Os altos números de subnotificação de casos e, em menor grau, de mortos,
devido principalmente à baixa testagem, juntamente com uma curva ascendente de
novas mortes, já colocaram o Brasil como o mais novo epicentro da pandemia do
novo coronavírus.
Isso se dá soma da taxa de contágio ainda ser muito alta, ao baixo
cumprimento da população às medidas de isolamento social e a inabilidade de
gestores públicos de reconhecer a gravidade da situação.
Na terça-feira (19), o Brasil rompeu a marca de mais de mil mortes por
dia por Covid-19. De acordo com o Ministério da Saúde, o país registrou 1.179
novos óbitos em 24 horas. O total chega a 19.951 óbitos por
coronavírus e 291.579 casos confirmados.
O Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo foi quem deu o alerta, no
início do mês.
De acordo com estimativas da equipe coordenada pelo professor Domingos
Alves, o total de infectados por coronavírus no Brasil teria chegado a
1.657.752 (variando entre 1.345.034 e 2.021.177).
Desde então e até o fechamento desta reportagem, esse número já
ultrapassou 3 milhões, segundo a atualização mais recente. Os dados podem
acessados no portal Covid-19 Brasil, que reúne pesquisadores de diversas
universidades brasileiras.
Ou seja, os números chegam a somar 11 vezes mais do que os casos
divulgados pelo Ministério da Saúde e acima do dos Estados Unidos, considerado
oficialmente o atual epicentro da pandemia, onde há cerca de 1,5 milhão de
casos confirmados, segundo a Universidade Johns Hopkins.
"O governo brasileiro perdeu a mão quanto ao controle da pandemia.
O número de casos está crescendo de forma exponencial. Posso afirmar
categoricamente que o Brasil se tornou o polo mais importante de disseminação
do vírus covid-19 do mundo", diz Alves à BBC News Brasil.
"Prevejo um cenário extremamente crítico até o fim deste mês de
maio", acrescenta.
Um dos motivos principais para os altos números dos dados é a baixa
testagem da população. Até agora, o Brasil realizou apenas 3.462 testes por
milhão de habitantes. Para efeitos de comparação, os Estados Unidos realizaram
37.188 testes por milhão de pessoas e a Espanha, o país que mais testou a
população, realizou 64.977 testes por milhão de habitantes, segundo a empresa de
dados Statista.
"Sendo assim, mesmo que haja subnotificação nos Estados Unidos, o
número real de casos por lá poderia até encostar, mas não ultrapassaria o do
Brasil", afirma Alves.
Cenário 'extremamente crítico'
Independentemente das subnotificações, os números oficiais já mostram um
"cenário crítico", diz o especialista. O Brasil está no 83º dia do
surto.
Estudos da Universidade Johns Hopkins mostram que o Brasil já é o
segundo país em número de casos por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas
dos EUA, na comparação dos dados no 83º dia do surto. A confirmação do primeiro
caso no Brasil ocorreu apenas no fim de fevereiro, semanas depois do que nos
EUA e na Europa.
Hoje, em comparação às mortes por 100 mil habitantes, o país está atrás
dos EUA, Itália, França, Espanha e Reino Unido. Mas pode ultrapassar todos
eles, com exceção dos EUA, nos "próximos dez dias", diz Alves.
Alves fala que, no mesmo período da pandemia, a curva de casos
confirmados e de óbitos de todos esses países já apontava para baixo ou indicava
uma estabilização, enquanto que a do Brasil apenas crescia. Ele lembra ainda
que o país ainda não chegou ao pico.
"Os gestores públicos ainda estão discutindo se decretam lockdown
(confinamento total) ou não. Eles vão ter que se explicar a público quando o
número de pessoas morrendo em casa aumentar exponencialmente. Vamos virar um
Equador", diz Alves, em alusão ao país vizinho, que passou a registrar um
grande número de óbitos em domicílio devido ao colapso do sistema de saúde.
O presidente Jair Bolsonaro, que é crítico ao lockdown, afirma que o
custo econômico de um confinamento nacional seria gigantesco e vem sendo
contrário às tentativas dos governadores de manterem a população dentro de
casa.
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