Pessoas que já tiveram dengue têm duas vezes mais chance de desenvolver a forma sintomática da Covid-19. Essa é a conclusão de um estudo feito por pesquisadores da USP, divulgado na última quinta-feira (6) na revista científica Clinical Infectious Diseases.
Conclusão é de estudo conduzido na USP. Pesquisadores analisaram a presença de anticorpos contra os dois vírus em amostras sanguíneas coletadas em um município do Acre.
Pesquisadores do ICB-USP durante inquérito domiciliar em Mâncio Lima, no Acre | Bárbara Prado
As conclusões descritas no artigo se baseiam na análise de amostras
sanguíneas de 1.285 moradores da cidade de Mâncio Lima, no Acre. O trabalho foi
coordenado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Urbano
Ferreira e contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp).
“Nossos resultados evidenciam que as populações mais expostas à dengue,
talvez por fatores sociodemográficos, são justamente as que correm mais risco
de adoecer caso sejam infectadas pelo SARS-CoV-2. Este é um exemplo do que tem
sido chamado de sindemia [interação sinérgica entre duas doenças de modo que
uma agrava os efeitos da outra]: por um lado, a COVID-19 tem atrapalhado os
esforços de controle da dengue, por outro, esta arbovirose parece aumentar o
risco para quem contrai o novo coronavírus”, diz Ferreira.
O professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP tem
realizado estudos no município de Mâncio Lima há sete anos com o objetivo de
combater a malária. Em 2018, deu início a um projeto que prevê a realização de
inquéritos domiciliares a cada seis meses, abrangendo 20% da população local.
Durante as visitas, são aplicados questionários e coletadas amostras de sangue.
No início de 2020, o projeto recebeu um aditivo da FAPESP para que parte dos
esforços de pesquisa fosse direcionada ao monitoramento e à caracterização do
SARS-CoV-2 na região.
“Em setembro do ano passado foi divulgado um estudo de outro grupo
sugerindo que as áreas que registravam muitos casos de dengue eram relativamente
pouco afetadas pela COVID-19. Como nós tínhamos amostras de sangue da população
de Mâncio Lima coletadas antes e após a primeira onda da pandemia, decidimos
usar o material para testar a hipótese de que a infecção prévia pelo vírus da
dengue conferia algum tipo de proteção contra o SARS-CoV-2. Mas o que vimos foi
exatamente o oposto”, relata Ferreira.
Metodologia
Foram incluídas nas análises amostras de sangue coletadas em dois
momentos: novembro de 2019 e novembro de 2020. O material foi submetido a
testes capazes de detectar anticorpos contra os quatro sorotipos da dengue e
também contra o SARS-CoV-2.
Os resultados mostraram que 37% da população avaliada já havia contraído
dengue até novembro de 2019 e 35% haviam sido infectados pelo novo coronavírus
até novembro de 2020. Também foram analisadas as informações clínicas (sintomas
e desfecho) dos voluntários diagnosticados com a COVID-19.
“Por meio de análises estatísticas, concluímos que a infecção prévia
pelo vírus da dengue não altera o risco de um indivíduo ser contaminado pelo
SARS-CoV-2. Por outro lado, ficou claro que quem teve dengue no passado
apresentou mais chance de ter sintomas uma vez infectado pelo novo
coronavírus”, explica Vanessa Nicolete, pós-doutoranda no ICB-USP e primeira
autora do artigo.
Os pesquisadores não sabem precisar as causas do fenômeno descrito no
artigo. É possível que exista uma base biológica – os anticorpos contra o vírus
da dengue estariam favorecendo de algum modo o agravamento da COVID-19 – ou
seja simplesmente uma questão sociodemográfica, relacionada com a existência de
populações mais vulneráveis às duas doenças por características diversas.
“Os resultados evidenciam a importância de reforçar tanto as medidas de
distanciamento social voltadas a conter a disseminação do SARS-CoV-2 como os
esforços para controle do vetor da dengue, pois há duas epidemias ocorrendo ao
mesmo tempo e afetando a mesma população vulnerável. Isso deveria ganhar mais
atenção por parte do governo federal”, avalia Ferreira.
Com informações de Karina Toledo (Agência Fapesp)
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