A vacinação foi a ferramenta de prevenção que teve maior impacto no controle da pandemia de covid-19, que completou neste dia (11) três anos. Apesar disso, grande parte das crianças brasileiras ainda não teve acesso a essa proteção e elas são consideradas por especialistas como vulneráveis a casos graves e mortes pela doença.
É falsa a ideia de que crianças não são do grupo de risco para covid.
Em março, será reforçada a importância da vacinação contra covid-19 com foco nas crianças e adolescentes. | Reprodução
Segundo
o Ministério da Saúde, entre os bebês e crianças de seis meses a quatro anos de
idade, a cobertura vacinal contra a covid-19 é de 25% na primeira dose e de
2,5% na segunda.
O esquema básico para
essa vacina também prevê uma terceira dose, oito semanas após a D2, e só 0,1%
do público-alvo recebeu essa aplicação. Essa faixa etária foi a última a ter
acesso às vacinas, com a Pfizer baby, aprovada pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro do ano passado.
Antes
disso, crianças de três e quatro anos podiam ser vacinadas com a CoronaVac,
aprovada pela Anvisa para essa faixa etária em julho de 2022. Apesar disso,
somente 22,87% das crianças com três e quatro anos foram imunizadas com a
primeira dose, e 10,2% receberam a segunda dose, de acordo dados enviados pelo
Ministério da Saúde à Agência Brasil.
Já na faixa etária mais
velha - de cinco a onze anos - a primeira vacina aprovada foi a Pfizer
Pediátrica, ainda em dezembro de 2021. A vacinação propriamente dita começou
apenas em janeiro de 2022, com mais de um mês de atraso, e, mais de um ano
depois, a cobertura vacinal para a primeira dose é de 71,62% e a da segunda
dose, de 51,58%.
Risco de infecção
Com
coberturas tão abaixo da média da população brasileira, as crianças estão
expostas à infecção pelo coronavírus, cuja circulação foi impulsionada pelas
linhagens da variante Ômicron.
O presidente da
Sociedade Brasileira de Pediatria, Clóvis Constantino, disse que não foi
pequeno o número de crianças que adoeceu e morreu por covid-19 nesses três
anos. Segundo o Laboratório de Saúde da Infância, da Fundação Oswaldo Cruz e da
Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Arthur de Sá Earp Neto (Unifase),
o Observa Infância, mais de 1,8 mil crianças menores de cinco anos morreram de
covid-19 entre o início da pandemia e outubro de 2022.
"Ao
contrário do que se dizia, que a criança não apresentaria formas graves da
doença, ela apresentava com uma certa frequência, inclusive, com casos de
síndrome inflamatória multissistêmica (SIM) e comprometimento cardíaco",
disse Constantino, que também destaca os quadros de covid longa.
"Se
a criança consegue sobreviver, tem a possibilidade de covid longa,
principalmente nas que tiveram maiores comprometimentos, como a SIM, que é uma
inflamação geral do organismo que tem um tempo muito longo de
recuperação", afirmou.
Constantino vê a
disseminação de fake news [notícias falsas] como ponto importante para a
hesitação dos pais em vacinar seus filhos. Diante disso, o médico pediatra
tranquilizou os responsáveis sobre algumas das dúvidas mais frequentes: os
efeitos adversos causados por essas vacinas não fogem à normalidade do que já
era previsto para outros imunizantes, e a tecnologia desenvolvida para elas não
foi criada da noite para o dia, mas fruto de um salto tecnológico que levou
muitos anos para estar pronto e poder ser usado na pandemia.
"O
substrato biológico já estava pronto há muito tempo. Apenas faltava fazer o
sequenciamento do vírus, identificar a parte do vírus que seria usada e fazer a
adaptação dessa plataforma biológica que já estava pronta. Isso significa uma
alta segurança do produto. Não havia necessidade nenhuma de se duvidar",
explicou.
O vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, lamentou que, pela primeira
vez, pais buscaram a imunização para se proteger, mas não fizeram o mesmo para
proteger seus filhos. O médico vê as notícias falsas espalhadas sobre a
vacinação como um elemento importante para esse problema.
"Isso
impactou bastante na pediatria e na confiança das pessoas. É algo mais seletivo
contra as vacinas de covid, mas acaba respingando nas outras vacinas, no
conceito de vacinação, no valor das vacinas. E talvez o maior pilar de um
programa de vacinação é a confiança, não só na vacina, mas no poder
público", salientou.
Idosos
Kfouri
observou que, ao longo da pandemia, foi muito enfatizado o risco de agravamento
da doença em idosos, e que essa comparação com outros grupos como as crianças
contribuiu para a invisibilização dessa faixa etária. O problema cresce com a
demora na chegada das vacinas para crianças, que só ficaram disponíveis em um
momento em que a mortalidade da pandemia já havia passado da sua pior fase.
