Múltiplos fatores provocaram a morte da primeira pessoa no mundo a receber o transplante de um coração de porco geneticamente modificado. Além disso, vírus suínos detectados no órgão não se espalharam para outras partes do corpo do paciente. A conclusão consta de um estudo, publicado no último dia 29 na revista The Lancet, feito pela equipe médica responsável pela cirurgia.
Em estudo, médicos atribuem óbito a múltiplos fatores e chamam paciente de herói.
David Bennett (à direita) foi a primeira pessoa a receber um coração suíno por meio de um transplante | Foto: University of Maryland School of Medicine
David
Bennett, 57, tinha uma condição cardíaca que o levaria à morte caso não
recebesse um transplante de coração. Com outras doenças crônicas, porém, ele
não era elegível para um transplante de coração humano. Em 7 de janeiro de
2022, ele passou por uma operação de oito horas no Centro Médico da
Universidade de Maryland para receber o transplante de coração suíno.
O coração
suíno foi geneticamente modificado para incluir genes humanos que tornam o
órgão mais tolerável pelo nosso sistema imunológico. Outros genes suínos foram
deletados para impedir o crescimento do órgão dentro do corpo e outras funções.
A equipe de
pesquisadores divulgou no estudo as principais lições aprendidas com o primeiro
xenotransplante (nome dado ao procedimento que ocorre com órgãos de outras
espécies animais) feito em um paciente ainda vivo.
A
ideia é que a pesquisa ajude a identificar possíveis falhas e aprimorar o
caminho para novos procedimentos no futuro. A causa da morte de Bennett foi
uma parada cardíaca dois meses depois do procedimento.
Ao analisarem
o órgão transplantado, os pesquisadores notaram endurecimento da parede do
miocárdio, a musculatura que recobre o coração, danos múltiplos ao endotélio
(parede mais fina e interna dos capilares sanguíneos) e inflamação do órgão,
consequência provavelmente de uma resposta imune exacerbada desencadeada por
uma possível rejeição ao órgão.
Como a saúde do
paciente estava deteriorada, os médicos administraram imunoglobulina
intravenosa (IVIG, na sigla em inglês) para tentar ajudar a recuperar o sistema
imune debilitado. Durante a administração, porém, os anticorpos podem ter
reconhecido o órgão como um invasor e provocado a resposta imune contra o
próprio tecido cardíaco.
Além disso,
foi detectada na análise genética do coração a presença de dois tipos de vírus
suínos, o citomegalovírus suíno (PCMV) e o vírus da roséola suína (PRV), mas
nenhum fragmento de DNA viral foi detectado em outros órgãos do paciente, o que
descarta que uma provável infecção viral tenha causado a morte.
De acordo com
os cientistas, é provável que os vírus, que estavam dormentes no órgão, tenham
sido liberados da parede do coração após a ação exagerada do sistema imune do
paciente. Com a chamada síndrome inflamatória, o vírus pode ter provocado ainda
mais deterioração na parede cardíaca.
Um dos pontos
levantados pelos autores no estudo é que não foi feito um teste na
imunoglobulina intravenosa antes da administração ao paciente para investigar
se haveria possibilidade de reação cruzada. Essa reação imune exacerbada
poderia ter sido evitada caso células da veia aorta do porco tivessem sido
testadas antes da cirurgia.
"É
provável que a reação imune tenha sido provocada só após a injeção no paciente,
já que detectamos também uma diminuição na expressão gênica dos genes que
supostamente previnem a rejeição e uma elevada expressão de genes que regulam a
ação inflamatória humana nas células endoteliais", explicam os autores.
Os cientistas
afirmam, porém, que Bennett foi "um herói" que voluntariou a própria
vida à ciência, e esperam que o próximo paciente seja bem-sucedido. "Novos
transplantes de porco geneticamente modificados em humanos podem melhorar nossa
compreensão dos mecanismos de falha dos xenoenxertos e ajudar a lidar melhor
com os procedimentos clínicos", completam os autores.
Autor:ANA BOTTALLO/
FOLHAPRESS
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