Os ataques de apoiadores de Donald Trump ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos, fizeram o inquérito das milícias digitais ser pensado como uma espécie de anteparo para as investidas golpistas de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil.
A operação ainda apura elos do ex-presidente Jair Bolsonaro nos atos de 8 de janeiro de 2023.
O ex-presidente Jair Bolsonaro. | Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Agora o ex-presidente é colocado
pela investigação como líder de uma organização criminosa que planejou um golpe
de Estado para se manter no poder.
À época dos ataques dos
trumpistas, a investigação no Brasil ainda era chamada de inquérito dos atos
antidemocráticos e caminhava com dificuldade por causa da inação de Augusto
Aras, o procurador-geral da República indicado por Bolsonaro.
Três anos depois, o ministro
Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou apreensão do
passaporte do ex-presidente e buscas contra figuras graúdas das Forças Armadas,
expondo os bastidores da escalada golpista que pretendia manter Bolsonaro na
Presidência mesmo após a derrota nas urnas para Lula (PT).
Até chegar a esse ponto, a
investigação passou por percalços dentro da Polícia Federal e evidenciou
excessos de Moraes, como no caso das buscas contra empresários às vésperas da
eleição de 2022, mas é considerada o inquérito mais robusto dos vários relatados
pelo ministro e que miram Bolsonaro e seus aliados.
Esse inquérito, aliás, é um bom
exemplo sobre a falta de alinhamento entre Aras e Moraes. A situação não tem se
repetido após a posse de Paulo Gonet, indicado por Lula. O atual PGR encampou
todos os pedidos feitos pela PF e que originaram a operação Tempus Veritati,
deflagrada na quinta (8).
A antigo inquérito dos atos
antidemocráticos teve início em abril de 2020 a pedido do próprio Aras, após
Bolsonaro participar de ato em frente ao quartel-general de Brasília que pedia
intervenção militar.
Em junho do ano seguinte, após o
caso começar a avançar em direção a pessoas próximas a Bolsonaro, Aras pediu o
arquivamento do inquérito perante o STF.
Moraes fingiu que não viu o
pedido, deu um drible na PGR e ordenou a abertura de outra investigação, com o
mesmo material angariado na apuração anterior --que passou a ser chamada de
inquéritos das milícias digitais.
Nesse cenário, a então delegada
titular do caso na PF, Denisse Ribeiro, passou a organizar na investigação das
milícias digitais toda a apuração sobre o entorno de Bolsonaro e seus aliados.
No entendimento da delegada, a
organização criminosa alvo da apuração era responsável por todos os eventos da
escalada golpista, que tinha começado em 2020, passado pela campanha de
desinformação durante a pandemia e desembocado nos ataques ao sistema eleitoral
em julho de 2021.
A investigadora, que desde o
início do caso também acompanhava como a inspiração americana do bolsonarismo
se movimentava, identificou um padrão semelhante nos dois países.
Assim como nos EUA, o grupo
político inflava suas bases por meio da disseminação de desinformação, lucrava
financeiramente e politicamente com isso, e --o mais importante-- sinalizava
estar disposto a usar qualquer meio para se manter no poder.
Para se preparar para segurar a
escalda golpista, a delegada passou a enviar todos os casos que Moraes abria
para dentro da investigação, classificando-os como eventos praticadas por uma
mesma organização criminosa que se estabelecia em forma de milícia digital.
Denisse saiu da apuração no
início de 2022 por causa de uma licença e deixou em seu lugar o delegado Fabio
Shor, que manteve o entendimento anterior e avançou na investigações,
principalmente, a partir da quebra do sigilo telemático de Mauro Cid, ex-ajudante
de ordens de Bolsonaro.
Antes de sair, no entanto, a
delegada entregou a Moraes um relatório parcial em que já apontava para
Bolsonaro e tinha elementos sobre a atuação do governo contra as urnas
eletrônicas. A delegada havia investigado a live de 29 de julho de 2021 e o
vazamento do inquérito sobre ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), em 4 de agosto daquele ano.
Foi no caso do vazamento do
inquérito que Mauro Cid, agora delator, teve seu sigilo telemático quebrado,
garantindo à PF acesso a conversas e informações sobre o dia a dia do governo e
do próprio Bolsonaro.
Nos dois casos, estavam as
digitais dos mesmos nomes que agora estão na mira de Moraes pelo planejamento
do golpe após a derrota eleitoral para Lula.
Anderson Torres, então ministro
da Justiça, já era investigado. O general Augusto Heleno, à época chefe do
Gabinete de Segurança Institucional, estava na mira por causa da atuação
irregular da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e os militares começaram
a aparecer como os que levantaram as suspeitas contra as urnas.
Como escreveu a coluna Painel, da
Folha, sobre o relatório da delegada, em fevereiro de 2022 a investigação
apontava que o inquérito das milícias digitais era o "principal anteparo
contra possíveis investidas antidemocráticas dos apoiadores do presidente no
ano eleitoral".
Ao longo de 2022, já sob novo
comando, a investigação foi incluindo ainda mais eventos para serem apurados. A
lista inclui os ataques às urnas, o uso das Forças Armadas para legitimar a
tentativa de tumultuar o pleito e as suspeitas, reveladas pela Folha, de desvio
de dinheiro da ajudância de ordens, entre outros casos.
Alguns deles são investigados em
inquéritos separados, como a atuação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) nas
eleições.
Atualmente, o inquérito das
milícias tem cinco linhas de apuração: ataques virtuais a opositores, ataques
às instituições e às urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, ataques
às vacinas e medidas na pandemia e, por último, o uso de estruturas do Estado
para obtenção de vantagens indevidas.
Com a operação da última quinta,
a PF sinaliza que a investigação sobre a tentativa de golpe caminha para o fim.
Resta agora encerrar o caso sobre as joias e as transações suspeitas no
gabinete da Presidência e indicar qual a participação de Bolsonaro no 8 de
janeiro, a versão brasileira da invasão ao Capitólio.
Autor:FABIO SERAPIÃO E MATHEUS TEIXEIRA/FOLHAPRESS
0 Comentários