Em ano de eleições municipais, como e por que envolver crianças em um tema tão árido como a política? As respostas a essa pergunta são muitas, e a Agência Brasil conheceu experiências práticas que ajudam a introduzir o assunto junto aos pequenos, mesmo antes da idade mínima para votar (16 anos) no pleito que ocorrerá em outubro em todo o país, com exceção do Distrito Federal.
Eleições na infância | Foto: Tânia Regô|Agência Brasil
Uma dessas experiências
destinada à educação eleitoral é o Projeto Plenarinho, da Câmara dos Deputados,
que completou 20 anos neste mês de agosto. A coordenadora da equipe de Educação
para a Democracia da Escola da Câmara dos Deputados, Corina Castro, explica que
o projeto foi criado para ensinar crianças e adolescentes sobre política e
democracia, “tudo isso de um jeito divertido e fácil de entender”.
“Lá você pode encontrar jogos,
histórias em quadrinhos, vídeos, atividades que mostram como as leis são feitas
e como é que funciona o governo”.
De acordo com ela, os conteúdos
são direcionados tanto para o público de 9 a 12 anos como para professores que
desejem tratar do tema em sala de aula. Entre os projetos, estão o Câmara
Mirim, no qual grupos de crianças criam e votam projetos de lei; e o Eleitor
Mirim, que ensina as crianças a votar em candidatos fictícios.
Para a coordenadora, é
importante que crianças se envolvam com as eleições para entender e exercitar a
cidadania desde cedo.
“A gente trata isso para as
crianças como uma oportunidade de aprender a escolher bem, lembrando que
escolher bem tem a perspectiva, tem o lugar de fala, tem o lugar que essa
pessoa se encontra, o contexto dela. Então, aprender a escolher bem é escolher de
acordo com os interesses da sua comunidade”.
Corina destaca que, como
“cidadãs do futuro”, as crianças devem compreender as escolhas que são feitas
no presente e que vão interferir nesse futuro.
“Muitas coisas que são feitas
hoje não são benéficas para o futuro. É o caso, por exemplo, das mudanças
climáticas, da maneira como a gente vem trabalhando, vem fazendo as coisas,
talvez não seja interessante para o futuro. E as eleições são uma oportunidade
de crescer sabendo que as suas opiniões são importantes e que elas podem fazer
a diferença. Mas não é só a opinião, é entender como foi a experiência para
chegar na opinião”.
Crianças eleitoras
No Rio de Janeiro, o Colégio
Pedro II, instituição federal que conta com 15 campi na capital e Região
Metropolitana, com cerca de 12 mil estudantes da educação infantil ao ensino
médio, trabalha com a prática da eleição em sala de aula desde o quinto ano,
última série da primeira fase do ensino fundamental, que envolve crianças de 10
e 11 anos.
A orientadora pedagógica do
Campus São Cristóvão I, Flávia Assis, explica que cada turma escolhe o seu
representante de classe, que irá, entre outras coisas, participar do Conselho
de Classe (COC) junto com os professores.
“Todo ano tem [essa eleição], e
eles são convidados a se candidatar. Nós conversamos com eles sobre o que
significa essa representação. O que significa lançar-se ao coletivo,
representar um coletivo, porque não é uma questão de falar sobre si mesmo, né?
Em geral, a gente traz alguma literatura que os envolva nesse sentido. Aí abre
o período eleitoral, a gente apresenta o calendário eleitoral, as chapas se
apresentam, fazem as campanhas, apresentam seus programas. E aí tem as
eleições”.
De acordo com ela, as
representações têm autonomia para atuar em conjunto com a turma.
“Tem anos, por exemplo, que os
representantes organizam a formatura. Tem anos que os representantes escrevem
cartas para vir aqui na direção fazer solicitações de melhorias nos aspectos
físicos da escola. Às vezes são temas que envolvem eventos, então varia muito
do engajamento da turma. Mas o que a gente quer com isso é que eles, como um
todo, se sintam como um corpo coletivo e que entendam que os representantes têm
um papel de levar a voz daquele coletivo para fora, então que eles se organizem
politicamente nas suas pautas, essa é a intenção mesmo”.
A eleição é coordenada pelo
Setor de Orientação Educacional e Pedagógica (Seop). A pedagoga Manuela
Monteiro, responsável pelo Seop do Campus São Cristóvão I, explica que todas as
turmas recebem orientação sobre a representação de classe e também o
acompanhamento sobre os momentos de interação dele com os setores do colégio.
“A gente faz uma reunião de
equipe, monta um cronograma, pensando no tempo hábil para cada passo desse
processo de votação, da participação nas assembleias e da atuação dos alunos
representantes no conselho de classe. Cada cronograma é pensado a cada
trimestre, porque, por exemplo, no primeiro trimestre acontece a votação do
aluno representante. Nos outros trimestres, é somente a questão das
assembleias, porque já tem os alunos representantes eleitos”.
A reportagem conversou com
alguns dos candidatos e candidatas. Ana Júlia Diniz Cassiano, de 10 anos, diz
que quer ser representante para ajudar a turma, a professora e organizar o
recreio, além de ter e oportunidade de falar no Conselho de Classe.
“Representante de turma, ele representa a turma toda, os alunos vão dando uma
ideia pro representante e ele leva pro COC.”
Em sua campanha, Conrado Senas,
de 10 anos, diz que pretende colocar mais ordem na turma e evitar conflitos.
“Eu quero resolver o problema de ficar xingando os outros, que não pode falar
palavrão, né? E tem que respeitar os amiguinhos, não pode rabiscar a mesa, não
pode rabiscar a parede. Não fazer besteira, tipo, não sujar banheiro, não ficar
fazendo xixi no chão, porque a tia da limpeza fica muito triste”.