"O
mais justo não é comparar a covid-19 na pediatria com a covid-19 no adulto e no
idoso, mas, sim, a covid-19 na pediatria com as outras infecções pediátricas.
Quando a gente vê isso, só a covid, sozinha, faz mais vítimas em crianças do
que todas as doenças do calendário infantil de imunização. Se somar as mortes
por todas as doenças imunopreviníveis, a covid-19, sozinha, faz mais
vítimas", garantiu.
Para o co-coordenador do
Observa Infância, Cristiano Boccolini, a ideia de que as crianças não são do
grupo de risco para covid-19 é falsa.
"As
crianças, comparadas com adultos e idosos, têm um risco menor de ter a doença,
mas elas não estão isentas de risco. Foi vendida para a sociedade a ideia de
que criança não morre de covid. O ex-presidente falou isso, o ex-ministro falou
isso. E isso entrou em um senso comum. As crianças têm, sim, risco, e hoje ele
pode ser prevenido por medidas de vacinação. Cada morte de criança a partir de
seis meses é uma morte prevenível", especificou.
Também
co-coordenadora do laboratório, Patrícia Boccolini lembrou que houve atraso na
disponibilização da vacina pediátrica para a população e a criação de
obstáculos, inclusive com o governo federal levantando a hipótese de exigir a
assinatura de termo de consentimento e responsabilidade para a vacinação das
crianças.
"O
governo [anterior] fez de tudo para complicar. Ele não só não ajudou, como
atrapalhou", avaliou Patrícia. "A figura central do Brasil [o
ex-presidente Jair Bolsonaro] sempre defendeu que não iria se vacinar e que não
iria vacinar sua filha, que era uma criança. Isso tudo para exemplificar que os
pais têm a sua parcela de culpa, mas o cenário todo estava desfavorável e
contribuindo para a hesitação desses pais" recordou Patrícia.
Para a pesquisadora, é
muito importante a inclusão da vacina contra a covid-19 no calendário de
vacinação da criança, estabelecendo como uma obrigação dos pais e responsáveis.
"A
vacinação está em destaque no Estatuto da Criança e do Adolescente como um
direito da criança, e isso não foi respeitado. Só agora o governo está
discutindo a entrada dela no calendário oficial. Se é um direito, ela tem que
estar presente nesse calendário", acrescentou.
O
Observa Infância destacou ainda que, além das mortes e sequelas da covid longa
e os efeitos para a saúde mental do isolamento e do ensino remoto, as crianças
e adolescentes sofreram também com a perda de seus pais durante a pandemia. Um
estudo divulgado no fim do ano passado pelo grupo contabilizou 40 mil crianças
e adolescentes que ficaram órfãos de mãe no Brasil por causa da covid-19.
"Normalmente
as mães têm um papel central na organização familiar. Então, ocorre uma
relativa desorganização familiar, muitas vezes com as crianças tendo que ser
adotadas ou tutoradas por parentes ou outras pessoas. E tem toda a questão da
segurança social, como questões relacionadas à renda", destacou Cristiano
Boccolini.
Crianças e adolescentes
Procurado
pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde adiantou que, na segunda etapa do
Movimento Nacional pela Vacinação, que ocorre agora em março, será reforçada a
importância da vacinação contra covid-19 com foco nas crianças e adolescentes.
O
ministério afirmou, também, que trabalha em conjunto com estados e municípios
para sensibilizar a necessidade da vacinação neste público e esclarecer os pais
e responsáveis sobre a eficácia e segurança das vacinas e os riscos de doença e
morte das pessoas não vacinadas. Segundo assessoria de imprensa do Ministério
da Saúde, ainda em janeiro, a nova gestão iniciou as tratativas com
laboratórios para antecipar as entregas dos imunizantes, que estavam em falta
em todo o país.
"O
Ministério da Saúde reforça que a vacinação é a forma mais eficiente de salvar
vidas contra a covid-19. A redução de óbitos e casos graves que o país vem
registrando é reflexo da vacinação. Para que se mantenha essa tendência de
queda, é necessário que a população se vacine e complete o esquema vacinal com
todas as doses recomendadas para cada faixa etária. Para mobilizar o país sobre
a importância da vacinação, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional
pela Vacinação, que visa unir o país no propósito de ampliar as coberturas
vacinais em todas as faixas etárias. As vacinas são seguras e eficazes,
protegem crianças, adultos e idosos contra a doença", esclareceu o
ministério.
Ag. Brasil
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