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'A gente não pode ir ao banheiro, comer nem beber água', diz médica plantonista que atende pacientes com coronavírus em Fortaleza




Madrugadas em claro e o desconforto dos equipamentos de proteção são alguns dos percalços em comum no dia a dia dos trabalhadores da área da saúde que se dedicam ao tratamento de pacientes com Covid-19 no Ceará. Médicos relatam que deixam de ir até ao banheiro e comer devido ao movimento intenso de pacientes com o novo coronavírus nas unidades hospitalares do estado.


O Ceará contabilizou 1.747 casos de Covid-19, até a noite deste domingo (12), de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado. Mais duas mortes foram confirmadas e o número de óbitos pela doença chegou a 85.


Para ajudar a reduzir esse quadro no estado, a médica Mariana Chaves, que tem 12 anos de experiência em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), se voluntariou há três semanas para atender pacientes com o vírus. Mesmo com as jornadas de trabalho cansativas, a endocrinologista e clínica-geral do Instituto Dr. José Frota (IJF) diz que ajudar os pacientes "supera tudo".


Em cerca de 10 dias, o espaço que antes era uma enfermaria comum foi transformado em uma área de atendimento exclusivo para casos confirmados e suspeitos da Covid-19. A rotina da profissional se alterna entre turnos de seis horas, durante o dia, e 12 horas à noite. Cada plantonista, como ela, atende uma média de oito a dez pacientes.


As pausas são exclusivas para o período da madrugada, quando é feito um revezamento. “Nessas horas, a gente pode tirar um pouco o equipamento, porque o material machuca. A máscara tem que ser bem vedada, e como tem uma estrutura de metal, acaba marcando o rosto. O face shield, que é maior, dá muita dor de cabeça, e às vezes são seis horas que a gente não consegue nem se sentar”.


Quando o plantão começa às 19h, Mariana só cede o posto para outro médico às 2h. Um dos maiores desafios se dá com os respiradores, e como administrá-los entre os infectados.


Ela divide os plantões com o marido, que também é médico no IJF. “No plantão, a gente tem pouco contato, mas é bom ter essa presença como apoio, pra compartilhar uma informação ou tirar uma dúvida”, relata Mariana.


Assistência
Mesmo para quem já está acostumado a trabalhar com doenças infecciosas, a Covid-19 representa uma situação inédita. A necessidade de se adaptar também é relatada por Nancy Costa, 50, chefe de enfermagem do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), também em Fortaleza.

“Temos que trabalhar com o temor dos profissionais de saúde, e é a enfermagem que desponta na frente. A enfermagem está o tempo todo com o paciente, desde o momento em que ele chega à instituição até o momento da alta ou do óbito”, afirma.

Os óbitos, segundo ela, carregam um diferencial durante a epidemia. A recomendação é que somente uma hora seja dedicada para o velório, com a urna fechada. O reconhecimento dos corpos por familiares também não deve ser feito, a menos que o parente esteja utilizando todo o equipamento de proteção individual.

“Hoje eu vi uma mãe chorando, querendo reconhecer o corpo do filho. Ela não o via há vários dias, porque não está podendo ter visita. É um contexto extremamente delicado. Eu pensei: ‘a senhora vai ver seu filho’”, conta Nancy.

Para entrar no necrotério, ela vestiu todo o equipamento de proteção obrigatório. A um metro de distância, e utilizando uma máscara com filtro, a mãe pôde ver o rosto do rapaz.

Além da assistência que inclui ministrar medicamentos, a enfermagem oferece o suporte emocional para pacientes que vivenciam uma realidade distinta por conta do isolamento. “Ele fica sozinho em uma enfermaria, com a porta trancada. É uma situação bem diferente do que a gente é acostumado a trabalhar”, explica.

O uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) está sendo otimizado na unidade, e, por isso, são as enfermeiras que levam o alimento dos pacientes, ao invés de profissionais da Nutrição.

“Nesse momento que elas entram, muitas perguntam se os pacientes querem que faça uma oração. Cantam pra eles, contam histórias. Mas depende da situação do paciente. Dizemos para eles que é uma fase, que vai passar, explicamos para que serve cada medicamento”.

14 horas no hospital
Hoje, ela passa de 12 a 14 horas por dia no hospital. No restante do tempo, em casa, fica isolada do marido e da filha, em um quarto. O aniversário de 82 anos do pai de Nancy foi comemorado no dia 26 de março, e ela foi até a casa dele para cantar parabéns do lado de fora do portão. A cena deve se repetir no dia 20 de abril, quando sua mãe completar 76 anos.

“O fato de estar trabalhando na linha de frente é muito desafiador nesse sentido de que também temos família. Não queremos que aconteça nada com nossos parentes. Meu pai é cardiopata, hipertenso, está no grupo de risco. Desde quando começaram os casos no Ceará, eu não fui mais na casa dos meus pais”, lamenta.

‘Valorizar as pequenas coisas’
Quando não está atendendo no hospital, Gregório Fernandes, 38, resolve problemas por telefone em casa, até mesmo de madrugada. O médico intensivista e chefe das UTIs do IJF observa que o dinamismo da situação faz com que tudo tenha que ser resolvido de imediato, sem tempo para prolongar prazos.

Para ele, um dos principais fatores que diferenciam o enfrentamento ao coronavírus dos demais atendimentos é o alto risco de contaminação por parte dos profissionais da saúde, que gera medo entre os que lidam diretamente com os pacientes.

No ponto de vista pessoal, Gregório Fernandes conta que passou a valorizar pequenos atos e situações que antes passavam despercebidas em sua rotina. “Uma refeição entre familiares, colocar as crianças pra dormir, estar ao lado da esposa, conversar dentro de casa, esquecer das redes sociais e valorizar esses pequenos grandes momentos com a família”, revela.

Por Barbara Câmara, G1CE

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