O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a discursar no púlpito da Assembleia Geral das Nações Unidas, depois de 14 anos, em discurso que repercutiu entre líderes globais. Em sete oportunidades, o discurso foi interrompido por aplausos da plateia. Nos quatro anos como presidente, o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro (PL), discursou três vezes de forma presencial na ONU e foi aplaudido apenas ao final das falas. Não houve, como com Lula, aplausos a momentos específicos da fala do ex-presidente. Em 2020, participou de forma online, durante a pandemia de Covid-19.
Presidente Lula discursa na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (Foto: Ricardo Stuckert)
Os aplausos a Lula começaram quando ele falou: "O Brasil está de
volta". O presidente até ia prosseguir com a fala quando, após a tradução,
a salva de palmas começou.
"A
esperança, mais uma vez, venceu o medo. Nossa missão é unir o Brasil e
reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre.
O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e
com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta.
Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos
principais desafios globais"
Igualdade racial
O presidente
recebeu aplausos ainda ao falar sobre o compromisso global com os objetivos de
desenvolvimento sustentável e destacou a igualdade racial como compromisso
extra assumido pelo Brasil.
"No
Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de
desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível. Queremos
alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo
oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente"
Amazônia
Outro ponto
que provocou manifestação favorável do público foi quando Lula falou da
Amazônia e a redução do desmatamento.
"Ao
longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi
reduzido em 48%. O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia
está falando por si. Sediamos, há um mês, a Cúpula de Belém, no coração da
Amazônia, e lançamos nova agenda de colaboração entre os países que fazem parte
daquele bioma"
Equidade de gênero
Também houve
aprovação da plateia ao trecho sobre equidade salarial entre homens e mulheres.
"Inspirados
na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de gênero na Carta da
ONU, aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres
e homens no exercício da mesma função"
Julian Assange e os WikiLeaks
Lula se
manifestou em defesa da liberdade de imprensa e de Julian Assange, fundador dos
WikiLeaks, que tornou públicos centenas de milhares de documentos confidenciais
dos Estados Unidos. As revelações incluíam operações militares em Iraque e
Afeganistão. Foi outra das ocasiões em que foi aplaudido.
"É
fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian
Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e
legítima"
Cuba
Outra
manifestação de aprovação á fala de Lula foi quando criticou o embargo
econômico aa Cuba, país governado por regime ditatorial aliado do presidente
brasileiro.
"O
Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o
embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse
país como Estado patrocinador de terrorismo"
Extrema-direita
O sétimo
momento em que Lula foi aplaudido quando falou que o colapso do neoliberalismo
abriu espaço, em muitos lugares, à extrema-direita.
"Em
meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a
política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à
tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo,
conservador e autoritário"
Lula na ONU
No discurso
a líderes mundiais, nesta terça-feira, 19, Lula defendeu que o princípio do
multilateralismo global – que pressupõe igualdade soberana entre as nações –,
vem sendo corroído. Ao abrir o debate geral de chefes de Estado da 78ª
Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Lula defendeu a
necessidade de uma reforma no sistema de governança global.
Desde que
assumiu o mandato, em discursos em diversas instâncias internacionais, Lula vem
defendendo que o modelo atual de governança, criado depois da Segunda Guerra
Mundial, não representa mais a geopolítica do século 21. Para o presidente, é
preciso uma representação adequada de países emergentes em órgãos como o
Conselho de Segurança da ONU. Hoje, esse conselho, com poder de tomar
importantes decisões internacionais, reúne apenas Estados Unidos, Rússia,
China, França e Reino Unido.
“Continuaremos
críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de
reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo
progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da
ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca
de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais
eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior
representatividade e eficácia”, disse Lula.
Para ele,
entidades internacionais mais representativas podem, por exemplo, impor punição
aos países que não cumprirem seus compromissos em questões climáticas. Lula
afirmou que falta vontade política daqueles que governam o mundo para vencer as
desigualdades e destacou que a atuação desigual dos órgãos de financiamento “é
inaceitável”.
“Nas
principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países
têm voz e voto perderam fôlego. Quando as instituições reproduzem as
desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução. No ano passado,
o FMI disponibilizou US$ 160 bilhões em direitos especiais de saque para países
europeus, e apenas US$ 34 bilhões para países africanos. A representação
desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável. Não
corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado
mínimo. As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, disse
Lula.
Comércio
O presidente
criticou ainda o enfraquecimento do sistema multilateral de comércio e disse
que o protecionismo adotado pelos países ricos ganhou força.
“A
Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema
de solução de controvérsias.”
Segundo
Lula, o Brics – bloco de países emergentes ao qual o Brasil faz parte – surgiu
na esteira desse “imobilismo” e constitui uma plataforma estratégica para
promover a cooperação entre esses países. “A ampliação recente do grupo na
Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade
econômica, geográfica e política do século 21.
"Somos
uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo em um contexto
de grave crise do multilateralismo”, disse sobre a inclusão de seis novos
membros no grupo já formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Clima
O combate às
mudanças climáticas também foi destaque no discurso do brasileiro. Lula cobrou
que os países ricos cumpram os compromissos assumidos no âmbito internacional,
como a doação de US$ 100 bilhões ao ano para que países em desenvolvimento
preservem suas florestas e disse que um modelo de desenvolvimento “socialmente
justo e ambientalmente sustentável” é possível.
Neste ano, o
tema do debate da Assembleia Geral da ONU é Reconstruir a confiança e reacender
a solidariedade global: acelerando ações para a Agenda 2030 e seus Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável rumo à paz, prosperidade, ao progresso e à
sustentabilidade para todos.
Nessa sessão
de trabalho, os chefes dos Estados-membros da ONU são convidados a discursar em
uma oportunidade para apontar suas visões e preocupações diante do sistema
multilateral.
Resolução de conflitos
Ainda em seu
discurso, Lula fez uma defesa da paz e disse que os conflitos armados são “uma
afronta à racionalidade humana”. “É perturbador ver que persistem antigas
disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças”, disse.
“A guerra da
Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos
e princípios da Carta da ONU”, acrescentou Lula aos líderes mundiais, entre
eles, o presidente ucraniano.
O brasileiro
citou ainda a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo
palestino”, o risco de um golpe na Guatemala, a persistência da crise
humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da
Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali,
Níger e Sudão.
Lula
reiterou que é preciso criar espaços de diálogo nas instâncias internacionais e
que “investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento”.
“Estabilidade
e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU
nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo. A comunidade internacional
precisa escolher: de um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento
das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das
instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz”, disse.
Cabe ao
governo brasileiro fazer o primeiro discurso da Assembleia Geral das Nações
Unidas, seguido do presidente dos Estados Unidos. Essa tradição vem desde os
princípios da organização, no fim dos anos 1940.
Esta é a
oitava vez que o presidente Lula abre o debate geral dos chefes de Estado. Ao
longo de seus dois mandatos anteriores, ele participou do evento todos os anos
entre 2003 e 2009. Em 2010, foi representado pelo então ministro das Relações
Exteriores e atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim.
Com
informações portal O Povo +
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