca, arritmias, doença coronariana, o que já os tornam mais suscetíveis a
terem complicações cardíacas.
Mas alguns relatos já mostram que, em menor
número, mesmo doentes sem essas condições crônicas prévias podem ser afetados.
"O paciente tem o infarto e, quando você vai
olhar, a coronária é normal. O infarto é secundário à inflamação", diz a
cardiologista Ludhmila Hajjar, médica e professora do InCor (Instituto do
Coração) de São Paulo.
Segundo ela, o dano mais comum ocorre no músculo
cardíaco e nos vasos sanguíneos como resultado da própria inflamação provocada
pela Covid-19.
"Da mesma forma que ela causa pneumonia, a
doença também gera inflamação no coração ou em qualquer artéria do coração e
aumenta a suscetibilidade à arritmias e a problemas no músculo e nos
vasos", afirma Hajjar.
Em pacientes internados em UTI com pneumonia por
Covid-19, alguns estudos mostram que há dano no miocárdio em 7,2% dos
pacientes, choque em 8,7%, arritmia em 16,7% e insuficiência cardíaca em 23%.
A cardiologista Gláucia Moraes de Oliveira, da
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que a inflamação causada
pela Covid-19 ainda propicia um pior efeito das drogas, como cloroquina e
azitromicina associadas, que podem causar arritmias malignas em pacientes
cardiopatas.
Hajjar reforça: "A substância pode ser
segura no paciente do ambulatório, do consultório, mas, quando o paciente já
está bombardeado de inflamação, o coração pode ficar suscetível a efeitos
colaterais numa frequência muito maior do que se ele não tivesse esse processo
inflamatório."
"Os desafios são gigantescos com a Covid-19
porque nos põe todos à prova –paciente, profissionais de saúde, sistemas de
saúde e população em geral", afirma Gláucia de Oliveira.
Para entender a ação do coronavírus no coração,
além dos diversos estudos já andamento em instituições de saúde, a Sociedade
Brasileira de Cardiologia está montando um registro nacional de complicações
cardíacas por coronavírus, que deverá reunir dados de hospitais públicos e
privados.
O cardiologista Marcelo Queiroga, presidente da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que registros são estudos
observacionais úteis para conhecimento científico em um determinado assunto e
podem ser importantes na tomada de decisões a partir de avaliações de desfechos
do "mundo real", somados aos ensaios clínicos randomizados.
"A pandemia da Covid-19 desafia os
pesquisadores. A forma atual de produção do conhecimento científico, alicerçada
na chamada medicina embasada em evidência, foi posta em xeque. Ensaios clínicos
randomizados não oferecem respostas a curto prazo e por vezes são onerosos e
inconclusivos, sem contar o viés de serem, quase sempre, financiados pela
indústria farmacêutica."
Para Queiroga, diante de uma das mais graves
emergências da saúde pública mundial, o ecossistema de produção do conhecimento
científico mostrou-se inócuo em produzir as respostas na velocidade necessária
ao enfrentamento eficiente da doença.
"A esperança, paradoxalmente, volta-se para
uma 'velha' conhecida da comunidade científica: a cloroquina, convertida em
panaceia. Qual evidência para embasar seu uso?", questiona.
Na sua opinião, a melhor alternativa terapêutica
para enfrentar o problema é a assistência médica de qualidade em unidades de
terapia intensiva por equipes multiprofissionais de alto desempenho.
Nesse contexto, segundo ele, registros
multicêntricos podem oferecer respostas mais rápidas e ajudar na tomada da
decisão clínica. As informações, afirma, serão importantes para o conhecimento
científico nacional e também para se juntarem a um registro internacional sobre
o tema.
FOLHAPRESS
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