Evangélicos são historicamente avessos aos chamados jogos de azar. Quando falamos das versões mais contemporâneas da jogatina, contudo, eles não destoam do resto da sociedade.
Aderência a apostas eletrônicas e jogos de azar é similar a da sociedade no geral; a maioria, no entanto, acreditam que bets deveriam ser proibidas.
Facilidade criada pelo celular também pode ser um dos motivos do grande número de apostas | (Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil)
Pesquisa Datafolha mostra que
crentes aderem a bets, jogo do tigrinho e afins numa proporção similar à da
população em geral.
A postura é outra com modalidades
mais tradicionais de jogo. Aqui a taxa de evangélicos que aposta em loterias ou
no jogo do bicho é menor.
Entre os fiéis do
evangelicalismo: 19% têm o costume de jogar na Mega-Sena e outras loterias da
Caixa, 9% tenta a Loteria Federal e há 4% de entusiastas da bolsa de apostas
ilegal com figuras de animais. Entre católicos, o outro grande bloco religioso
do país, os números ficam em 36%, 15% e 10%, respectivamente.
As diferenças entre os dois
grupos encolhem quando falamos de apostas esportivas online (as bets) e
cassinos digitais (tigrinho e companhia): 19% dos adeptos do catolicismo dizem
que já se engajaram em ao menos um dos dois, contra 23% dos evangélicos.
Não dá para dizer que o segundo
contingente cristão é mais receptivo às novas formas de jogo porque esses
números estão dentro da margem de erro da pesquisa.
Católicos são 51% dos 1.935
entrevistados pelo instituto. A margem de erro para esse recorte religioso é de
três pontos percentuais, para mais ou para menos. Já evangélicos respondem por
24% do total, com uma margem mais ampla, de cinco pontos percentuais, por conta
da amostra menor. O restante se divide entre quem tem outras religiões ou os
13% que relatam não ter nenhuma.
A sondagem foi feita nos dias 5 e
6 de novembro, em 113 municípios brasileiros.
Reportagem da Folha de S.Paulo
revelou que bets e caças-níqueis virtuais vêm preocupando pastores, que
observam um aumento nos fiéis adictos em jogos. "Profetizou, jogou,
sacou", mote popular em empresas de aposta, é tido como particularmente cativante
nas igrejas.
Trata-se, afinal, de um público
"acostumado que é a ouvir o verbo profetizar no sentido de 'manifestar
positivamente' que algo aconteça no mundo espiritual", diz Marília de
Camargo Cesar, autora de "Feridos em Nome de Deus" e de um artigo
sobre o tema. "É uma bela jogada de marketing. Nem todos captam a mensagem
dessa maneira, claro, mas os crentes se identificam."
Segundo o Datafolha, entre os que
fazem bets, 20% dos evangélicos apostam todos os dias, contra 14% dos
católicos. Os primeiros desembolsam em média R$ 186 por mês para isso. Os
segundos, R$ 290.
A maioria, nos dois estratos
cristãos, acha que essa forma de jogar deveria ser proibida: 66% dos crentes e
63% dos seguidores do Vaticano.
O instituto diferencia bets
(apostar no placar de uma partida de futebol, por exemplo) de cassinos
digitais, sendo o jogo do tigrinho o mais famoso deles. Estes aí são ainda mais
rejeitados: oito em cada dez entrevistados, sejam eles evangélicos ou católicos,
concordam com o banimento deles. Admitem já tê-los praticado 16% dos crentes e
11% dos católicos.
O gasto médio mensal dos
evangélicos que o fazem é de R$ 337. No segundo grupo, são R$ 517.
Evangélicos são mais suscetíveis
a propaganda em redes sociais: é por elas que 36% têm mais contato com jogos
online, ante 26% dos católicos. Entre crentes, só 17% acham que saem ganhando
quando jogam, impressão que sobe para 28% no outro nicho cristão.
O pastor e teólogo Victor
Fontana, da presbiteriana Comunidade da Vila, aponta algumas hipóteses para
fiéis não rejeitarem bets e cassinos virtuais mais do que a média da população.
Tratar jogos de azar como pecado
é praxe na maioria das denominações evangélicas, daí vermos menos gente do
segmento nas loterias oficiais do Estado ou em atividades clandestinas como o
jogo do bicho -que ainda por cima remete a "algum tipo de malandragem que
a igreja vê mal".
O formato digital é uma categoria
nova e bem mais acessível -não é preciso, por exemplo, ir fisicamente até a
lotérica nem sair de lá com a "prova do crime", o tíquete físico.
Isso, segundo Fontana, pode tornar a modalidade mais palatável para brios
evangélicos -que ainda a repelem em massa, mas não mais do que a sociedade como
um todo.
A "facilidade do
celular", para o cientista político Vinicius do Valle, do Observatório
Evangélico, também é uma mão na roda, o que pode dar mais chances ao evangélico
de, digamos, cair em tentação.
"Não é tão simples jogar nas
loterias via celular", ele exemplifica. "Isso significa que você tem
que entrar numa lotérica, pegar um papelzinho, preencher, enfrentar uma fila do
caixa com pessoas que vão estar te olhando. São vários passos que você tem que
dar numa coisa que é considerada pecado."
Outro componente que Valle
considera é a Teologia da Prosperidade e "essa coisa de Jesus dar uma
bênção imediata na sua vida".
Sobretudo "isso do
'profetiza', do 'vai que agora é sua chance', pode dialogar com a fé da
pessoa", diz. "Se a gente for pegar o milagre de Jesus em que ele
fala para o pescador jogar de novo a rede que virá o peixe", o recurso
pode ser sedutor para o fiel.
"A arquitetura das bets
consegue trazer uma dissociação entre o jogo e o ambiente do pecado",
afirma o cientista político. Como se entrar num cassino, numa lotérica, fosse
um desvio moral mais escancarado. Melhor não.
Autor:Anna Viginia
Balloussier/Folhapress
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