A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que instituiu sobre jornais a autocensura ao abrir precedente para responsabilizar redações por falas de entrevistados está sendo usada para casos não relacionados. A associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) está mapeando decisões de tribunais de justiça usando a repercussão geral da tese fixada para processos sobre publicação de foto sem autorização, pedido de direito de resposta e erro de informação, por exemplo.
Tribunais aplicam tese do STF para punir jornais.
Entidades temem o cerceamento da liberdade de expressão no Brasil. |
A entidade trabalha com o
conceito de ‘assédio judicial’ para categorizar as ocorrências de empresas
punidas pelo exercício do jornalismo. “O entendimento sobre a priorização à
liberdade de expressão e de imprensa e a aversão ao uso descabido da Justiça para
intimidar a atuação jornalística, a partir desse julgamento, são mensagens
poderosas que a Suprema Corte dá à sociedade e, especialmente, às primeiras e
segundas instâncias do Judiciário, onde são mais frequentes os casos de assédio
judicial”, publicou a associação sobre casos julgados pelo STF em maio deste
ano.
Um dos casos apontados como
controversos foi a condenação de um jornal pela publicação de uma foto em sua
versão eletrônica. O veículo foi condenado a indenizar em R$3 mil uma mulher
que aparece ao lado de outras pessoas com um carrinho de supermercado cheio de
bebidas em uma matéria sobre aventuras amorosas vividas durante a festividade
de carnaval.
O jornal argumentou que a imagem
havia sido enviada por um amigo da própria mulher, que foi personagem na
matéria. A mulher não foi citada na reportagem. Mas o desembargador Heraldo de
Oliveira Silva Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), presidente da seção de
direito privado do tribunal, negou seguimento ao recurso, por entender que a
decisão pela condenação estava em “conformidade” com os posicionamentos
estabelecidos na tese do STF.
“O E. Supremo Tribunal Federal
julgou a questão acima mencionada no regime de repercussão geral, de modo a
impossibilitar a admissão do recurso neste âmbito, nos termos do seguinte
precedente”, afirmou o magistrado.
Entidades temem que o avanço
desse entendimento implique em cerceamento da liberdade de expressão. No STF, o
autor da tese acatada pelo colegiado de magistrados foi o ministro Alexandre de
Moraes.
O entendimento recebeu a
atribuição de repercussão geral, o que significa que será seguido por todas as
instâncias da Justiça. Qualquer juiz ou tribunal pode determinar punições a
veículos de comunicação que exerçam o direito previsto no artigo 13.1 da Constituição,
assim como restabelece a prática da autocensura nas redações intimidadas.
O que determina(va?) a
Constituição:
13.1. Toda pessoa tem direito à
liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de
buscar, receber e difundir informações e ideais de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou
artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
A tese aprovada foi a seguinte:
“A plena proteção constitucional
à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com
responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a
possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção
de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes,
caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois
os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a
proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço
íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Na hipótese de publicação de
entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro,
a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (1) à
época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2)
o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade
dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
(Diário do Poder)
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