Pesquisa liderada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) concluiu que o vírus da COVID-19 pode ser detectado em lágrimas por meio de testes com swab, haste flexível com algodão na ponta usada na coleta de material para exames.
Ao analisar amostras de pacientes internados no Hospital das Clínicas de Bauru (SP) com diagnóstico da doença confirmado por métodos convencionais, os pesquisadores detectaram o SARS-CoV-2 na superfície ocular utilizando esse tipo de teste em 18,2% dos casos.
O resultado indica uma alternativa ao swab nasal e oral, que causa desconforto no nariz e na garganta | ( Reprodução )
Ao
analisar amostras de pacientes internados no Hospital das Clínicas de Bauru
(SP) com diagnóstico da doença confirmado por métodos convencionais, os
pesquisadores detectaram o SARS-CoV-2 na superfície ocular utilizando esse tipo
de teste em 18,2% dos casos. O resultado indica uma alternativa ao swab nasal e
oral, que causa desconforto no nariz e na garganta, e sinaliza a necessidade de
medidas de proteção para os profissionais de saúde já que, apesar de baixo, há
risco de transmissão do vírus pela lágrima.
Além
disso, a combinação de dois fatores – mais comorbidades e maior taxa de
mortalidade – entre pacientes com teste positivo na lágrima sugere que a
detecção viral pode auxiliar no prognóstico da doença. Os resultados foram
publicados em artigo no Journal of Clinical Medicine.
“No
início da pesquisa, pensamos em buscar um método de diagnóstico fácil, com a
coleta de material sem tanto incômodo para os pacientes. O swab nasal, além de
provocar desconforto, nem sempre é usado da maneira correta. Para pessoas com
desvio de septo nasal, por exemplo, pode ser um problema. Achávamos que a
lágrima seria mais fácil de executar, mais tolerável. Conseguimos mostrar que é
um caminho. Uma limitação nesse estudo é que não sabemos se a quantidade de
lágrima coletada influencia na positividade ou não”, afirma o autor
correspondente do artigo, o professor Luiz Fernando Manzoni Lourençone, da
Faculdade de Odontologia de Bauru e do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais, ambos da USP.
Segundo
o pesquisador, é possível inferir que a probabilidade de detectar o vírus em
amostras lacrimais é maior em pacientes com carga viral alta, que pode levar a
um quadro de viremia disseminada por diversos fluidos corporais.
O
trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Iniciação Científica
concedida a Luís Expedito Sabage, aluno de graduação, orientando de Lourençone.
Técnica
De
61 pacientes internados, foram analisadas amostras de 33 deles com diagnóstico
de COVID-19 e de outros 14 sem o vírus, obtidas durante o primeiro semestre de
2021, quando as principais variantes que circulavam no Estado de São Paulo eram
a gama e a delta.
Os
cientistas utilizaram duas formas para coletar as lágrimas – o swab conjuntival
e as tiras de Schirmer (exame para avaliar se o olho produz quantidade
suficiente de lágrimas). As avaliações foram realizadas entre julho e novembro
do mesmo ano.
Do
total, o SARS-CoV-2 foi detectado em 18,2% das amostras coletadas por swab e em
12,1% das obtidas por meio de tiras de Schirmer. Por outro lado, como esperado,
nenhum dos pacientes negativos para COVID-19 em exames feitos com swab
nasofaríngeo teve amostra de lágrima positiva.
Para
avaliar as comorbidades, o grupo adotou o Índice de Comorbidade de Charlson
(ICC), composto por 20 fatores e desenvolvido como forma de padronizar e
ajustar indicadores de risco, discriminando o prognóstico de um paciente em termos
da mortalidade no período de até um ano.
Segundo
a pesquisa, os indivíduos cujas lágrimas testaram positivo para o SARS-CoV-2
tiveram ICC inferior em relação ao restante (apontando maior probabilidade de
óbito em dez anos) e taxas de mortalidade mais altas.
Independentemente
do diagnóstico de COVID-19, a maioria dos indivíduos apresentou baixa produção
lacrimal e desconforto ocular, indicando a necessidade do uso de lágrima
artificial durante a internação.
Além
de dados demográficos, clínicos e de sintomas oculares, os cientistas
trabalharam com análises de RT-qPCR (sigla em inglês para Reação em Cadeia de
Polimerase de Transcrição Reversa). O método requer a extração do material
genético; um processo de transcrição do RNA em DNA e, por fim, a multiplicação
do DNA. Considerado padrão-ouro para diagnóstico da COVID-19 e amplamente usado
em vários laboratórios pelo mundo, o exame é capaz de detectar a presença de
até mesmo uma única cópia do material genético do vírus na amostra.
Ao
contrário de estudos anteriores, em que genes virais (N e RdRp) não foram
considerados nas análises de RT-qPCR, nesse caso a pesquisa identificou diferentes
partes do vírus, resultando em uma melhor taxa de detecção.
Em
julho de 2021, foi publicado o resultado do trabalho de um grupo da Faculdade
de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM-Unicamp) que acompanhou 83
pacientes internados no Hospital de Clínicas da cidade, dos quais 8,43% tiveram
amostras de lágrimas ou da superfície ocular positiva para a doença.
“Quando
começamos, no início de 2021, não tínhamos tecnologia para fazer o cruzamento
de alguns tipos de dados, saindo da ciência básica para a prática clínica.
Nesse intervalo, o Sabage fez um estágio no Byers Eye Institute, do
Departamento de Oftalmologia da Universidade Stanford [Estados Unidos], uma
referência em estudos de fluidos oculares complexos. Com a tecnologia de lá,
foi possível fazer vários pareamentos e constatar a presença de SARS-CoV-2 em
lágrimas das nossas amostras. A associação com outra equipe trouxe resultados
para nosso campus e abriu uma nova linha de pesquisa”, completa Lourençone à
Agência FAPESP.
O
estágio em Stanford recebeu apoio da FAPESP.
Possibilidades
Agora,
o grupo de pesquisadores iniciou uma nova linha com foco na detecção de doenças
por meio de testes e exames ligados aos olhos. O objetivo é trabalhar com
outros tipos de vírus, além do SARS-CoV-2.
“Existem
outros vírus ainda pouco estudados no Brasil. Pretendemos nos dedicar a
encontrar soluções e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Vamos analisar
também outras condições virais que se tornam sistêmicas”, diz o professor.
O
artigo Conjunctival Swabs Reveal Higher Detection Rate Compared to Schirmer
Strips for SARS-CoV-2 RNA Detection in Tears of Hospitalized COVID-19 Patients pode ser lido aqui.
Autor:Luciana Constantino | Agência
FAPESP
0 Comentários