Mais de 120 milhões de pessoas em todo o mundo estão deslocadas à força de suas casas devido a perseguições, conflitos, violência e violação de direitos. Isso representou, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), um aumento de 8% em relação ao ano anterior. Se todas essas pessoas vivessem atualmente em um mesmo território, elas formariam o 12º país mais populoso do mundo.
Conflitos armados e questões climáticas têm contribuído para aumento desse contingente.
Mais de 120 milhões precisam ser deslocadas à força no mundo. | Divulgação/ONG ARRO
Esse número é mais do que o
dobro do que havia há dez anos: em 2014, a Acnur apontava 59 milhões de pessoas
vivendo nessa condição. "Se a cada 10 anos a gente dobrar o total de
pessoas forçadas a se deslocarem, inevitavelmente os recursos já escassos não
darão conta de responder a esse deslocamento", observa Miguel Pachioni,
oficial de comunicação da Acnur, em entrevista à Agência Brasil.
Desse contingente deslocado em
todo o mundo, mais de 43 milhões são refugiados que necessitam de proteção
internacional.
Refugiada, cujo dia é celebrado
hoje (20) em todo o mundo, é a pessoa que foi forçada a deixar seu país de
origem em razão de conflitos, perseguições ou uma grave e generalizada violação
dos seus direitos humanos. São pessoas que não se sentem seguras em seus países
de origem e partem em busca de proteção atravessando fronteiras.
"A pessoa refugiada é
aquela que foi forçada a se deslocar em razão de perseguições associadas à sua
nacionalidade, orientação sexual, religião, opinião política, enfim, diferentes
fatores que fazem com que ela se sinta perseguida. Nesse ato, ela tem que
deixar o seu país de origem para buscar proteção internacional em outra nação.
Então, pelo fato dela atravessar uma fronteira, deixar o seu país de origem e
buscar a condição de refugiada em outro local, em outro país, ela já é
considerada solicitante da condição de refúgio", explica Pachioni.
Essa condição difere da
encontrada por um imigrante porque o refugiado não pode retornar ao seu país de
origem sob risco de sua própria vida. Já um imigrante pode buscar melhores
oportunidades econômicas em outra nação e retornar ao seu país quando quiser.
Crescimento
O número de pessoas deslocadas
tem crescido nos últimos anos porque os conflitos estão mais espalhados pelo
mundo. Além disso, destaca Pachioni, isso também deriva da incapacidade de
soluções para essas crises, principalmente a curto prazo.
"O crescimento que se deu
de 8% na população refugiada entre os anos de 2022 e 2023 vai nos dizer que os
conflitos armados hoje existentes no mundo estão mais distribuídos pelo globo,
ou seja, há mais conflitos e mais emergências humanitárias no mundo e eles
estão se tornando mais duradouros do que no passado. Isso representa, de fato,
uma crise do sistema político global por não conseguir resolver conflitos que
acabam perdurando ao longo de anos", afirma Pachioni, citando como
exemplos as situações enfrentadas por Ucrânia, Iraque, Sudão e Afeganistão.
Outro fator que tem ajudado a
aumentar o número de deslocados no mundo envolve eventos climáticos extremos.
"A questão climática também vem se impondo e fazendo com que pessoas
tenham que deixar os seus locais de origem em razão tanto do contexto das
mudanças climáticas como também do contexto de desastres naturais, que são
concomitantes", enfatiza.
"Até dezembro de 2023,
quase 75% das pessoas deslocadas à força viviam em países de alta ou extrema
exposição a riscos relacionados ao clima. Elas já estavam em um processo muito
fragilizado. E cerca de metade dessas pessoas deslocadas à força vivia em
países onde permanecia exposta a conflitos e a esses mesmos riscos relacionados
ao clima", ressalta.
Para ele, a questão do clima
não é só uma urgência no mundo: ela tem impactado também o sistema de
financiamento das ajudas humanitárias. "Não temos como prever em 2025 que
locais tendem a ter um deslocamento forçado em razão do contexto das mudanças
climáticas. Esse tipo de faro a gente já tem em relação a conflitos armados. O
conflito não acontece da noite para o dia - a gente tem indícios de conjunturas
políticas, em especial, que fazem com que se tenha um entendimento sobre áreas
onde conflitos podem ser iniciados. Mas o mesmo não acontece de forma tão clara
quanto à questão climática", acrescenta.
Refugiados no Brasil
Parte desses 43 milhões de
refugiados tem encontrado no Brasil um lugar de acolhimento. Isso decorre da
Lei de Refúgio brasileira (Lei nº 9.474/1997) ser considerada uma das mais
avançadas no mundo. Quando essas pessoas chegam ao Brasil e têm sua condição de
refugiadas reconhecida pelo governo brasileiro elas não podem ser expulsas, nem
extraditadas para o país onde dizem sofrer a perseguição. "A gente tem uma
legislação muito favorável ao acolhimento e proteção das pessoas que solicitam
a condição de refugiadas aqui", acentua Pachioni.
