Mais de 130 anos depois
da tardia abolição da escravatura no Brasil, os trabalhos forçados, jornadas
exaustivas e condições degradantes ainda reabrem chagas no país, vitimizando
trabalhadores que buscam, em alguns casos, apenas alimento. No ano passado, sete
trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados no Ceará, nos
municípios de Fortaleza e Russas, de acordo com levantamento do Radar SIT da
Secretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia.
Os resgates foram resultado
de três ações fiscais conduzidas no estado em 2019. No mesmo período, o
Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 12 denúncias e firmou cinco Termos
de Ajustamento de Conduta (TACs) envolvendo o tema. Em 2018, 31 denúncias foram
autuadas, 10 TACs firmados e duas ações ajuizadas.
De acordo com a
procuradora do trabalho responsável pela Coordenadoria de Erradicação do
Trabalho Escravo (CONAETE), Ana Valéria Targino, os TACs servem como uma
estipulação para regularizar o trabalho ofertado por aquele empregador para que
no futuro a situação degradante não volte a se repetir, caso o empregado volte
a trabalhar para ele. “O trabalhador é retirado imediatamente da situação, logo
são feitos os cálculos de salário, FGTS, férias e todos os direitos dele - que
devem ser pagos -. A atuação é tanto repressiva como de prevenção para o
futuro. Nós também propomos indenização por danos morais”, esclarece.
Denúncia
Conforme a procuradora,
a denúncia pode ser feita pelo site do Ministério Público, por ligação ou pessoalmente
na sede do órgão no Estado. “É importante dar o detalhamento da denúncia e da
localização, seja o denunciante anônimo ou não, já que às vezes a ocorrência é
no interior ou em um local mais distante ou isolada”, diz.
O levantamento foi
divulgado após o Encontro Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,
realizado em Brasília na manhã desta terça-feira (28). A data marca o dia
nacional de combate a esse crime, em homenagem aos auditores-fiscais do
Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de
Almeida Gonçalves, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, que foram
assassinados no município de Unaí, em Minas Gerais, no dia 28 de janeiro de
2004. O trio investigava denúncias de trabalho escravo em uma das fazendas do
empresário Norberto Mânica.
De acordo com dados do
Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas,
divulgados pelo Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), do total de
trabalhadores submetidos a trabalho forçado no Brasil entre 2003 e 2018, quase
1.289 eram nascidos no Ceará. O número se traduz em uma média de 37,2 cearenses
resgatados a cada ano.
“Recebemos a denúncia,
vemos a disponibilidade de deslocamento junto com os auditores, PF ou PME e um
membro do Ministério Público, dentro de uma semana já conseguimos nos deslocar,
em média. Nós damos como prioridade o enfrentamento a esse tipo de situação”,
afirma a procuradora Ana.
Segundo ela, há uma
análise da denúncia a partir dos mínimos indícios fornecidos pelo denunciante.
“Verificamos se é um caso da fiscalização móvel ou se é caso de uma
fiscalização de rotina. Esta última vai para um planejamento, já a [denúncia]
que possui características de trabalho análogo à escravidão é tida como
prioridade e caso de fiscalização móvel”, explica.
Perfil das vítimas
De 2003 a 2018, o perfil
mais frequente de trabalhadores em condições análogas à escravidão foi de
homens, com idades entre 18 e 24 anos de idade. Entre os nascidos no Ceará e
resgatados em diferentes estados brasileiros, 38% declararam ser analfabetos, enquanto
outros 39% estudaram até o 5º ano incompleto do Ensino Fundamental.
Quando foram resgatados,
68% dos cearenses desempenhavam atividades agropecuárias em geral. Os demais
segmentos de trabalho em que houve resgate incluem pecuária, venda ambulante e
exploração da carnaúba.
“Em geral, as pessoas
resgatadas estão dentro do mesmo perfil socioeconômico: não possuem muita
escolaridade e o histórico da família é o mesmo. Infelizmente, por questão de
oportunidade ou falta de atenção pública, essas pessoas acabam sendo aliciados
com muita facilidade para trabalhar até por um prato de comida, por exemplo”,
acrescenta a responsável pela Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo
(CONAETE)
Por G1 CE
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