O Alto Comando do Exército, grupo composto pelos 16 generais quatro estrelas da Força, não tem nenhum "kid preto" pela primeira vez após o grupo de elite assumir protagonismo durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
Nova configuração mostra um cenário diferente do final de 2022, quando quatro generais das Forças Especiais integravam o Alto Comando.
A ausência de militares com
formação nas Forças Especiais é resultado de um conjunto de fatores dos últimos
anos, como o desgaste causado por oficiais dessa área no Executivo e o baixo
número de "kids pretos" para promoção ao último posto da carreira.
A nova configuração do Alto
Comando da Força mostra um cenário diferente do final de 2022, quando quatro
generais das Forças Especiais estavam em funções estratégicas do Exército. Eram
eles os generais Marco Antônio Freire Gomes, Júlio César de Arruda, José
Eduardo Pereira e Estevam Theophilo.
Cinco generais ouvidos pela Folha
afirmaram, sob reserva, que os fatores internos foram mais relevantes que os
externos para que os "kids pretos" ficassem de fora da cúpula do
Exército após dez anos de protagonismo.
Eles destacam, porém, que a ida
massiva desses militares para o governo Bolsonaro —como os generais Luiz
Eduardo Ramos e Mario Fernandes— desgastou a imagem interna dos Forças
Especiais. Ao menos 28 deles assumiram cargos no Executivo de 2019 a 2022.
"Kids pretos" são os
militares formados nos cursos de operações especiais do Exército. Eles compõem
a tropa de elite da Força, treinada para ações de sabotagem e guerra irregular.
O apelido foi dado porque os oficiais dessa área usam uma boina preta como
símbolo.
Eles passam pelos treinamentos
mais exigentes do Exército, com testes físicos extenuantes enquanto sofrem com
falta de alimento. Os treinos envolvem ainda saltos de paraquedas em situações
adversas.
O 1º Batalhão de Ações de
Comandos, o principal dos "kids pretos", tem como lema "máximo
de confusão, morte e destruição na retaguarda profunda do inimigo". O
Exército possui cerca de 2.500 militares instruídos nas Forças Especiais, número
que representa pouco mais de 1% do efetivo do Exército. Suas bases ficam em
Goiânia, Rio de Janeiro e Manaus.
Os "kids pretos" têm
rivalidade histórica com os precursores paraquedistas do Exército, grupo do
qual o comandante do Exército, general Tomás Paiva, faz parte. Os símbolos das
duas especialidades são parecidos, mas os precursores usam a cor vermelha em
vez da preta.
A área de operações especiais foi
criada no Exército na década de 1950, e até o início dos anos 2010 eram poucos
os integrantes das Forças Especiais no Alto Comando. A chegada dos "kids
pretos" à cúpula do Exército se intensificou na última década.
A onda é explicada por alguns
motivos, segundo os generais ouvidos pela Folha. Um deles foi a relevância da
atuação de alguns deles em operações militares internacionais, como no Haiti.
Também ressaltam a coesão do
grupo e dizem que os "kids pretos" no Alto Comando geralmente
escolhiam outros "kids pretos" para serem promovidos, pelo
corporativismo e pela confiança desenvolvida ao longo dos anos.
Os militares formados nos cursos
de Forças Especiais ficaram em evidência após a Polícia Federal identificar a
participação deles em planos para realizar um golpe de Estado após a vitória de
Lula (PT) nas eleições presidenciais de 2022.
Dos 37 indiciados pela Polícia
Federal sob suspeita de participação nos planos golpistas, 12 são "kids
pretos". Outros militares de boinas pretas são investigados em inquéritos
da PF relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023, como o general da
reserva Ridauto Lúcio Fernandes e o coronel da reserva José Placidio dos
Santos.
O principal integrante da Força
Especial indiciado pela Polícia Federal foi o general da reserva Mario
Fernandes. Ele é apontado como o autor de um plano operacional para matar o
Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes,
do STF (Supremo Tribunal Federal).
Mario ocupou até 2020 o cargo de
chefe do Comando de Operações Especiais do Exército. Segundo a investigação da
PF, o general teria arregimentado outros "kids pretos" para executar
os planos golpistas.
Um desses militares foi
identificado pela Polícia Federal como o tenente-coronel Rafael Martins de
Oliveira, lotado no batalhão em Goiânia. Ele e Mario foram presos na última
terça-feira (19).
A Folha apurou que Mario foi
chefe de Oliveira e outros "kids pretos" investigados pelos planos
golpistas. Os dois participaram de reunião no Palácio do Planalto em 6 de
dezembro de 2022, quando o general apresentou ao tenente-coronel o planejamento
de assassinato das autoridades, ainda segundo a investigação.
Autor:Cézar Feitoza/Folhapress
0 Comentários