Um caso de compra de votos nas eleições ganhou atenção especial do Ministério Público (MP) neste mês. A 23ª Zona Eleitoral do Ceará denunciou, no último dia 13, duas pessoas por supostamente praticar o ilícito em Umirim, nas eleições de 2018. O esquema utilizava alguns dos métodos mais usuais: a oferta de uma certa quantia em dinheiro e o abastecimento de combustível em veículos em troca do voto.
Controle de documentação de eleitores, oferta de cirurgias e de material de construção estão entre as modalidades de compra de votos observadas nas eleições de 2020.
![]() |
Legenda: Dois casos de compra de votos em eleições anteriores viraram alvo de denúncia do MPE neste ano-Foto: Divulgação/TSE |
Em fevereiro deste ano, o órgão
também denunciou um vereador de Ipueiras pela mesma infração, via 40ª Zona
Eleitoral. Na véspera do primeiro turno das eleições de 2020, ele, como
candidato, foi flagrado comprando votos, caso que também virou inquérito na
Polícia Federal (PF).
Mesmo que os procedimentos
formais tenham saído até seis anos depois dos supostos cometimentos dos crimes,
período maior que o dos mandatos que teriam sido beneficiados pela prática,
eles resgatam o alerta sobre compra de votos a poucos meses de um novo pleito,
desta vez municipal. Uma maior incidência desses casos ocorre justamente no
período de campanha, que, neste ano, começa em 16 de agosto.
Diferente do muitos imaginam, a
prática não se limita à distribuição de quantias de dinheiro em troca do voto. Práticas
clientelistas também ganham espaço nesse período, aproveitando-se das lacunas
que mantêm cenários de pobreza e precariedade para se beneficiar politicamente.
“Por que as pessoas resolvem
fazer caridade em anos de eleição, se pobre existe em toda época? Toda época
tem pobre, tem gente precisando de comida, de cesta básica, de tratamento
médico, fazer exame, fazer cirurgia, de dinheiro para comprar gás. Então,
assim, você começa a desconfiar desse tipo de conduta”, explica Emmanuel Girão,
procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do
MPCE.
O Ministério Público tem
realizado capacitações com seus promotores para atuarem na fiscalização e
punição de crimes eleitorais. Neste mês, já houve programação sobre compra de votos
e propaganda eleitoral irregular na pré-campanha. As palestras seguem em junho
e julho. Os próximos temas serão o uso de inteligência artificial nas eleições;
a fiscalização da propaganda eleitoral na internet e redes sociais; e
elegibilidade e inelegibilidades.
“Quem vende o voto, sabe que
nos próximos quatro anos não vão poder exigir muito do seu político, porque se
você deu voto em troca de alguma coisa, de necessidade imediata, então você
abriu mão de um político que vai fazer um trabalho sério, que vai adotar
políticas públicas para atender as necessidades da população”, acrescenta
Emmanuel Girão.
COMO SE COMPRA UM VOTO
O Diário do Nordeste levantou
alguns casos de compra de votos detectados nas eleições municipais de 2020, que
geraram denúncias e outros procedimentos nos anos seguintes, inclusive com o
auxílio da Polícia Federal:
O motorista e ocupantes de uma
caminhonete portavam uma quantia de R$ 4.650 e vários “santinhos”, adesivos de
tamanhos diversos e panfletos de candidatos em Coreaú, quando foram abordados
por policiais. No veículo, ainda foi encontrada uma relação de nomes de
eleitores ao lado de valores a serem, supostamente, pagos em troca de voto. As
pessoas flagradas pelas autoridades publicavam, diariamente, mensagens de apoio
explícito aos postulantes investigados, além de participarem de eventos
associados à campanha;
Um ônibus foi fretado para
transportar eleitores da capital do Rio de Janeiro para o Ceará, a fim de
estabelecer moeda de troca pelo voto em uma chapa majoritária. As investigações
também acessaram relatos de que o então candidato de Varjota à Prefeitura teria
promovido até a instalação e distribuição gratuita de sinal de internet na casa
de eleitores com a mesma finalidade;
Candidatos de Apuiarés e seus
apoiadores teriam realizado a compra e a entrega de medicamentos à população
com a ajuda de uma farmácia para garantir a captação de sufrágio. Os cupons
fiscais apreendidos pelas autoridades estavam acompanhados, em maioria, de
receituário médico, o que permitia a identificação do beneficiário dos
remédios. Além disso, as diligências revelaram a existência de documentos com
anotações constando o controle financeiro, com indícios de distribuição de
valores para compra de votos;
Patrulhas da Polícia Civil
