Quem passa pela rotatória das avenidas Raul Barbosa e General Murilo Borges não deixa de reparar nas roupas grandes, tamanhos diversos, pinturas características e um toque de brincadeira nos bonecos expostos na parte de baixo do viaduto. Estes são usados na tradicional Queima de Judas, no Sábado de Aleluia.
Opções de Judas enfileirados próximos ao viaduto da Raul Barbosa (Foto: Aurélio Alves)
Na Capital, os bonecos ganham
tamanhos e formas inusitadas que vão desde personalidades políticas — como Jair
Bolsonaro, Lula, Donald Trump, Nestor Cerveró, Sergio Moro, Michel Temer e
Alexandre de Moraes — até os famosos “caipiras”.
José do Judas, um dos artesãos
que produzem os bonecos, conta que há 23 anos está em sua oficina, localizada
na Murilo Borges, e que como material ele usa tecido, madeira parafusada,
retalhos finos e arame para o corpo e a cabeça é feita de papel machê. Segundo
ele, neste ano o mais vendido é o "Judas" do ex-presidente Bolsonaro.
“A gente faz bonecos de acordo
com o que o cliente pede, faz também com a cara dos políticos, faz os caipiras.
Eu estou aqui desde a semana passada e fico aqui até o sábado de Aleluia”,
relata.
Juan Pedro é outro artesão que
fica no local e todos os anos está por lá produzindo os bonecos do Judas. “A
gente faz bonecos de todos os estilos, fazemos bonecos personalizados, de
acordo com o que o cliente quer. Nós temos vários bonecos encomendados e o que
mais estão saindo são os políticos”, contou.
Os preços dos bonecos são a partir
de R$ 250 e serão comercializados até o fim da tarde do sábado de aleluia.
Mas, afinal, o que é a Malhação
do Judas?
A tradição consiste na queima
do boneco que representa o discípulo Judas Iscariotes, que, segundo a tradição
cristã, teria entregado Jesus Cristo ao sinédrio por 30 moedas de prata —
traição que teria sido selada com um beijo. A malhação do boneco seria uma
forma de “vingança” contra Judas.
Conforme o professor de Direito
Constitucional Comparado da Universidade Federal do Ceará, Emmanuel Furtado
Filho, segundo o folclorista Câmara Cascudo a prática teria origem na península
ibérica, tendo chegado ao Brasil desde o período colonial.
Ele conta ainda que o
folclorista Ernesto Veiga de Oliveira, que tratou do rito em Portugal — onde é
conhecido como “Queima do Judas” —, a personagem e sua queima seriam
originárias da celebração de outro fato, um rito de vegetação, tendo, portanto,
origem em cultos proto-históricos assimilados pelo Cristianismo.
“A associação do rito à Páscoa
cristã teria ocorrido em meados do século XVIII. No Brasil, por exemplo, o rito
da 'Malhação de Judas' associado à Páscoa consta em relato do artista plástico
francês (Jean-Baptiste) Debret (1768–1848), que participou da missão artística
ao Rio de Janeiro, ainda no período de dom João VI”, explica.
Ele conta ainda que existe a
análise de Ático Vilas-Boas. Este enxerga o rito como um resíduo folclórico da
prática da “punição da efígie”. “Essa penalidade era utilizada pelo Tribunal do
Santo Ofício, durante a Inquisição portuguesa. Consistia em queimar em praça
pública a representação de um condenado que tivesse morrido antes da aplicação
da pena”, ensina.
Furtado fala ainda que, no que
diz respeito à simbologia da festa, não é incorreto associá-la a um ritual de
remissão do mal na comunidade, a ideia de um recomeço, de renovação.
“O boneco de Judas seria a
personificação do mal; em suas origens remotas, o boneco seria representado por
uma divindade da vegetação. Por meio do fogo, haveria uma renovação da vida
vegetal, o que poderia ensejar numa boa colheita”, complementa.
Com informações portal O Povo +
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