Teodoro Oliveria da Silva
Batista, 10 anos, espera ser eleito para ajudar a turma a manter o foco nos
estudos. “Eu queria ajudar a escola em vários aspectos, mas espero ajudar a
minha turma. A gente tem que ouvir a turma, a gente conversa muito, mas a gente
é muito unido. E eu acho que a gente poderia parar de conversar um pouco e
prestar mais atenção na aula”.
Já Ana Beatriz da Silva, 11
anos, considera que, apesar de a votação ser o meio mais usual de escolha, o
ideal seria chegar a um consenso. “De certa forma, é injusto, eu acho que a
gente deveria conversar, entrar em um consenso conjunto e, se necessário, fazer
uma votação. Porque eu acho que o que vale mesmo é uma união, não quem tiver
mais voto ganha”.
Os pequenos também estão por
dentro das eleições municipais e tem recados importantes para quem vencer a
disputa. “Eu pediria que ele desse uma condição melhor para as pessoas, uma
condição melhor financeira. Porque tem muita gente que não tem uma condição
muito boa e mora em lugares que não tem uma estrutura suficiente para abrigar
as pessoas, perto de esgoto, e quando chove transborda tudo e pode transmitir
doenças para as pessoas. Eu acho que deviam ter melhorias para as favelas do
Rio”, diz Ana Beatriz.
Isabella Nairim Gomes de Souza,
10 anos, concorda com a colega. “Por mim, eu ia deixar os candidatos, os
eleitos, mais humildes, pra ajudar o próximo, ter compaixão”.
Francisco Barcelos Rodrigues,
10 anos, lembra das benfeitorias que ocorrem apenas no momento da campanha. “Lá
onde eu moro, teve um cara lá que começou a ajeitar as ruas há um tempo já. E
ontem ele passou em todas as ruas soltando fogos, com bandeira. Não é certo,
porque deveria ser toda hora, ele está ajeitando tudo agora, mas aí ele só está
querendo voto para ele ganhar a eleição e depois não fazer mais nada”.
Maria Eduarda Rocha Campos, 10
anos, falou das promessas não cumpridas pelos políticos. “Eu acho que tem que
ter um prefeito para colocar ordem e ajeitar as coisas, só que também não
adianta ter um prefeito que promete, promete, promete, faz um monte de
propaganda e não cumpre. Tem que ser um prefeito honesto, que vá cumprir com as
coisas que ele falar, que vai fazer”
Participação desde cedo
A coordenadora do Plenarinho,
Corina Castro, ressalta a importância da participação no processo eleitoral
desde cedo, para entender de pequeno a importância da cidadania e da democracia.
“Mesmo sem votar, elas podem
participar aprendendo, conversando, ajudando na comunidade, apoiando os pais,
praticando cidadania. Trabalho voluntário, por exemplo. E tem muitas
oportunidades nas próprias eleições, né? Algumas organizações aceitam crianças
para entregar panfletos, para participar de atos. Então, é uma forma de
praticar a cidadania. E a gente acha que isso cria uma base forte para as
crianças serem cidadãs ativas, informadas, no futuro e hoje mesmo”.
Outra organização que tem
trabalho voltado para a infância nestas eleições é o Fundo das Nações Unidas
pela Infância (Unicef). A entidade da ONU fez recomendações para a garantia dos
direitos das crianças e dos adolescentes nas cidades brasileiras, em forma de
cartilha para os candidatos, para os jornalistas, para os adolescentes e para
os eleitores.
O coordenador do Programa de
Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil, Mario Volpi, explica que,
dentre todas as demandas que exigem atenção das autoridades e da sociedade no
país, a organização identificou cinco mais urgentes: proteção contra todas as
violências, mudanças climáticas, escolas de qualidade para todos, promoção da
saúde e da nutrição e proteção social.
“Esses cinco temas não podem
esperar, então a gente tentou estabelecer um conjunto de ações que a gente quer
que o município discuta e que os candidatos a prefeito e a vereador digam duas
coisas: o que eles vão fazer e como eles vão fazer. Porque não basta dizer o
que eles vão fazer, é preciso dizer com quanto dinheiro, com que atividades,
com quais profissionais. Como que eles vão fazer para cumprir essas promessas?”
Sobre o envolvimento das
crianças no processo eleitoral, Volpi destaca que a participação delas na
sociedade deve ser progressiva.
Candidatos e candidatas
“Você começa participando,
opinando lá na sua família, na escola, entendendo os problemas para daí, na
adolescência, já começar a participar de algum grupo de discussão dos direitos,
para reivindicar seus direitos, o grêmio estudantil na escola, para aos 16 anos
tirar o título de eleitor e ir votar, escolher os seus candidatos”.
Ele destaca, ainda, a
importância de que crianças e adolescentes sejam envolvidos em conversas sobre
o tema. “Porque elas é que vivem as políticas públicas, né? Elas que estão na escola,
elas que estão lá no centro de saúde sendo atendidas. Então, a voz, a opinião e
a sugestão delas no debate, na sugestão de soluções para as questões que dizem
respeito às suas próprias vidas é essencial. A gente não vai avançar na
consolidação da democracia, no desenvolvimento sustentável, sem participação
das crianças e dos adolescentes”.
Acompanhe na Radioagência
Nacional o podcast Crianças Sabidas sobre as eleições municipais. A produção
original oferece conteúdo jornalístico direcionado ao público infantil. A série
sobre as eleições terá ao todo quatro episódios, publicados sempre às
sextas-feiras. Os dois primeiros já estão no ar. Conteúdo também disponível nos
tocadores de áudio e com tradução em Libras para o YouTube.
Autor:Akemi Nitahara/ Agência
Brasil
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