detectaram três pessoas – um pré-candidato a vereador e dois cabos eleitorais –
oferecendo dinheiro e materiais de construção em troca do voto ou da abstenção
no dia decisivo no município de Barro. Em um dos veículos usados para a
prática, foram encontrados três títulos de eleitor e três documentos de
identidade de cidadãos que teriam garantido ao trio as suas ausências dos
locais de votação. Santinhos do candidato e uma quantia de R$ 215, entre outros
objetos, também foram identificados. Além do pagamento em espécie, houve
negociações para abastecimento de veículos. As investigações mostraram que o
candidato estava ciente do esquema em curso, já que tinha acesso aos documentos
dos eleitores contatados, entre outras informações;
Testemunhas relataram, ao longo
do processo, que um candidato a vereador de Mauriti ofertou a realização de um
procedimento cirúrgico em uma criança em troca do voto dos pais, que teriam
ajudado na adesão de dezenas de outros eleitores à empreitada. O postulante
também teria cópias de RG’s, títulos eleitores e comprovantes de residência de
quase 100 pessoas. Em seu aparelho celular, a PF encontrou outras evidências de
negociações com essa finalidade. Em uma das conversas, o candidato disse que
“gastou fortunas e quer saber dos seus votos”;
Operação do MPE com auxílio da
PF colheu material que mostrou a prática de ameaças, propostas de emprego, uso
dos cartões do benefício social e de aumento de salário de servidores públicos
municipais de Catarina em troca de votos, por meio de estratégias ilícitas com
influência política e uso dos recursos do erário municipal.
Nos últimos anos, segundo
relata Girão, tem aumentado a frequência de trocas envolvendo serviços de
saúde, tais como: consultas médicas, realização de exames, realização de
cirurgias, obtenção de atestado médico, tratamentos odontológicos, entre
outros.
Peças de vestimenta, vagas de
emprego ou até ações de abastecimento de água, como a construção de cisternas
ou a entrega de caixa d’água, também são citados como intermédio dessa relação
de compra de votos pelo procurador do MPE..
Quando cometida ou viabilizada
por pessoas com mandato, a prática pode se confundir com o próprio serviço
público. Girão, contudo, aponta que há meios de diferenciar o que é legítimo do
que é conduta irregular.
“O serviço público deve ser
universal e ter regras claras de quem será atendido. [...] Então, por exemplo, o cidadão está em uma
fila de um exame ou de uma cirurgia e tem muita gente na frente dele. Se algum
político consegue que ele tenha esse serviço antes de outras pessoas, consegue
adiantar na fila ou consegue por fora com o intuito de obter o voto, aí isso
caracteriza a compra de voto. Então tem que ser a entrega de um bem ou vantagem
com a finalidade de obter o voto do eleitor”, ilustra.
OS CASOS DE UMIRIM E IPUEIRAS
Sobre Umirim, a denúncia do MP
tem como alvo Maria Aparecida Ângelo e Francisco Claumir Gomes Silva. Ela
chegou a ser presa em flagrante após diligência que encontrou, em sua
residência, uma lista com nomes e títulos eleitorais para a distribuição de
camisas de cor verde, em alusão ao deputado federal Moses Rodrigues (hoje,
União Brasil).
No local, foram apreendidas 14
camisetas na cor verde (todas lisas, sem nenhuma impressão de serigrafia), duas
folhas de papel contendo uma relação de fiscais com os respectivos títulos e
zonas eleitorais e um panfleto da candidata a deputada estadual Bethrose (PP).
Quatro testemunhas foram
ouvidas pelas autoridades e informaram que receberam as camisetas e promessas
de vantagens financeiras por parte de Maria Aparecida e de Claumir. O pagamento
seria em abastecimento de veículo e uma quantia de R$ 50, os quais ambos negam.
A mulher diz que sua função era
apenas distribuir as camisetas, que teriam sido enviadas à sua casa por
Claumir. Este, por sua vez, afirma que foi chamado por Aparecida para organizar
os fiscais da eleição, dias antes do primeiro turno em 2018. É o que diz a
denúncia.
O documento também indica que a
prática era recorrente e coordenada. Exemplo disso é o depoimento de uma
testemunha, que relata o seguinte:
“Que recebia de R$ 20 a R$ 30
de abastecimento de combustível para participar das carreatas; que foi
prometido que iria receber novo abastecimento em sua motocicleta caso o
candidato Moses Rodrigues ganhasse as eleições para participar de nova
carreata; que o abastecimento era no posto de Umirim; que toda carreata tinha
uma pessoa diferente como cabeça”, como Claumir e outros dois nomes que não
viraram alvo da denúncia.
