Desde que foram inauguradas as primeiras penitenciárias federais em 2006, gestores públicos vinculados aos sucessivos governos asseguraram, em diferentes momentos, que tais unidades seriam invioláveis. No entanto, a fuga de dois detentos da penitenciária de Mossoró, no Rio Grande do Norte, na quarta-feira (14), colocou em xeque esses discursos.
Veja o por que e como criaram as penitenciárias de segurança máxima em todo o Brasil.
Penitenciária Federal tem inúmeras atividades, em diferentes momentos. | Divulgação / Governo Federal
Rogério da Silva Mendonça e
Deibson Cabral Nascimento foram os primeiros detentos da história brasileira a
escapar de um desses presídios, considerados de segurança máxima. Uma operação
para recapturá-los mobiliza cerca de 300 agentes federais. A forma como ambos
escaparam está sendo investigada. Um buraco foi encontrado em uma parede, e
suspeita-se que eles tenham usado ferramentas destinados a uma obra interna.
O episódio fez ressoar críticas
de especialistas e pesquisadores, que questionam se esses presídios têm de fato
contribuído para desestruturar o crime organizado. Uma das preocupações gira em
torno do agrupamento dos líderes de facções criminosas nestas unidades, o que
possibilita a ocorrência de novas articulações. O pesquisador Sérgio William
Teixeira chegou a apontar os efeitos desse cenário em tese de doutorado
defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 2018.
"O modelo penitenciário
atual, envolvendo a transferência de presos do sistema estadual para o federal,
sem a adoção das cautelas necessárias, a despeito de toda a estrutura de
segurança e controle que efetivamente possui o Sistema Penitenciário Federal,
tem, de fato, contribuído para a expansão das organizações criminosas, ou ao
menos estimulado, ou favorecido a emergência de novos coletivos organizados de
presos, levando ao que se pode chamar de federalização ou expansão nacional das
gangues prisionais", afirmou Teixeira.
O Ministério da Justiça e da
Segurança Pública rapidamente anunciou uma série de medidas após a fuga:
afastamento da direção da Penitenciária Federal em Mossoró, investimentos na
modernização do sistema de videomonitoramento, mudanças no controle de acesso,
incluindo tecnologia para reconhecimento facial, ampliação dos sistemas de
alarme, construção de muralhas e nomeação de novos policiais penais aprovados
em concurso público. O ministro Ricardo Lewandowski assegurou que o país está
preparado e tem "todas as condições de enfrentar o crime organizado".
Mas o que são exatamente as
penitenciárias federais? Por que foram criadas e como funciona? A criação de um
complexo de presídios federais começou a ganhar forma em 2006, com a
inauguração das unidades de Catanduvas, no Paraná, e Campo Grande, em Mato Grosso
do Sul. No ano seguinte, o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da
Justiça (Depen-MJ), por meio do Decreto 6.061, instituiu a Diretoria do Sistema
Penitenciário Federal. Posteriormente, foi aprovada a Lei Federal 11.671/08,
que trata das regras para transferência e inclusão de presos nas penitenciárias
federais de segurança máxima, bem como estabelece procedimentos que devem
vigorar nestes estabelecimentos penais.
A criação das unidades federais
foi uma resposta do Estado diante do avanço do crime organizado no país.
Conforme fixa a legislação, as penitenciárias devem receber indivíduos que
tenham atuação destacada em organização criminosa envolvida de forma reiterada
em episódios com violência ou grave ameaça. Na prática, foram pensadas para
isolar os líderes de facções e detentos de alta periculosidade. Entre os
criminosos já encaminhados para estas penitenciárias, estão Fernandinho
Beira-Mar, Marcola, Marcinho VP e Nem da Rocinha.
Em 2009, foram inauguradas as
unidades de Mossoró e de Porto Velho. Apenas em 2018, foi concluída a quinta e
última penitenciária, localizada em Brasília. Atualmente, existem no país cinco
presídios federais de segurança máxima. Cada um tem 208 vagas, totalizando
1.040. Segundo os dados públicos mais recentes do sistema penitenciário
brasileiro, referentes ao ciclo entre janeiro e junho de 2023, atualmente há
489 detentos, o que indica uma ocupação abaixo da metade da capacidade. Esse
número também representa 0,0752% dos 649.592 presos em 649.592 celas físicas ou
carceragens em todo o país.
Conforme mostram os dados, nesses
presídios não há superlotação. As 208 vagas são divididas em quatro alas, que
são subdivididas em quatro vivências que comportam no máximo 13 detentos.
Embora compartilhem dependências comuns, cada um deles tem uma cela individual.
Com 7 metros quadrados, as celas têm cama, mesa, assento, pia, vaso sanitário e
um chuveiro que funciona em horários previamente definidos. Não há tomadas, nem
autorização para uso de equipamentos eletrônicos. Os alimentos são servidos em
uma bandeja entregue por uma portinhola. Após a devolução, a bandeja é
inspecionada.
Os detentos passam por revista
minuciosa sempre que saem e entram nas celas. São usados equipamentos de
scanner corporal e de detecção de metais. No percurso até os pátios onde tomam
banho de sol, eles são conduzidos algemados. As visitas também estão submetidas
a regras rígidas. Os visitantes não podem, por exemplo, levar alimentos aos
presos.
Todos os ambientes são
acompanhados por câmeras, das celas às áreas comuns. O Ministério da Justiça e
da Segurança Pública não informou quantas equipamentos registram imagens no
interior das unidades. Quando foi inaugurada a Penitenciária Federal de Mossoró,
informou-se foi divulgado que cerca de 200 câmeras compunham o sistema de
monitoramento em tempo real, 24 horas por dia.
Há pesquisadores de segurança
pública, no entanto, que não creem que esse aparato seja suficiente para
resolver integralmente os problemas de segurança pública do país e ainda veem
violações de direitos associados à criação das penitenciárias federais, como a
detenção em locais distantes das famílias. Estudos indicam que o cumprimento da
pena próximo dos parentes, facilitando as visitas, reduzem a probabilidade de
reincidência no crime.
Outra controvérsia envolve as 14
celas de isolamento em cada unidade federal, destinadas ao cumprimento de
Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), no qual o detento não tem direito a
visita íntima, nem acesso a TV, rádio ou jornal, com direito a apenas duas
horas de banho de sol por dia. Instituído pela Lei Federal 10.792/2003, a
constitucionalidade do RDD chegou a ser alvo de questionamentos da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Organizações de defesa dos direitos humanos também
criticam o regime.
"O rigor no isolamento causa
danos psicológicos irreversíveis, agravando ainda mais os efeitos nocivos dessa
medida. Quando se mantêm os presos ainda mais distantes da sociedade e da
família, rotulados como grandes inimigos da nação, dificultam-se ainda mais as
remotíssimas chances de ressocialização", escreveu o defensor público
federal Gabriel Cesar dos Santos em artigo publicado em 2018.
Autor:Agência Brasil
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