O governo brasileiro reconheceu
77.193 pessoas como refugiadas em 2023, o maior quantitativo verificado ao
longo de toda história do sistema de refúgio nacional e que representou
variação positiva de 1.232,1%, se comparado a 2022. Ao todo, 143.033 pessoas já
são reconhecidas pelo Brasil como refugiadas.
Segundo o oficial de
comunicação da Acnur, pessoas de 150 nacionalidades diferentes solicitaram a
condição de refúgio no Brasil. "Isso mostra como diversa é a população que
vem ao Brasil em busca de proteção", explica.
Mas embora seja considerado um
país acolhedor, o Brasil ainda necessita melhorar seu processo de integração
local, ressaltou o representante da Acnur.
"O Brasil é acolhedor. Mas
o ponto crucial, a virada de chave necessária [situa-se] no processo de
integração, em fazer com que essas pessoas estejam no Brasil e possam exercer
de forma plena suas atividades para que sejam autossuficientes", observa.
Uma das primeiras barreiras que
o refugiado encontra ao chegar por aqui é a língua. "Tem um dado
importantíssimo: em torno de 69% da população refugiada hoje no mundo situa-se
em país vizinho ao seu. Quando olhamos para a perspectiva do Brasil, uma
primeira barreira que essas pessoas enfrentam é a linguística. Não há lusófonos
entre nossos vizinhos. Então, a barreira linguística é uma barreira inicial
nesse enfrentamento", salienta Pachioni.
Olhar discriminatório
Outras complicações que podem
existir por aqui decorrem do olhar discriminatório de algumas pessoas e da
desinformação sobre o processo de empregabilidade dos refugiados,
principalmente relacionados ao desconhecimento dos departamentos de recursos
humanos das empresas sobre as documentações.
"À medida em que as
pessoas refugiadas - que estão formadas em diferentes áreas de conhecimento e
com seus diferentes idiomas - tenham oportunidades de estar integradas, essas
oportunidades transformam-se também em rentabilidade para a economia local de
onde elas estão inseridas. Então, se a gente pensar que um afegão abrirá o seu
próprio negócio no Brasil, como um negócio de gastronomia, a matéria-prima que
ele consumirá desse negócio é fruto da produção brasileira; o meio de
distribuição desses alimentos também vai ser fruto da distribuição de outros
serviços brasileiros. Se a gente propiciar que essas pessoas, com todas as suas
capacidades, tenham oportunidades, essa será uma virada de chave importante
para fazer com que a sociedade, onde ela está inserida, também se desenvolva
social, econômica e politicamente", afirma.
Todas essas dificuldades,
aponta a Acnur, poderiam ser superadas por meio de uma responsabilidade
compartilhada. "A articulação entre poder público, iniciativa privada e
instituições como, por exemplo, a academia, são fundamentais para que a gente
possa construir ambientes mais favoráveis de integração e desenvolvimento
social e econômico como um todo", opina Pachioni.
Ele acrescenta que "é
preciso que haja uma sinergia em favor do processo de integração dessas
pessoas. E essa sinergia depende dos amplos aspectos sociais que compõem a
nossa sociedade. Eu estou falando aqui, por exemplo, de uma mobilização do
setor privado que esteja mais engajado sobre o potencial de empregabilidade
dessas pessoas e o quanto elas agregam, por exemplo, em inovação e bem-estar
social dentro dos ambientes de trabalho. Estou falando também de políticas públicas
que considerem novamente o potencial que essas pessoas trazem para as suas
formações. Outro ponto relevante é a articulação de políticas públicas voltadas
para essa população", afirma.
Eventos
Para celebrar o Dia Mundial do
Refugiado, comemorado hoje, a Acnur vai promover eventos durante toda a semana.
Com o tema Esperança longe de casa: por um mundo inclusivo com as pessoas
refugiadas, a programação ocorre em várias partes do Brasil. Em Belém, por
exemplo, um seminário com a participação de representantes da Acnur e do
governo brasileiro debaterá os deslocamentos e as mudanças climáticas.
Também hoje, em Boa Vista,
capital de Roraima, atividades serão realizadas no Centro de Sustentabilidade,
envolvendo pessoas refugiadas e migrantes em ações de compostagem,
bioconstrução e horta urbana. No Rio de Janeiro, o evento Rio Refugia será
realizado entre amanhã (21) e sábado (22) celebrando a força e resiliência das
pessoas refugiadas por meio da música, dança e outras manifestações culturais.
Autor:Agência Brasil
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