O Diário do Nordeste buscou
Moses Rodrigues e Bethrose, atualmente vice-prefeita de São Gonçalo do
Amarante. Quando houver resposta, a matéria será atualizada.
Já em Ipueiras, o então
candidato (eleito vereador naquele ano) José Rodrigues Lima, conhecido como
“Zezão do Banco”, foi pego oferecendo e prometendo dinheiro em troca de voto na
cidade, como consta no inquérito da Polícia Federal.
A investigação também indica
que, no carro em que o vereador estava, continha material que caracteriza a
compra de votos, como lista de eleitores, valores, quantidade de votos,
adesivos e santinhos da sua campanha política. As listas também relacionavam
cada eleitor a determinada quantia (entre R$ 50 e R$ 300), à quantidade de
votos e a outros objetos ou benefícios, como a cessão de pneus para motos.
Devido à dificuldade em ouvir
testemunhas residentes na zona rural, as investigações se encerraram e, por
isso, o vereador foi denunciado como incurso por duas vezes no crime do artigo
299 do Código Eleitoral, que dispõe sobre compra de votos. Ele também foi
procurado pela reportagem, que aguarda retorno.
ILÍCITO X CRIME E O ABUSO DE
PODER ECONÔMICO
A compra de votos pode atrair
dois tipos de sanções legais. Quando cometida por um postulante a cargo
público, pode gerar efeitos penais, como crime de corrupção eleitoral, e
eleitorais, como captação ilícita do sufrágio. Neste caso, pode acarretar a
cassação do diploma, da candidatura, entre outras ações nessa seara.
Já na primeira situação, tanto
a compra como a venda de votos podem ser punidas com até quatro anos de prisão
e pagamento de multa. A mesma conduta pode receber as duas sanções, se cometida
diretamente pelo candidato.
Além disso, a prática pode ser
enquadrada como abuso de poder econômico, como explica Emmanuel Girão.
“Aquele ilícito da compra de
votos que pode levar à cassação do registro do diploma, a nossa lei diz que só
acontece da data do pedido de registro até a data da eleição. Então fora desse
período, nós temos o crime de compra de votos, porque esse não tem limitação
temporal. Mas como nós não temos o ilícito eleitoral, quando a compra de votos
tem uma certa gravidade, ela caracteriza também o abuso do poder econômico”,
observa.
O procurador ainda lembra da
possibilidade de o Ministério Público propor um acordo de não persecução penal,
dispositivo recente, aprovado no Pacote Anticrime de 2019. Assim, ao invés de
denunciar os responsáveis pelo crime e levar mais uma demanda à Justiça,
cláusulas podem ser negociadas com os envolvidos para que o seu cumprimento reprove
e previna o ilícito.
Para isso, contudo, os alvos do
processo devem admitir formalmente o envolvimento na dinâmica ilícita. Não foi
o que aconteceu, por exemplo, no caso de Umirim. Por isso, a denúncia seguiu e
o promotor responsável, Edilson Júnior, registrou a impossibilidade da
aplicação do acordo.
COMO DENUNCIAR
Mesmo que o momento seja de
pré-campanha, ou seja, sem candidatos oficiais, já é possível fazer denúncias
de irregularidades eleitorais, como compra de votos e outros ilícitos. Para isso,
o cidadão deve baixar o aplicativo Pardal, desenvolvido pela Justiça Eleitoral
e disponibilizado nos sistema iOS ou Android.
Cada denúncia protocolada na plataforma é encaminhada ao Ministério Público Eleitoral para apuração. Ao selecionar o tipo de irregularidade e o estado onde ela foi praticada, o aplicativo encaminha o eleitor ao site adequado.
![]() |
O aplicativo Pardal possibilita a realização de denúncias sobre diversos tipos de irregularidades eleitorais no Brasil-Foto: Reprodução |
No caso do Ceará, o link indicado é o da Ouvidoria do MPCE, onde podem ser feitas manifestações anônimas ou por identificação. O site também pode ser acessado diretamente clicando aqui.clicandoaqui.
Vale destacar que é necessário
ter provas, como fotos, áudios ou vídeos do ilícito relatado. A delação será
tratada como sigilosa pelo sistema, mas, em caso de má-fé, o denunciante poderá
responder pelo ato e ficará sujeito às penalidades cabíveis.
Fonte: DN
0 Comentários