Há 20 anos, toda obra publicada no Brasil precisa ter pelo menos uma cópia enviada para a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a mais antiga instituição cultural do país. Promulgada em 2004, durante a gestão do cantor e compositor Gilberto Gil como ministro da Cultura, a Lei 10.994 “regulamenta o depósito legal de publicações, na Biblioteca Nacional, objetivando assegurar o registro e a guarda da produção intelectual nacional, além de possibilitar o controle, a elaboração e a divulgação da bibliografia brasileira corrente, bem como a defesa e a preservação da língua e cultura nacionais”.
Biblioteca Nacional recebe, em média, 80 mil publicações por ano.
(Fernando Frazão/ Agência Brasil)
“Um país sem memória não é um
país”, destaca a coordenadora-geral do Centro de Processamento e Preservação da
FBN, responsável pela captação das obras enviadas por meio do Depósito Legal,
Gabriela Ayres. “A Biblioteca Nacional não resguarda apenas a história do
Brasil, mas a história da construção do Brasil”.
Com o Depósito Legal, o espaço
recebe, em média, 80 mil publicações por ano. Algumas áreas de conhecimento
captam mais obras do que outras, assim como também há uma diferença na
quantidade de livros enviados pelas regiões, sobretudo Norte e Nordeste. “Há
uma carência por conta da logística e do custo do envio, mas tentamos sempre
abarcar as grandes áreas e interagir com os editores e autores, promovendo
educação patrimonial sobre a importância de enviar essas publicações para a
Biblioteca Nacional”, explica Ayres.
Segundo os Relatórios de Gestão
disponíveis no site da instituição, em 2023 a fundação recebeu 59.054 obras por
meio do Depósito Legal. Nos últimos dez anos, as menores captações foram em
2020 (35.772) e 2021 (17.671), em razão da pandemia da covid-19.
Quanto aos tipos de livros, o
professor do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal
Fluminense (UFF) e autor do livro A Biblioteca e a Nação: Entre catálogos,
exposições, documentos e memória (2024), Carlos Henrique Juvêncio, esclarece
que são todos aqueles editados no país, incluindo traduções de produções
estrangeiras e documentos oficiais, se reunidos em livros.
“Mesmo se o autor for
estrangeiro, teve um tradutor que, no mínimo, fala nossa língua”, pontua.
“Nesses casos, pode não haver uma produção intelectual no sentido de ser uma
obra brasileira, mas a produção editorial é, assim como o cuidado do tradutor e
a língua. O Depósito Legal mostra as transformações na nossa língua a partir da
produção escrita, então as traduções também são alvo da legislação”,
acrescenta.
Entretanto, o pesquisador
ressalta que a Lei 10.994 ainda é omissa em relação às publicações feitas no
ambiente virtual. “Tem uma brecha que diz ‘toda obra impressa ou em outros
meios’, mas ainda não está regulamentado muito bem como deve ser feito o envio
de obras digitais e como vão ser disponibilizadas ao público”.
Segundo a coordenadora-geral, as
publicações digitais, como os e-books (livros eletrônicos), são geralmente
enviados à FBN armazenados em CD, mas essa questão continua a ser um dos
principais desafios enfrentados pelo Centro de Processamento e Preservação.
“As publicações de periódicos
científicos, por exemplo, saíram totalmente do modelo impresso, de uma revista,
para um modelo de website”, observa. Nesse sentido, em 2020, foi publicada a
Política de Preservação Digital da Biblioteca Nacional (PPDBN), com princípios
para a conservação, gerenciamento e difusão do acervo digital que integra a
BNDigital, criada em 2006.
Além de zelar pelo patrimônio
cultural, literário e musical do país, o Depósito Legal também tem relação com
outra norma brasileira, a Lei 9.610, que regulamenta os direitos autorais no
território nacional. A Lei do Direito Autoral estabelece que quando uma obra
entra em Domínio Público, ou seja, pode ser usada independentemente de
autorização da família ou de herdeiros, após 70 anos da morte do autor, o
Estado passa a ser responsável por zelar pela integridade dela.
“Analisando esse trecho da lei,
que diz que o Estado se torna responsável pela integridade da obra, isso já
remete ao Depósito Legal”, diz Juvêncio.
Na avaliação do professor, com as
duas décadas do Depósito Legal, um assunto que necessita ser debatido é o
cumprimento da legislação. “Temos editoras muito sérias, que cumprem
efetivamente com a norma, mas boa parte delas não”, alerta. Como exemplo, cita
o envio de jornais, com os quais trabalhou até 2010 na Biblioteca Nacional.
Segundo ele, a FBN recebia de todo o Brasil em torno de 124 títulos, uma
produção escassa para a extensão territorial do país.
“Existem várias razões. O tamanho
do nosso país e a dificuldade de envio explicam em parte, mas a lei de fato não
é cumprida. Se ela fosse, a Biblioteca Nacional, que já sofre com falta de
espaço, não teria lugar para mais nada”, afirma.
Lei imperial
Juvêncio explica que a Lei do
Depósito Legal tem origem em uma outra legislação, do início do século 19. Em
1824, uma ordem do então imperador Pedro I exigia que todos os impressores da
Corte, na cidade do Rio de Janeiro, deveriam submeter à Biblioteca Imperial e
Pública da Corte, hoje a Biblioteca Nacional, um exemplar de todas as obras
produzidas. A legislação só seria revista 83 anos depois, quando o Decreto
1.825, de 20 de dezembro de 1907 determinou que “os administradores de
officinas de typographia, lithographia, photographia ou gravura, situadas no
Districto Federal e nos Estados, são obrigados a remeter à Bibliotheca Nacional
do Rio de Janeiro um exemplar de cada obra que executarem”.
Passados quase 100 anos, o
decreto de 1907 foi substituído pela Lei do Depósito Legal e pela Lei
12.192/2010, que “regulamenta o depósito legal de obras musicais na Biblioteca
Nacional, com o intuito de assegurar o registro, a guarda e a divulgação da produção
musical brasileira, bem como a preservação da memória fonográfica nacional”.
“A ideia é que a Biblioteca
Nacional tenha todas as obras editadas e divulgadas no país desde a instituição
do Depósito Legal no século 19 para que ela seja uma fonte de memória e
complete o que se chama de Coleção Memória Nacional, formada por um conjunto de
instituições, como o Arquivo Nacional e o Museu Nacional”, define o professor.
Fonte:Agência Brasil
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